terça-feira, 13 de agosto de 2024

E o problema é Di María?!


"Mesmo acabado de chegar, argentino mostrou que é imprescindível para uma equipa cada vez menos criativa. E David Neres a fazer as malas…

Desfeita a espuma das ondas, que em período de pré-época ajuda a ultrapassar desilusões e a renovar aspirações, o Benfica entrou na nova Liga com aquele desconforto de quem volta à rotina com um escaldão no corpo. Depois de ter confirmado o adeus ao título 2023/24 em Famalicão, a equipa de Roger Schmidt iniciou a campanha 24/25 a perder novamente com a equipa de Armando Evangelista, que promete uma época de consolidação.
Do lado encarnado parece que nada mudou desde o dia 5 de maio - como tão bem resumiu o camarada Nuno Paralvas na crónica do encontro de domingo -, deixando aos adeptos aquela sensação de quem fez o esforço para limpar a cabeça nas férias e depois, ao regressar ao trabalho, percebe logo que os problemas não desapareceram por mero efeito do calor.
Como já indiciava a contratação de Leandro Barreiro e o regresso de Aursnes ao papel de médio-ala, Schmidt não tem a intenção de escrever uma nova folha no bloco de notas. Prefere insistir na vontade de fazer com que os apontamentos de 22/23 voltem a ser úteis. Não é surpreendente, tendo em conta o trajeto do técnico alemão, mas alimenta dúvidas quanto à evolução da ideia de jogo, uma vez que as cedências não acompanham o ritmo a que muda o perfil do plantel.
Talvez esta análise seja influenciada negativamente pelas condicionantes do onze apresentado pelo Benfica em Famalicão, mas foi a estrutura encarnada que se deu ao luxo de prescindir de David Neres e de Arthur Cabral, que libertou João Neves para o PSG sabendo que Renato Sanches tem de ser gerido com muito cuidado, que cedeu o capitão Nicolás Otamendi para duas competições seguidas da seleção argentina e que arriscou entrar na Liga ainda com Kokçu e Di María a tirar areia dos pés.
Se o turco jogou o suficiente para justificar a titularidade no próximo compromisso, o argentino mostrou que é imprescindível neste Benfica. É sempre legítimo discutir o peso na folha salarial, mas Di María é o artista em vias de extinção de uma equipa onde falta espaço para a criatividade. Ainda agora, em Famalicão, sobraram equilibradores (Florentino e Barreiro) onde faltaram pensadores, acumularam-se pensadores (João Mário e Aursnes) onde deviam estar desequilibradores.
O problema não está em Di María, por mais esforço defensivo que seja preciso pedir ao resto da equipa. Ao Benfica não falta equilíbrio, falta capacidade para desequilibrar o adversário, e a saída de David Neres só agrava o problema, mas ninguém pode censurar o brasileiro por sentir que está a mais."

O Alemão que não é Alemão


"Schmidt pode não saber dizer bom-dia em português mas tem a mentalidade infeliz de um portuguesinho pouco valente. Não lhe chamem Roger – chamem-lhe Rogério

Diz-nos a História Universal que um alemão derrotado é um alemão morto. Está-lhes no sangue. Sobrevivem até à última bala, até à derradeira granada, foi desta forma que se ergueram das cinzas de duas Grandes Guerras que os deixaram de rastos, voltando a ser grandes depois de cada uma delas. Calhou ao Benfica ter um treinador alemão que só foi alemão durante seis meses, seis meses que nos surpreendeu com a arrogância de um futebol perseverante e conquistador, diferente do que tínhamos visto até então. Em seguida, aburguesou-se. Ou pior, aportuguesou-se. No pior sentido do termo. É um indivíduo sem chama, sem alma, contentinho com a sua vida-vidinha de ir perdendo arranjando desculpas para as derrotas. Confesso que nada nele me espanta. No último número do Sol escrevi numa expectativa ao jogo de Famalicão e da época que agora começou: Comprou o Benfica, ao que parece, um ponta-de-lança que faz golos e só isso muda ligeiramente o paradigma da época passada quando tinha pontas-de-lança que não os faziam. Mas, de resto, nada parece alterar-se na filosofia de uma equipa que andou a arrastar-se deprimentemente no campeonato passado, sujeitando-se a humilhações contínuas. Duas insistências, incompreensivelmente teimosas, parecem, a meu ver, fazer com que tudo vá ficar mais ou menos na mesma: uma em manter o treinador Roger Schmidt, que deixou de ter a confiança dos adeptos, e que ao primeiro resultado negativo, será de novo alvo de protestos com os quais não sabe lidar, entrando em descontrolo; outra em apostar no regresso de Di María, um daqueles jogadores que amua se não jogar os 90 minutos de todos os jogos numa fase da vida em que não pode nem jogar 45 minutos de metade dos jogos. O ano passado entrou pelos olhos dentro que Schmidt não tem autoridade sobre o argentino e que, pelo contrário, faz tudo aquilo que ele quer (e se isso provocar a saída de Neres o tiro no pé será ainda mais doloroso). Di Maria foi um dos grandes desequilibradores da equipa, no sentido negativo, com um número inusitado de perdas de bola e com uma incapacidade total de defender (nem que seja ocupando espaços) que não compensaram nem de perto nem de longe algumas habilidades e os seus 17 golos. Também não houve por parte dos responsáveis vontade de reforçar o centro da defesa onde Otamendi exibe 36 anos (tal como Di María) e António Silva caiu numa estagnação manifesta em erros primários, alguns deles oferecendo de mão beijada golos a adversários. Com Morato a não mostrar evolução apesar de uma utilização continuada, só Tomás Araújo surge como possível titular. Pouco a meu ver porque, neste momento, precisaria de dois e consistentes pois os outros não o são. A saída de João Neves tem sido preparada por Schmidt com a opção por dois trincos (Barreiro e Florentino), mas talvez seja de menos para jogos com tantos pés-de-chinelo que habitam na nossa prova maior. Pode ser que Rollheiser e Prestiani tragam, graças à sua juventude e à sua qualidade, algo de verdadeiramente novo – são jogadores diferentes e cheios de vontade de jogar com aquela camisola (algo que nunca é de somenos). Se não forem eles, a apagada e vil tristeza manter-se-á por mais uma época perdida logo à partida. E os encarnados cairão mais um degrau num declive que têm andado a cavar.
Como não nasci para bruxo nem tenho pretensões a Nostradamus, limitei-me a transferir para os dias que correm – e com as indicações da pré-época – aquilo que aconteceu na anterior. O facto pode ser doloroso para este Roger/Rogério, mas a verdade é que quanto mais tempo se mantiver no cargo mais fundo irá cair um conjunto que, desculpem lá o mau-jeito, está formatado para actuar com individualidades que já não podem (umas nunca puderam) vestir a camisola de um clube com o estatuto do Benfica.

