terça-feira, 13 de agosto de 2024

Os Olímpicos e o retrato de quem os organiza


"A utilização dos Jogos Olímpicos, na “era moderna”, como forma de propaganda dos Estados que os organizam é um clássico que vem desde a Alemanha de Hitler. Os JO de 1936 foram mesmo os primeiros a ter os resultados a serem transmitidos por telex em tempo real para os media e com cobertura televisiva, com transmissão para salas de cinema especialmente equipadas na cidade de Berlim (e com potência suficiente para poder ser, eventualmente, o primeiro sinal rádio de TV interestelar da Humanidade - algo que Carl Sagan virá a utilizar com especial efeito dramático no seu livro de ficção, adaptado a filme com o mesmo nome, Contacto).
O Reich usou com êxito os Olímpicos de 36 para promover a superioridade tecnológica alemã (ainda que lhes tenha saído o tiro pela culatra quanto à “supremacia ariana”, em especial por terem de mostrar ao mundo as imagens do negro norte-americano Jesse Owens a vencer quatro Medalhas de Ouro, nos 100 e 200 metros, nas estafetas e no salto em comprimento. E, pelo caminho, inventaram a “cerimónia de abertura” dos JO.
Desde então, cada país organizador faz por mostrar ao mundo - num evento que se pretende desportivo, mas que é obviamente político - quão superior é relativamente aos restantes. Os JO de Tóquio1964, por exemplo, foram os primeiros a serem transmitidos em direto através de satélite para a Europa e América do Norte, inaugurando a cobertura televisiva moderna Olímpicos.
A União Soviética, em 1980 ampliou de forma sistemática esta utilização do satélite. E transmitiu em direto para o mundo a imagem de paz e união, encabeçada pela hoje mítica mascote Misha, um ursinho desenhado pelo ilustrador infantil russo Victor Chizhikov, que marcou por completo todo o evento.
Durante este período, os comunistas soviéticos pareceram capitalistas, tanto foi o merchandising olímpico com o Misha que foi produzido: aparecia em chávenas, T-shirts, cinzeiros...
A mensagem: o “grande urso” russo era afinal um querido ursinho inofensivo, de braços abertos ao mundo, incapaz de maldade. A invasão do Afeganistão, iniciada meses antes, em dezembro de 1979, que levou os EUA de Jimmy Carter a boicotarem estes JO, era obviamente uma missão de pacificação a pedido do Governo legítimo do país. Algo, aliás, ainda hoje defendido por grande parte da extrema-esquerda, portuguesa e não só. Mas estou a sair do tema. Ou talvez não...
Misha era ainda a resposta de propaganda perfeita - através de um boneco infantil - de que é o imperialismo americano que tudo faz para destruir um belo momento de encontro pacífico da Humanidade na capital do paraíso da “ditadura do proletariado”. E, ainda que tal possa hoje custar a acreditar às gerações mais novas, para muito boa gente, funcionou. O boneco marcou pelo menos duas gerações e o momento do encerramento dos JO, em que o Misha parte para sempre preso a balões sobre o Estádio Olímpico levou muitos às lágrimas.
Nesses instantes, os comunistas deixaram de ser os velhos no camarote a ver passar procissões de soldados com marchas ridículas e carros com mísseis intercontinentais. Passaram, por alguns segundos, a seres humanos. E houve quem lhes tivesse dado o benefício da dúvida das suas intenções - e nunca tivessem daí saído, infelizmente. É esse o poder da boa propaganda.
Na missão de tentar controlar as mentes dos outros, dos líderes religiosos aos políticos, passando pelos marketeers, há efeitos fáceis de prever - que a rainha Isabel II a receber James Bond (interpretado por Daniel Craig) em Buckingham para a escoltar até à cerimónia inaugural dos JO de Londres 2012 será de imediato um clip viral na internet é claro-; outros mais difíceis de medir a priori as consequências exatas. É por demais evidente que a cena da “última ceia” da abertura de Paris2024 foi desenhada para criar polémica, mas toda a onda de controvérsia que se gerou, entre os ofendidos e os que vieram a correr intelectualizar a coisa foi de tal forma ridícula que demonstra bem como o ser humano, tendo as suas necessidades básicas asseguradas, é incapaz de priorizar as suas energias relativamente aos assuntos que importam para a sua real sobrevivência.
Mas é também nesses efeitos imprevisíveis, por vezes indesejados, que muitas vezes se encontram as pérolas. E estes JO de Paris não foram exceção. Na Cerimónia de Encerramento, demonstraram, ainda que sem querer, como é diferente a forma de ver a liberdade no Velho e no Novo Continente. Enquanto Paris encerrava da forma como abriu, com grandes (e um pouco chatas) figuras cénicas, houve um momento de passagem de testemunho para Los Angeles, com a intervenção de Tom Cruise, em que caiu ali a energia e a capacidade cénica americana que é um contraste tão evidente como, literalmente, do dia para a noite (eram 23.00 em Paris, 14.00 na Califórnia).
No vídeo que nos foi mostrado, quando a bandeira olímpica “chega” a Los Angeles e passa de mão em mão por várias personalidades, que vão correndo em direção à praia onde se realizará um pequeno concerto, as pessoas pelo caminho, aparentemente cidadãos comuns, curiosas, juntam-se de livre vontade. Não porque são obrigadas a isso, não porque estejam a seguir “a estrela”, não porque vão em “espírito de missão”... Vão porque querem ir ver o que é que se passa. Porque é bom, porque é giro, porque têm energia. São felizes. E isso transmite-se pela TV.
Independentemente do que possam ter ouvido dizer por aí, o sonho americano continua bem vivo. Os cuidados de saúde de que está a precisar são alguns, de facto, mas na realidade - e quando olhamos para o que andamos a fazer com a nossa liberdade - não são mais do que os nossos. Aliás, quem nos dera!"

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