quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A Rainha, o Rei e o Duque


"O que é que o Jazz e o futebol têm em comum? Uma pantera!

Em 23 de Janeiro de 1966, um avião aterrou no aeroporto de Lisboa. Para lá dos portões de desembarque, os jornalistas esperavam, ansiosos, com os braços cheios de bouquets, ajeitando os lápis por trás das orelhas. Os indicadores dos fotógrafos tremiam no botão, como cowboys ao meio-dia, prontos a premir o gatilho, mas, neste caso, o 'tiro' não ia deixar o outro forasteiro caído no chão às 12:01. O premir do gatilho ativou o flash, e de luz saiu: Ella Fitzgerald, a 'Rainha do Jazz', e Duke Ellington, uma figura tão brilhante como decisiva, sendo que alguns críticos não consideravam que Ellington tocava jazz 'a sério', devido à ausência de improvisação enquanto tocava.
No dia 24 de Janeiro, no camarote do Cineteatro Monumental, durante o intervalo, Fitzgerald e Ellington assinaram panfletos, guardanapos, qualquer tipo de papel que os fás conseguiram encontrar. Um deles destacou-se da maré de fãs: Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, o Rei do futebol.
A música fazia tanto parte da alma dele como o desporto. Ecoava nos corredores da casa muito depois de o gira-discos ter sido desligado, tendo declarado que 'se não tivesse sido futebolista, tinha sido o maior bailarino do mundo'. O craque tinha um amor especial pelo jazz, visto que, quando estagiou em Vale de Lobos, gravava as últimas novidades em fita magnética. Este amor era nutrido com a mulher, Flora Bruheim, que o acompanhou ao concerto.
Tendo em conta esta  apreciação, não é de esperar que Eusébio não tenha perdido a oportunidade de conhecer dois músicos que marcaram o género do jazz, Ellington, que nos transportava para uma montanha onde um amor perdido nos esperava com braços abertos, e Fitzgerald, com o canto que ouvimos nos nossos sonhos, mesmo antes de acordarmos.
No camarote, com um sorriso rasgado, dirigiu-se primeiro a Duke Ellington, que já o tinha visto jogar. Conversaram com alguém a traduzir por Eusébio. Ellington saudou Eusébio como o 'melhor futebolista da Europa', e Eusébio admitiu que era um grande admirador do pianista, apelidando-o de 'o famoso Duke Ellington'. A conversa dos dois terminou com a promessa de Ellington de enviar a Eusébio uma coleção das suas composições. De seguida, encontrou Ella Fitzgerald, resplandecente no seu vestido preto e pérolas. Eusébio posou com ela, Fitzgerald aconselhando o craque para fazer tudo para ser o melhor do mundo, já que era o melhor da Europa. Eusébio perguntou se gostava de futebol, e ela admitiu que só tinha tempo para se dedicar à música.
A admiração mútua transpareceu no conselho de Fitzgerald. Embora os astros não tivessem muito em comum, é inegável que este foi um momento significativo na cultura pop portuguesa, quando a música internacional e o futebol nacional se conheceram.
Para saber mais sobre a figura monumental que era Eusébio, convidamo-lo a explorar a área 24 - O 'Pantera Negra' e Outras Lendas, no Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Catarina Rodrigues, in O Benfica

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