A bigorna de Rui Costa
Conheço o Rui Costa desde menino, tenho uma estima especial pelo seu pai, o Senhor (com maiúscula) Vítor, e uma ternura infinita por ele e pela sua família, mas isso não pode impedir-me de considerar que a manutenção deste treinador foi, até agora, o maior erro da sua vida desportiva. Roger Schmidt tem uma visão primária de futebol que o leva a ser, neste momento, uma especie de bigorna amarrada aos pés de um presidente que tenta nadar num mar de vagas alterosas. Confesso que nunca, nestes quarenta anos de profissão, imaginei asistir aos insultos e impropérios que os adeptos dirigem a um homem que tanto adora o clube. Mas a realidade é que a teimosia em abraçar-se a Roger Schmidt, depois de uma época indigna, colocou o Rui nesta situação insustentável. Lamentável, para não dizer pior, a forma o alemão como reage a cada derrota. Há uma expressão em alemão que define bem o seu discurso bacoco: «Latrinenparolen». Conversa de treta, para ser bem educado. Não assume culpas, insiste que há uma estratégia preparada para todos os jogos (pelos vistos errada), lança sobre os seus jogadores o opróbrio de uma visão redutora do jogo que é a sua.
Sejamos claros: que esperam os benfiquistas que aconteça nas próximas semanas? Que esta equipazinha que não serve nem para trazer por casa desate, de repente, a jogar enormidades? Que Di Maria e Otamendi passem, num golpe de mágica, a terem 25 anos? Que Renato Sanches se transforme numa especie de Super-Homem e carregue com a equipa às costas? Não. O problema está longe de ser individual. Prende-se com uma falta total de noção do jogo a praticar e da forma como abordar os adversarios que vão surgindo. Não tenho nenhum problema em apostar aqui, singelo contra dobrado como nos livros do Texas Jack, que com este alemão que nada tem de alemão se não a língua, o Benfica voltará a ganhar nada de nada, como aconteceu no ano passado. Vai Rui Costa soltar as amarras que tem com ele e devolver alguna crença aos que ainda o seguem, ou vai preferir ir para o fundo numa confiança que Roger Schmidt há muito tempo não merece? Gostaria de dar respostas a estas perguntas. Mas só o presidente do Benfica conhece o segredo delas. E foi eleito para isso."

Mais do mesmo Benfica?


"Ontem foi um dia de grandes expetativas para os amantes do “desporto rei”, no geral, e, em particular, para os benfiquistas, uma vez que o seu glorioso abriu a época.
Sem rodeios ou falsas modéstias, não são apenas os benfiquistas que assistem aos jogos do Benfica. Essa realidade dá-se por diversas razões, por exemplo para conhecer o adversário numa perspetiva mais desportiva ou, esta mais popular, como sempre se ouviu dizer, há os benfiquistas e os outros.
Assim, nos campos e estádios pelo país fora, semana após semana, testemunham-se enchentes de benfiquistas e outros tantos adeptos com um primeiro, segundo ou mesmo terceiro clube que durante o ano defrontará o Benfica.
A tarde de ontem foi para esquecer, mais não seja pelo resultado que foi revelador do que se passou em campo: uma banalização da equipa encarnada, que nem o treinador conseguiu explicar. Aliás, as explicações de Schmidt tiveram a sua dose de surrealismo. Ora referia a necessidade de ter os jogadores focados, ora justificava que não conseguiu por em prática o que foi feito na pré-epoca.
O que se passou é incompreensível, mas começaria por dizer o que sempre ouvi o meu pai e avô dizerem: não basta vestir a camisola do Benfica, há que jogar à bola! E, de facto, ontem não se jogou à bola em Famalicão. Sobre o adversário, obviamente há espaço para elogios porque vencer o Benfica é um feito. Todavia, não desfazendo, cada vez mais os benfiquistas vão estando habituados a estes “feitos”.
O único benfiquista com verdadeiras responsabilidades ficou tão chateado como todos os outros, reação que foi possível testemunhar pela televisão. Contudo, a principal diferença é que ele é o Presidente e deve-nos uma explicação.
É que a tal pré-epoca de que falou o alemão não foi assim tão brilhante. Aparte da vitória sobre o Feyenoord no troféu Eusébio, o Benfica fez exibições razoáveis, com pormenores interessantes, mas nunca demonstrou o que já se viu no passado.
Portanto, sobre pré-epocas brilhantes, nas quais os jogadores espalharam magia e encheram o campo com futebol de qualidade, onde a bola correu entre os seus pés de forma excecional, não foi o que se viu este ano.
Aliás, quando os testes apertaram, os resultados também. Desse modo, na reta final da pré-epoca, assim se justificam o empate e a derrota nos dois jogos mais complicados, quase que pré-anunciando o resultado de ontem.
A realidade é que o Benfica não conseguiu revalidar o título na época passada. Pior que isso, conseguiu incompatibilizar-se de tal forma com a massa associativa que fez com que chegasse ao primeiro jogo da época com margem de erro zero.
Perante esse facto, no momento de pressão, Schmidt cedeu. Perdeu, concedeu e não conseguiu explicar nem assumir a derrota sob qualquer prisma. Resumindo, o resultado é um jogo, zero pontos, uma derrota, dois golos sofridos e zero golos marcados.
Sim, falta muito campeonato. Sim, há tempo para recuperar, mas ainda agora o campeonato começou e já se a fala em recuperação? Não é de esquecer que os campeonatos se ganham nos jogos pequenos e ontem foi um desses. A conversa do “é para a semana” já é conhecida. Não obstante, os benfiquistas lá estarão para encher a Catedral e apoiar como se nada fosse, noutro jogo contra um dos muitos pequenos, mas que vale os mesmos três pontos.
Uma coisa é certa: como benfiquista e amante de futebol, a Liga nacional precisa de clubes competitivos, fortes, capazes de internamente lutar entre si, mas acima de tudo preparados para lutar ao nível das competições europeias. De outro modo, tudo se resume apenas ao lado económico-financeiro e esse diz muito pouco aos sócios de coração, como eu.
Afinal de contas, para nós, ser do Benfica, “(…) é ter na Alma a Chama imensa (…)”, ver o Benfica é um momento de alegria e de festa. Não de trata de ativos, trata-se de pura paixão. Por isso se ambiciona mais, se pretende alcançar o 40º e não mais do mesmo."

