terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um 0-0 pode conter futebol


"Num jogo com uma 1.ª parte frenética e uma 2.ª em que o Benfica não teve ideias para desembrulhar a coesa linha defensiva do Moreirense, o nulo não foi sinónimo de deserto. Mas para os encarnados por ser igual a perder a liderança do campeonato

Poderia dizer Epifânio Companheiro Amigo Palhaço, da querida Herman Enciclopédia, que o golo é o fruto da seiva do amor futebolístico, mas não é só dele que se faz o futebol. Afirmação polémica, dirá o leitor, aceitamos, mas é olhar para a 1.ª parte do Moreirense - Benfica: frenética como poucas, com transições, bolas na barra e muitas ocasiões. Tivesse sido todo o encontro assim e teríamos assistido a um extraordinário jogo de futebol. A seguir ao intervalo desequilibraram-se as forças, mas entre a falta de ideias do ataque do Benfica e a coesão defensiva do Moreirense - 3.ª equipa com menos golos sofridos do campeonato, vale a pena referir - o jogo ficou mesmo por um nulo, um bom nulo, futebolisticamente falando, que deixa os encarnados à mercê do Sporting na liderança.
Um 0-0 pode conter muito futebol e na 1.ª parte o Benfica soube do que é feito este Moreirense, uma equipa taticamente bem definida, direta ao assunto e com talento individual em barda. Mesmo sem Ofori, os primeiro 15 minutos foram de um constante atazanar dos da casa à equipa grande, com as perdas de bola de Florentino ou João Neves a serem transformadas em transições diabólicas. Alanzinho, pequeno gigante jogador, fez o primeiro remate aos 4’ e liderou tantas outras jogadas. Aos 7’, Madson rematou cruzado, muito perto, e logo de seguida à barra. Foram seis remates sem resposta e um golo anulado por fora de jogo. O Benfica sofria.
Vislumbres da reação encarnada só surgiram depois do primeiro quarto de hora. Periclitante na defesa, Florentino teve baliza aberta para marcar aos 16’ mas cabeceou para onde estava virado, que não era a direção certa. Aos 19’, foi Di María a criar perigo. Lá atrás, os ataques rápidos do Moreirense continuavam, a rapidez daqueles jogadores é imensa e Gonçalo Franco liga toda a corrente elétrica. Mas com o Benfica finalmente a conter alguns dos erros que marcaram o início, a balança equilibrou, embora ambas as equipas continuassem obcecadas com a baliza. Coisa que o espectador agradece.
Ao intervalo, Schmidt, tirou Florentino e Neves, responsáveis por parte dos pecados benfiquistas na 1.ª parte, e lançou Chiquinho e Kokçu. O primeiro mal se viu, mas o turco tentou aquilo que o Benfica não conseguiu quase nunca fazer na primeira parte, pelo menos em construção: posse mais fluida e mais para a frente. Conseguiu a espaços, num jogo que, com a normalidade a que nos subjuga o nosso futebol, começou a pender mais para o líder, para a equipa grande.
Ainda assim, por muito que Schmidt continue a bater na tecla do “top performance”, este Benfica padece há muito de falta de soluções, de criatividade. Fora um lance de Di María aos 49’, após insistência de Tengstedt, e do golo anulado a João Mário aos 72’, na única jogada verdadeiramente ligada que os encarnados conseguiram, o Benfica teve sempre imensas dificuldades em entrar na coesa linha defensiva do Moreirense, que teve em Maracás um líder de respeito.
Um pouco mais à frente, Gonçalo Franco deixou as tarefas de lançador para se embrenhar num trabalho intenso de roubo de bolas, é um médio completíssimo que não deverá ficar muito mais tempo por Moreira de Cónegos, assim alguém tenha olho. O Moreirense continuou a tentar a sua sorte no contra-ataque, ainda provocou um calafrio aqui e outro ali, mas depois daqueles primeiros 15 minutos de excelência a equipa pareceu cansada no 2.º tempo, tal o trabalho hercúleo na defesa que foi obrigada a fazer.
Com tudo isto, o jogo ficou menos interessante, menos entretido. Passou a ser uma dura peregrinação de paciência dos encarnados, mas sem imaginação não há fé que “o golo vai aparecer” que valha. O ponto é um pequeno prémio para a equipa da casa, que na 1.ª parte mostrou que queria mais do que isso, mas que leva de consolo o 4.º jogo consecutivo sem sofrer, o que também é obra. E o Benfica fica agora à mercê do Sporting no topo da tabela."

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