Querem honrar Constantino? Cumpram os seus desígnios…


"A vontade do presidente do COP era que Portugal fosse um País de Desporto, coisa que a classe política nunca valorizou. Palavras bonitas não chegam, venham ações concretas.

Ao mesmo tempo que, em Paris, Léon Marchand extinguia a chama olímpica, em Lisboa apagava-se a vida física de José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP). É difícil encontrar maior simbolismo do que este, para alguém que dedicou a vida à causa do Desporto e levou a sua missão até ao fim, tendo ainda presenciado in loco, num momento sublime, a medalha de bronze de Patrícia Sampaio, na capital gaulesa.
A lutar contra a doença há muito tempo, José Manuel Constantino foi sempre um exemplo de coragem na forma como foi superando as dificuldades, com uma vontade indómita de continuar a olhar para o futuro, com uma miríade de projetos a fervilharem-lhe naquele cérebro prodigioso. Num passado muito recente, o Vítor Serpa e eu entrevistámo-lo, nas instalações do COP, para a BOLA TV e para A BOLA, numa conversa notável em que o entusiasmo que colocou nas ideias lhe permitiu superar o incómodo físico que uma longa entrevista televisiva, sem pausas, inevitavelmente lhe provocou.
Em junho passado, quando lancei o livro Pulsação, convidei-o para a apresentação. Porém, sabendo as limitações de mobilidade que tinha, fui na véspera ao Comité Olímpico oferecer-lhe um exemplar com dedicatória, dizendo-lhe que estava perfeitamente à vontade para não comparecer no dia seguinte, tanto mais que o lançamento seria no piso ‘menos um’ da livraria Barata, o que requeria descer três lanços de escadas. Resposta de José Manuel Constantino, que tinha acabado de chegar do Hospital, onde tinha realizado tratamento, e onde devia regressar na manhã seguinte: «Podes ter a certeza de que só não irei se ficar internado. Caso contrário, lá estarei.» E assim foi, auxiliado na fase das escadas, e depois na cadeira de rodas, onde assistiu à apresentação do livro na primeira fila, entre Fernando Gomes, presidente da FPF e Daniel Monteiro, presidente da CDP.
Em José Manuel Constantino sentiu-se, até ao fim, uma vontade de viver e continuar a dar o seu contributo para um Desporto melhor em Portugal. O que nos leva a uma outra abordagem da ação pública de José Manuel Constantino. Pensador profundo do Desporto, muito crítico relativamente às práticas públicas que nunca levaram a atividade realmente a sério, a Constantino a voz nunca doeu para não só criticar as más práticas recorrentes da classe política, como ainda para apontar caminhos que levariam, por certo, Portugal a outros patamares competitivos e os portugueses a uma vida muito mais saudável. Estou certo de que, perante a sua morte, todos os políticos, da esquerda à direita, vão enaltecer a figura desaparecida e tecer leoas à sua personalidade, exarando-lhe, por certo, pelo menos, um voto de louvor parlamentar. Porém, querem, realmente, honrar José Manuel Constantino? Então levem à prática aquilo por que ele pugnou toda a vida e a que, quase sempre, nas questões de fundo, fizeram orelhas moucas. Essa é a única homenagem à altura do presidente do COP, e é o desafio que aqui deixo.
Em 2016 fiz a cobertura, para A BOLA, dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Chegado a Lisboa, recebi um telefonema de José Manuel Constantino a desafiar-me para escrever um artigo pós-Rio para a revista Olimpo, do COP. Avisei-o: «Escrevo com todo o gosto, mas vai ser a doer…», ao que me respondeu, «nem eu esperava outra coisa.»
E, oito anos volvidos, infelizmente aquilo que plasmei preto no branco na Olimpo, repeti quase na totalidade na edição de ontem de A BOLA, a propósito dos Jogos de Paris, porque, infelizmente, apesar da luta sem quartel mantida por José Manuel Constantino e mais um punhado de homens e mulheres que veem o Desporto não como uma despesa mas como um investimento nos portugueses, Portugal continua a não ser um País de Desporto.
Regressando a José Manuel Constantino, amigo há décadas, torna-se evidente que deixa a fasquia da presidência do COP muito alta e quem pegar no facho olímpico para o próximo percurso deverá estar à altura de um legado intelectualmente superior, politicamente independente, e de uma coragem de colocar o dedo na ferida, sem se importar com consequências pessoais, sem limites."

A dupla que pôs os portugueses a vibrar com o “outro ciclismo”


"É impossível alguém ficar indiferente às expressões de alegria de Rui Oliveira e de Iúri Leitão no pódio da prova de madison dos Jogos Olímpicos.
A dupla portuguesa tinha ganho há poucos minutos uma surpreendente - para quem não segue o ciclismo de pista e o percurso dos atletas nacionais nesta especialidade - medalha de ouro e garantido um lugar na história do desporto nacional ao tornarem-se os primeiros atletas portugueses fora do atletismo a conquistar um ouro olímpico. A este feito Iúri Leitão juntou outro: é o primeiro desportista nacional a obter dois pódios na mesma edição dos Jogos.
A equipa juntou-se ontem a Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Nelson Évora e Pedro Pichardo como ocupantes do lugar mais alto do pódio e agora não vão faltar elogios, cumprimentos e, provavelmente, até grandes especialistas em ciclismo de pista que já anteviam esta glória.
Passadas as frases elogiosas que muitos se apressaram a dizer, é bom colocarmos os pés no chão e lembrar que o que se passou ontem na pista do Velódromo Saint-Quentin-en-Yvelines não aconteceu por acaso. A vitória de Rui Oliveira e Iúri Leitão e o segundo lugar deste na quinta-feira (dia 8) no omnium são o resultado de muito trabalho dos ciclistas e de quem ao longo dos anos tem defendido o ciclismo, uma modalidade sempre muito atacada.
Este dia 10 de agosto ficará na memória de todos os que assistiram às táticas na pista, mas o que mais emocionou foi a alegria dos atletas, o sorriso de “orelha a orelha”, o choro durante o hino, a emoção de Iúri, que teve de ser tranquilizado pelo companheiro de equipa. E até festejaram os dois com um “Siiiuuu”, mundialmente divulgado por Cristiano Ronaldo.
“Muita luta, muito sacrifício. Procurámos durante tantos anos por uma coisa assim. E agora estamos na história do desporto”, disseram quando se acalmaram. Enfim, um pouco, que as emoções estiveram mesmo muito ao rubro.
A 32.ª medalha de Portugal nos Jogos Olímpicos surgiu, assim, de surpresa para muitos - como curiosidade, recordemos que a sexta medalha de ouro foi conquistada 40 anos depois de Carlos Lopes ter vencido a maratona em Los Angeles -, mas é justo lembrar que muita gente tem trabalhado ao longo dos anos para que tal acontecesse um dia.
Se quiserem um momento importante desse trabalho, se calhar podemos recuar a 2009, quando foi inaugurado o Anadia Cycling Centre, o centro de alto rendimento onde o ciclismo de pista tem todas as condições para evoluir. E depois a qualidade dos ciclistas nacionais, muitos deles, como Iúri e Oliveira, que fazem parte de equipas estrangeiras, como a Caja Rural Seguros RGA e a UAE (provavelmente a mais forte equipa do mundo na modalidade e que conta com mais três portugueses: Ivo Oliveira, João Morgado e João Almeida).
O triunfo de Iúri Leitão e Rui Oliveira tem outro marco: o ciclismo passa a ser, a par do atletismo, a única modalidade com ouro olímpico.
Por tudo o que está escrito atrás, a glória desta dupla é mais do que merecida, mas permitam-me deixar um pedido/recado: não se esqueçam de atletas como Fernando Pimenta, que ontem foi menos feliz, mas que tantas medalhas e títulos já conquistou para Portugal. E, a par dele, de todos os outros que defendem mundialmente o nome do país e da modalidade que praticam.
Nestes Jogos, o atletismo, o judo e o ciclismo conquistaram medalhas, mas muitos atletas obtiveram diplomas olímpicos (ficaram até ao oitavo lugar).
E todos cumpriram uma intensa preparação durante quatro anos para estarem em Paris. E, a partir de agora, com o objetivo de marcarem presença em Los Angeles em 2028."

Os Olímpicos e o retrato de quem os organiza


"A utilização dos Jogos Olímpicos, na “era moderna”, como forma de propaganda dos Estados que os organizam é um clássico que vem desde a Alemanha de Hitler. Os JO de 1936 foram mesmo os primeiros a ter os resultados a serem transmitidos por telex em tempo real para os media e com cobertura televisiva, com transmissão para salas de cinema especialmente equipadas na cidade de Berlim (e com potência suficiente para poder ser, eventualmente, o primeiro sinal rádio de TV interestelar da Humanidade - algo que Carl Sagan virá a utilizar com especial efeito dramático no seu livro de ficção, adaptado a filme com o mesmo nome, Contacto).
O Reich usou com êxito os Olímpicos de 36 para promover a superioridade tecnológica alemã (ainda que lhes tenha saído o tiro pela culatra quanto à “supremacia ariana”, em especial por terem de mostrar ao mundo as imagens do negro norte-americano Jesse Owens a vencer quatro Medalhas de Ouro, nos 100 e 200 metros, nas estafetas e no salto em comprimento. E, pelo caminho, inventaram a “cerimónia de abertura” dos JO.
Desde então, cada país organizador faz por mostrar ao mundo - num evento que se pretende desportivo, mas que é obviamente político - quão superior é relativamente aos restantes. Os JO de Tóquio1964, por exemplo, foram os primeiros a serem transmitidos em direto através de satélite para a Europa e América do Norte, inaugurando a cobertura televisiva moderna Olímpicos.
A União Soviética, em 1980 ampliou de forma sistemática esta utilização do satélite. E transmitiu em direto para o mundo a imagem de paz e união, encabeçada pela hoje mítica mascote Misha, um ursinho desenhado pelo ilustrador infantil russo Victor Chizhikov, que marcou por completo todo o evento.
Durante este período, os comunistas soviéticos pareceram capitalistas, tanto foi o merchandising olímpico com o Misha que foi produzido: aparecia em chávenas, T-shirts, cinzeiros...
A mensagem: o “grande urso” russo era afinal um querido ursinho inofensivo, de braços abertos ao mundo, incapaz de maldade. A invasão do Afeganistão, iniciada meses antes, em dezembro de 1979, que levou os EUA de Jimmy Carter a boicotarem estes JO, era obviamente uma missão de pacificação a pedido do Governo legítimo do país. Algo, aliás, ainda hoje defendido por grande parte da extrema-esquerda, portuguesa e não só. Mas estou a sair do tema. Ou talvez não...
Misha era ainda a resposta de propaganda perfeita - através de um boneco infantil - de que é o imperialismo americano que tudo faz para destruir um belo momento de encontro pacífico da Humanidade na capital do paraíso da “ditadura do proletariado”. E, ainda que tal possa hoje custar a acreditar às gerações mais novas, para muito boa gente, funcionou. O boneco marcou pelo menos duas gerações e o momento do encerramento dos JO, em que o Misha parte para sempre preso a balões sobre o Estádio Olímpico levou muitos às lágrimas.
Nesses instantes, os comunistas deixaram de ser os velhos no camarote a ver passar procissões de soldados com marchas ridículas e carros com mísseis intercontinentais. Passaram, por alguns segundos, a seres humanos. E houve quem lhes tivesse dado o benefício da dúvida das suas intenções - e nunca tivessem daí saído, infelizmente. É esse o poder da boa propaganda.
Na missão de tentar controlar as mentes dos outros, dos líderes religiosos aos políticos, passando pelos marketeers, há efeitos fáceis de prever - que a rainha Isabel II a receber James Bond (interpretado por Daniel Craig) em Buckingham para a escoltar até à cerimónia inaugural dos JO de Londres 2012 será de imediato um clip viral na internet é claro-; outros mais difíceis de medir a priori as consequências exatas. É por demais evidente que a cena da “última ceia” da abertura de Paris2024 foi desenhada para criar polémica, mas toda a onda de controvérsia que se gerou, entre os ofendidos e os que vieram a correr intelectualizar a coisa foi de tal forma ridícula que demonstra bem como o ser humano, tendo as suas necessidades básicas asseguradas, é incapaz de priorizar as suas energias relativamente aos assuntos que importam para a sua real sobrevivência.
Mas é também nesses efeitos imprevisíveis, por vezes indesejados, que muitas vezes se encontram as pérolas. E estes JO de Paris não foram exceção. Na Cerimónia de Encerramento, demonstraram, ainda que sem querer, como é diferente a forma de ver a liberdade no Velho e no Novo Continente. Enquanto Paris encerrava da forma como abriu, com grandes (e um pouco chatas) figuras cénicas, houve um momento de passagem de testemunho para Los Angeles, com a intervenção de Tom Cruise, em que caiu ali a energia e a capacidade cénica americana que é um contraste tão evidente como, literalmente, do dia para a noite (eram 23.00 em Paris, 14.00 na Califórnia).
No vídeo que nos foi mostrado, quando a bandeira olímpica “chega” a Los Angeles e passa de mão em mão por várias personalidades, que vão correndo em direção à praia onde se realizará um pequeno concerto, as pessoas pelo caminho, aparentemente cidadãos comuns, curiosas, juntam-se de livre vontade. Não porque são obrigadas a isso, não porque estejam a seguir “a estrela”, não porque vão em “espírito de missão”... Vão porque querem ir ver o que é que se passa. Porque é bom, porque é giro, porque têm energia. São felizes. E isso transmite-se pela TV.
Independentemente do que possam ter ouvido dizer por aí, o sonho americano continua bem vivo. Os cuidados de saúde de que está a precisar são alguns, de facto, mas na realidade - e quando olhamos para o que andamos a fazer com a nossa liberdade - não são mais do que os nossos. Aliás, quem nos dera!"

Falso que o Sport Lisboa e Benfica procure treinador


"É totalmente falso que o Sport Lisboa e Benfica, finda a 1.ª jornada do Campeonato, esteja no mercado à procura de treinador, assim como falsos são os nomes que têm surgido na opinião pública ou publicada.
Falso, pura especulação e aproveitamento gratuito."

Estilhaços dolorosos no Sporting


"O CD da FPF abriu um processo de averiguação. Fê-lo para conhecer os factos e agir em conformidade. Vamos assumir que foi Nuno Santos que fez estilhaçar o vidro, o que pode suceder?

Na final da Supertaça, jogo que o FC Porto venceu o Sporting por 4-3, Nuno Santos, jogador do campeão nacional, partiu um vidro de proteção de um camarote e os estilhaços atingiram uma adepta que ficou ferida, tendo sido suturada com 30 pontos na cabeça. Entretanto, o Conselho de Disciplina da FPF já informou que abriu um processo de averiguação. Fê-lo para conhecer os factos e agir em conformidade. Vamos assumir que foi Nuno Santos que fez estilhaçar o vidro, o que pode suceder? 
Primeiro pode haver uma ofensa com caráter criminal, embora não seja crível. É seguro que o jogador não terá atuado com dolo: «não (...) atuou com intenção (...) de magoar», lê-se no art.º 13.º e 14.º do Código Penal. Mas terá atuado com negligencia? «Age com negligência que, por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstâncias, está obrigado», diz o art.º 15.º do Código Penal. Estaria Nuno Santos obrigado a ter mais cuidado? A isso os tribunais responderão, se for o caso, e todos são considerados inocentes, sempre, até prova em contrário.  
O jogador pode alegar várias causas: que o vidro estava em más condições, ou que estava mal instalado, ou que estava solto, ou outras. Em suma, difícil será perceber o que aconteceu e tudo depende do que se provar. Em caso de negligência, o atleta poderá ser considerado culpado. Mas neste tipo de situação, que não foi de vida ou de morte, apesar de sério, o procedimento criminal dependerá provavelmente de queixa. A ser deverá tratar-se de ofensas corporais simples — art.º 143 do Código Penal. Veremos como o Ministério Público vai analisar a matéria. As normas do Código Civil, que tratam das questões da indemnização, não são muito diferentes desta. Se o jogador agiu com dolo ou negligência pode ter de indemnizar. Mas reitero, será preciso provar. 
Vejamos de outro prisma: sim, o proprietário do estádio pode ser o responsável, basta provar-se que o vidro estava mal colocado ou não estava em condições. Nesse caso, a parte negligente poderá ser a CM de Aveiro. E sim, pode ter de indemnizar ou ser punida criminalmente. Mas mais uma vez: será preciso provar.  
No âmbito do Regulamento Disciplinar da FPF, as coisas são muito parecidas. O art.º 139 refere que «quem no exercício da sua atividade desportiva ofender a integridade física de espectadores, é punido com (...) suspensão de um a quatro jogos (...) se a ofensa for leve» e «seis meses a dois anos (...) se a ofensa for considerada grave». Dúvidas não restam que o jogador estava a exercer a sua atividade desportiva, embora não jogasse. E que é um «agente desportivo» pelo que a norma aqui se aplica. Esperemos para ver se é considerado culpado ou se é ilibado, mas em caso de culpa será um caso de negligência e de ofensa corporal simples, pelo que a punição deverá ser leve.
O Direito ao Golo vai para Iúri Leitão e Rui Oliveira, medalhas de ouro no ciclismo nos Jogos Olímpicos em Paris. E para Patrícia Sampaio e Pichardo, respetivamente, medalhas de bronze e prata. São fantásticos, parabéns!"

O Benfica sabe o que é o relógio?


"A ditadura do relógio é a principal diferença entre a pré-época e a temporada oficial. Há uma coisa a fazer durante 90 minutos. Ganhar um jogo.

Há coisas que não entendo nas equipas grandes. Ou melhor, que são mais difíceis de explicar do que outras. Qualquer equipa que joga para ser campeã está metida numa ditadura: a do relógio.
Há uma expressão em inglês que define isto: ‘on the clock’. Por exemplo, quando as equipas profissionais norte-americanas estão no draft- simplificando, para quem não é familiarizado com o processo, onde se escolhem futuros jogadores - quando chega a sua vez têm x minutos para decidir. Estão, portanto, ‘on the clock’. No fundo, é uma contagem decrescente que limita o tempo de ação.
Há também uma frase de Michael Jordan que ecoa por aí, no desporto mundial. «Nunca perdi um jogo, apenas fiquei sem tempo.» Ora, não foi por falta de tempo que o Benfica perdeu em Famalicão. Foi mesmo pela falta de urgência!
A ditadura do relógio é a principal diferença entre a pré-época e a temporada oficial. Há uma coisa a fazer durante 90 minutos. Ganhar um jogo. Não é treinar, não é melhorar índices físicos, não é assimilar processos. É sair do campo com um triunfo sobre o adversário.
Idealmente, a jogar bem. A superiorizar-se aos adversários, a praticar um bom futebol. Mas até o Barcelona de Guardiola terá tido os seus momentos de menor beleza. No fundo, aquilo que sucede a qualquer equipa do mundo: jogar mal. Mas quando se joga mal é preciso vencer na mesma. Essa é a parte que distingue os campeões dos outros. E os campeões sabem-no e percebem-no. O Benfica, neste momento, parece estar longe de saber isso.
Aos 30 minutos de jogo, já era mais do que visível que era preciso agitar, que os futebolistas precisavam de despertar para essa tal urgência. 60 minutos parecem muito tempo no futebol, mas não são. Não são quando ninguém entende que é para se fazer no momento seguinte o que já se devia ter feito.
Devemos sempre discutir opções táticas, estratégias, mas o que me escapou no Benfica foi o lado emotivo. Só muito perto do final é que se viu alguma reação, energia. No resto, foi como se os jogadores tivessem todo o tempo do mundo. Não tinham. É o primeiro jogo, bem se sabe, mas a ditadura do relógio começou.
O Benfica tem de abrir os olhos para voltar a ter esse espírito competitivo. Não fui eu quem o disse, foi o capitão de equipa…"

Primeira parte em modo 23-24, segunda em registo 23-24 foi


"Famalicão 2 - 0 Benfica

> Schmidt vai apresentar a equipa mais utilizada na pré-época. Não é a minha preferida, mas faz sentido. Fiquei curioso para ver como é que vão encarar o jogo: entrar com tudo, em cima deles, não os deixar respirar?
> Esqueci de trazer o protetor 50. Esta bancada mais parece um solário, um gajo frita aqui. O que a gente não faz para apoiar o Glorioso.
> Ganhar ou ganhar. Dez jogos de enfiada para ganhar sem dar abébias. Vamos, Benfiiiicaaaaaaa!!!
> 12 min. Entrada mole, golo deles: 0-1. Agora toca a acelerar atrás do prejuízo.
> 25 min. Não criamos perigo e não temos nenhum desiquilibrador e eles muito fechados. Nós a falhar passes e o Morato a perder bolas em zonas proibidas - desvaloriza a cada 90 minutos que pisa o relvado. Só Prestianni agita qualquer coisinha e Pavlidis mostra esforço e intenção.
> 30 min. Quantas paragens já teve isto? O futebol português não tem mesmo emenda.
> 40 min. Tenho até dó do Pavlidis. Não entra um passe, não conseguem com ele uma combinação, não lhe exploram a profundidade.
> 45 min. Primeira parte com 60% de posse, um só remate enquadrado e 0.35 de "expected goals". O que é isto? O pior do Benfica 23-24 em campo.
> Schmidt tem que mudar muitas coisas ao intervalo: jogadores e dinâmicas. Ou arrisca-se a sair daqui sem os três pontos.
> Não gosto do Benfica de preto. Ao intervalo mandava-os já entrar de vermelho. Mais uma forma de os agitar!
> 50 min. Mais um jogador do Famalicão no chão, cheio de dores, coitadinho. Entretanto, é o Beste que não acerta um centro. E mais outro jogador deles no chão. E mais outro ainda. VER-GO-NHA! Vamos ver quanto tempo dá no fim.
> 73 min. Eis Di María. Se não for ele, não vejo como sair daqui com pontos, tanta é a apatia, a inoperância, a falta de qualidade.
> 75 min. O que é que ainda ali anda a fazer o Morato???
> 83 min. Eles, em contra ataque, sempre mais perto do 2-0 do que nós do 1-1. Uma na barra!
> 90 min. 2-0. Pior entrada na Liga era impossível. Muito pior que a época. passada no Bessa. Mau, muito mau, mau demais.
> Muitos já estavam a defender a venda do Neres. Mas o Neres não faz falta a esta equipa?
> A única coisa que se aproveitou deste dia foi o almoço benfiquista em Famalicão: Sergio Soares, José Manuel Antunes, António Manuel Bernardo, Jose Manuel Oliveira e Jorge Fernandes. Valeu!"

Com Sorriso, estava na cara que o Benfica ia perder em Famalicão


"Os encarnados voltaram ao local onde entregaram o título ao Sporting na temporada passada e, no primeiro jogo oficial em 2024/25, escorregaram em Famalicão. O Benfica perdeu por 2-0 no Minho, num jogo em que, maioritariamente, só conseguiu criar perigo com remates de longa distância. Além dos golos, a equipa de Armando Evangelista enviou uma bola ao poste e teve uma série de oportunidades para marcar. O resultado foi o que sobrou depois de pagos os impostos

 “Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta”

Óscar Aranda é ziguezagueante, dá-lhe gozo conduzir a bola. Não é jogador para se livrar da amiga ao primeiro toque. Gosta de usufruir da atenção que ela lhe dá e que ele retribui. Mas há vezes em que tem mesmo que a deixar ir por um caminho que só ela pode seguir. Depois de rodar no espaço que o Benfica deixou entre a defesa e os médios, o espanhol compreendeu que a rota era demasiado óbvia para não soltar a companheira. Dando-lhe balanço, partilhou-a com um colega que lhe deu um bom banho, vestiu-lhe um pijama, fez-lhe uma papinha e meteu-a na baliza. O (re)tratamento perfeito do passe colocado nas costas de Jan-Niklas Beste.
Quem marcou fê-lo no primeiro jogo oficial pelo Famalicão. Concretizou o remate e colou o seu nome na boca de todos os companheiros. Calma, não os amordaçou. Pelo contrário, testou a elasticidade da boca dos minhotos. Era Sorriso, o extremo brasileiro, a distribuir sorrisos por um sítio onde acabou de chegar. Estava na cara, dele e na de todos, que a vantagem contra o Benfica era um arranque de jogo pelo qual valia a pena fazer uma espargata de lábios.
Há demasiadas caras novas no Benfica para associar o descalabro inicial em Famalicão com o trauma parceiro da memória associada ao regresso ao sítio onde, na época passada, os encarnados entregaram o título ao Sporting. Os reforços estão impossibilitados de usar tal motivo como semente da sua desinspiração. Nos primeiros 12 minutos oficiais com a camisola do Benfica, também eles tiveram direito a uma amostra do que foi o Benfica da época passada: instável e a duvidar de si próprio.
Jan-Niklas Beste foi vítima da bola descoberta que, no centro do terreno, alguém deixou que Aranda colocasse nas suas costas. De resto, o alemão era o mais pujante na manobra ofensiva sendo até eventualmente penalizado pela ousadia já que a linha defensiva não parece oleada ao ponto de equilibrar as aventuras do jogador vindo do Heidenheim que relegou Carreras para o banco. É normal que não esteja, tão normal que não se deve manter durante muito tempo, visto que, quando estiverem 100% disponíveis, António Silva e Otamendi devem tomar os lugares que foram de Morato e Tomás Araújo na primeira jornada do campeonato.
No Famalicão, Zaydou Youssouf e Mirko Topic eram uma dupla rotinada com e sem bola – contraste com Florentino e Leandro Barreiro. O primeiro pode dar mais pelas leggings que usa em pleno mês de agosto, mas o outro não lhe fica atrás. Eram o portão da equipa de Armando Evangelista, os guardiões das trocas entre João Mário e Aursnes no centro-direita. Longe estava o técnico de imaginar que seria o seu friorento médio a fazer o 2-0, aos 90 minutos, numa jogada que contou com o característico apoio frontal de Mario González.
O galgar de Gianluca Prestianni na hierarquia do Benfica posicionou-o na esquerda. É nele que parece morar a essência elétrica que o torna no mais natural sucessor de Rafa na posição nas costas do avançado, assim o entenda Roger Schmidt. É que, aproveitando o seu posicionamento lateral, podemos dizer que é parecido com Rafa visto de lado. Nem na posição em que efetivamente jogou, nem naquela em que pode vir a jogar, Prestianni teve oportunidade para se evidenciar. Saindo ao intervalo, faltou-lhe tempo para o fazer.
A saída do jovem argentino coincidiu com a entrada de Orkun Kökçü, mas foi quando Florentino foi substituído que se viu uma mudança mais substancial. João Mário foi recuando para ver o jogo de frente e rematou muito forte para uma defesa de raspão do guarda-redes famalicense Luiz Júnior. Também perto do golo esteve Di María assumindo um livre quando tinha entrado há instantes. Nos cerca de 20 minutos em que esteve em campo, relembrou os encarnados do que estiveram perto de perder neste mercado. O perfume... o futebol de Di María ainda cheira muito bem.
O Famalicão reduziu a capacidade de ter bola na segunda parte, mas, excetuando remates de longe, não se expôs a poder sofrer o empate. A exceção foi o remate de Tiago Gouveia que, na fase do desespero, galgou até à área e errou o tiro de pé esquerdo. De resto, foi Zaydou que, antes de marcar, tentou o chapéu a Trubin. Também Aranda, a quem a amiga bola foi devolvida, rematou ao poste. Seria o avolumar de um resultado justo.
A epígrafe que nas primeiras linhas foi usurpada pertence a Eugénio de Andrade. São versos do poema “Sorriso”, homónimo do herói da tarde em Famalicão. No nome comum ou no nome próprio, há vestígios da alegria de um começo promissor."

Nem tudo o que reluz é ouro


"Mais ouro, menos ouro, a verdade é que enquanto o Estado gastar metade com a atividade desportiva de cada cidadão do que gastam os seus parceiros europeus, não saímos da cepa torta…

A delegação olímpica portuguesa regressou de Paris com o melhor pecúlio medalheiro da história da participação do COP nos Jogos, com o bronze de Patrícia Sampaio no judo, a prata de Pedro Pablo Pichardo no triplo salto e de Iúri Leitão no Omnium, e o ouro da dupla Iúri Leitão e Rui Oliveira no Madison. Significa isto que o Desporto português está melhor do que há quatro anos, ou há oito, ou há doze, ou há dezasseis, ou há vinte, ou há vinte e quatro? Não, está, infelizmente, na mesma, como a lesma. E estou particularmente à vontade para falar sobre esta matéria porque antes dos Jogos de Paris começarem escrevi que o número de medalhas, para o bem e para o mal, nunca poderia ser um aferidor da qualidade do nosso Desporto. E também porque de há muitas décadas a esta parte tenho referido, das mais variadas maneiras, que Portugal não é um País de Desporto e que a classe política não liga nada, para lá da cosmética, ao setor. Quem tiver dúvidas desta realidade, atente neste simples facto: o Estado português gasta com a atividade desportiva de cada cidadão metade do que gastam em média os restantes Estados da União Europeia. Mais palavras para quê?
O problema do Desporto é que não dá votos. É por isso que nunca houve um entendimento entre os partidos para criar um plano plurianual, que fosse pensado não aos quatro anos de uma legislatura mas a várias décadas, que realizasse um trabalho de base que desse frutos reais e duradouros. Como vivemos apenas de medidas avulsas, de avanços e recuos que impedem a continuidade, mantemo-nos na nossa mediocridade apenas enfeitada com uns fogachos aqui e ali conseguidos, sem que se chegue ao cerne da questão. A situação só conhecerá alteração quando quem nos governa (e como há alternância na ocupação do poder é necessário um acordo de regime) aceitar que o Desporto é um investimento e não uma despesa e que gastar dinheiro no Desporto é, a prazo, poupar na Saúde, na Justiça, na Educação ou na Segurança Social.
Mas pode perguntar-se se o que se visa com um investimento no Desporto é conquistar medalhas olímpicas? E a resposta é um rotundo não. O que se visa é dar à população portuguesa, das mais sedentárias da Europa, a possibilidade de ser mais ativa e saudável, de praticar atividade física desde muito cedo de forma organizada, de ganhar cultura desportiva, e dessa forma criar níveis de socialização suscetíveis de gerar comportamentos mais solidários e evitar vícios que podem ir da teia da droga à dependência dos aparatos eletrónicos. Se tudo isto for feito — e estamos a falar de um investimento que além de infraestruturas requer, sobretudo, capital humano especializado — talvez dentro de alguns anos a face do País possa começar a mudar.
Imagine-se, por absurdo (atendendo à realidade como a conhecemos), que antes do fim de 2024 os dois maiores partidos portugueses acordavam num pacto para uma política desportiva pensada a vinte anos e começavam, de imediato a pôr mãos à obra. Provavelmente, só começariam a ser vistos resultados daqui a uma dúzia de anos, o que poderia projetar uma representação olímpica de qualidade lá para 2044, porque da massificação haveria de surgir uma elite capaz de competir ao mais alto nível. Ou seja, a prioridade seria sempre tornar a população mais ativa e saudável; e dessa atividade em massa surgiriam com naturalidade talentos que caminhariam depois para a especialização. Ora, isto não é inventar a pólvora, é apenas seguir os passos dos países que apostaram em defender a saúde dos seus cidadãos através do Desporto.
Agora coloquemos os pés no chão e calcemos os sapatos dos governos, deste e dos anteriores: perante um SNS (de incontornável utilidade) cheio de problemas; reivindicações (seguramente justas) de professores, médicos, enfermeiros, polícias, militares e funcionários públicos; necessidade de reequipar as Forças Armadas; premência na requalificação da rede ferroviária; ou vontade de aliviar a carga fiscal — tudo medidas que podem render votos a curto prazo —, será que há espaço para pegar numas centenas de milhões e avançar com um plano para o Desporto, mesmo reconhecendo os méritos, que só venha a dar frutos daqui a mais de uma década? Infelizmente, neste sistema pensado para quem está no poder apresentar serviço a cada quatro anos, não me parece — o que nos remete para o início desta peça e para os fogachos de Paris, depois dos fogachos de Tóquio e antes dos fogachos de Los Angeles — que no País que gasta metade do que os outros parceiros europeus com a atividade desportiva dos seus cidadãos, alguma coisa vá mudar. Sim, é verdade, agradecendo as medalhas no Madison ao Iúri e ao Rui, nem tudo o que reluz é ouro…
Dos quatro pódios conseguidos por Portugal em Paris, dois foram no ciclismo de pista. Quando, há 15 anos, Laurentino Dias, que tinha a tutela do Desporto, e Artur Lopes, presidente da Federação de Ciclismo, apostaram, cada um disponibilizando os meios que lhe competiam, na construção de um velódromo na Anadia, ouviram das boas e das bonitas: para quê, se não tínhamos tradição na pista? Depois dos estádios de Aveiro e Leiria, ia nascer mais um elefante branco na Anadia! Era dinheiro deitado à rua, sabe-se lá com que intenção… Enfim, o costume em Portugal sempre que se pretende fazer alguma coisa, da Expo ao Euro, do CCB ao túnel do Marquês, da expansão do metro ao novo aeroporto, passando pelo Alqueva.
Felizmente, vozes de burro não chegam ao céu e o velódromo foi feito e tornou-se num polo de desenvolvimento do ciclismo de pista que, 15 anos depois, nos deu ouro e prata nos Jogos Olímpicos.
Para se ter sucesso no Desporto, é preciso plantar e ter paciência para que as árvores cresçam e a colheita seja farta. Também se pode ir comprar a fruta já madura, mas não é a mesma coisa…

PS — Parabéns a todos os atletas que estiveram em Paris, aos seus técnicos, e ao COP, que, através de José Manuel Constantino, nunca calou que, em termos de Desporto em Portugal, o rei vai nu.

PS2 — O simbolismo é evidente. José Manuel Constantino esperou pelo fim dos Jogos Olímpicos de Paris para se despedir da sua existência terrena. A notícia da sua morte, sem ser uma surpresa, não deixa de ser brutal, porque contrasta com a vontade de viver que dele emanava, e com os projetos que tinha para o futuro. Portugal perde uma voz livre, que nunca se calou em defesa do Desporto. Eu perco um amigo de décadas. Que o seu exemplo faça escola, e as suas palavras corajosas e sábias sejam, mais cedo do que mais tarde, levadas à prática."

12 de agosto de 1984, o ouro olímpico de Carlos Lopes


"Que une Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Nélson Évora, Pedro Pichardo, Iuri Leitão e Rui Oliveira? O ouro olímpico. O primeiro aconteceu a 12 de agosto de 1984, há exatos 40 anos!

Há exatos 40 anos, grande parte dos portugueses estava em frente a um televisor, por volta das três da manhã, a beber cafés atrás de cafés e a esfregar os olhos para esconder as ramelas, tentando aguentar-se acordado para ver a parte final da maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Cerca dos 35 quilómetros, com quase uma hora e cinquenta e cinco minutos de prova, Charles Spedding, que comandava a prova, olha para o lado e fica estarrecido. Um português de 37 anos corre um metro atrás de dele e, com um calor infernal, corre sem qualquer esforço. O inglês pensa: «Como é possível que ele esteja a correr de boca fechada após 35 quilómetros?!»
Faltavam pouco mais de sete quilómetros para que os líderes da maratona entrassem no Los Angeles Memorial Coliseum e, daí para a frente, seria um festival. O tal português de 37 anos, magro como um fio de prumo, depressa ganha vantagem sobre Charles Spedding e John Treacy: cinco metros, 25 metros, 50 metros, 100 metros. Quando percorre o túnel que antecede a entrada no estádio olímpico, há 200 metros de diferença entre o português, o inglês e o irlandês. Na pista de tartan, onde percorrerá os últimos 550 metros, perante mais de 90 mil pessoas, o português ouve a maior salva de palmas da carreira. Já sem a boca fechada, antes semi-aberta com o sorriso largo de quem sabe que, em breve, dentro de dois minutos e pouco, se sagrará como o primeiro campeão olímpico da história do desporto de Portugal. Sim, parece que foi ontem que os tais portugueses sorvedores de café viram, pela primeira vez, o ouro olímpico no peito de um português, mas foi há exatos 40 anos: 12 de agosto de 1984.
Portugal estava órfão de génio assim. Joaquim Agostinho, o enormíssimo ciclista que, durante década e meia, encantara o país, morrera três meses e dois dias antes. António Livramento, o soberbo hoquista, ia nos 41 anos e descalçara os patins há já alguns anos. Eusébio da Silva Ferreira, o espantoso futebolista que liderara o Benfica e a Seleção Nacional entre 1962 e 1975, tinha 42 anos e o último jogo fora em 1980, ao serviço dos Buffalo Stallions, num torneio indoor. Mesmo com a boa participação do futebol no Euro-1984, com um honroso 3.º lugar, Portugal continuava a ser, dez anos após o 25 de abril de 1974, um país muito cinzento e cinzentão. Até que o herói de Los Angeles, que já fora herói em Chepstow, Montreal e Nova Iorque, se consolidou como o maior herói dos maiores heróis de Portugal.
O nome desse herói, o tal português de 37 anos, magro que nem um fio de prumo, é fácil de pronunciar: Carlos Alberto de Sousa Lopes. Quatro nomes para a história eterna de Portugal. O primeiro campeão olímpico português, tal como Rosa Maria Correia dos Santos Mota foi a primeira portuguesa campeã olímpica (maratona-1988), Maria Fernanda Moreira Ribeiro foi a primeira campeã olímpica numa prova de pista (10 000 m-1996), Nelson Évora foi o primeiro campeão olímpico numa disciplina técnica (triplo salto-2008), Pedro Pablo Pichardo Peralta foi o primeiro campeão olímpico sem ascendência portuguesa de qualquer tipo (triplo salto-2020) e agora Iuri Leitão/Rui Oliveira, primeiros campeões olímpicos fora do atletismo (e Iuri o primeiro com duas medalhas numa mesma edição!). Entre Carlos Alberto de Sousa Lopes (12/08/1984) e Iúri Gabriel Dantas Leitão/Rui Filipe Alves Oliveira (10/08/2024) há um hiato de 39 anos e 363 dias. O sorriso rasgadísssimo de Rui Oliveira é inesquecível, tal como é inesquecível o dia 12 de agosto de 1984: quarenta anos exatos."