domingo, 20 de novembro de 2022

Desporto: um direito de todas as crianças


"Celebra-se hoje o Dia Universal dos Direitos da Criança. Comecemos, pois, sem rodeios: todas as crianças têm direito ao desporto.
A Constituição da República Portuguesa (artigos 69.º, 70.º e 79.º), a Convenção dos Direitos da Criança (artigos 29.º e 31.º) e a Lei de Bases da Atividade Física e Desporto, enquadram o direito ao desporto como parte da educação e do desenvolvimento integral da criança (também pelo jogo e lazer) e, por isso, objeto de uma proteção especial.
Este quadro legal é tornado realidade para dezenas de milhares de crianças nas escolas, com o Desporto Escolar e a Educação Física; pelos clubes, pela aposta na formação desportiva; pelas famílias, ao incorporar o desporto na rotina familiar; pelas autarquias locais, Regiões Autónomas e Estado, que promovem o desporto em todo o país.
Respostas específicas, como o Programa Nacional de Desporto para Todos (com um enfoque particular nas pessoas com deficiência) ou o Clube Escolhas (projeto da sociedade civil com apoio público, para jovens em situação de vulnerabilidade), promovem a inclusão para que o Desporto chegue a mais crianças.
Depois de contactar com o Desporto, há que mantê-lo na vida das crianças. Temos vindo a estudar formas de prevenir o abandono desportivo, especialmente nas raparigas. Por outro lado, merecem destaque as Unidades de Apoio ao Alto Rendimento nas Escolas, que permitem uma melhor conciliação dos direitos à Educação, ao Ensino e ao Desporto.
Por último, mas não menos importante, importa reiterar que a proteção de crianças e jovens contra todas as formas de violência e abuso é uma prioridade na agenda do Desporto.
Em fevereiro, apresentámos, com diversos parceiros, incluindo Academia e movimento desportivo, o Roteiro para a proteção de crianças e jovens no desporto.
O Comité Diretor do projeto reunirá no próximo dia 22 para debater a proposta do plano de ação 2023-2024, com medidas centradas em dois aspetos fundamentais: a capacitação do sistema desportivo para prevenir e responder a situações de abuso de crianças no Desporto e a incorporação da dimensão do desporto no sistema de proteção de crianças e jovens. Até março, trabalharemos com as Federações Desportivas para identificar os primeiros "Guardiões": pessoas capacitadas para prevenir e atuar em casos de abuso de crianças.
Terminamos como começámos, acrescentando: todas as crianças têm direito ao Desporto e a vivenciá-lo de forma positiva e segura. Este é o nosso compromisso."

Campeão Nacional de Judo


A nossa equipa feminina de Judo sagrou-se hoje Campeã Nacional de Judo por equipas.
Mais um título, das nossas meninas...

Aparentemente, as recentes decisões na FPJ, levaram a arbitragens pornográficas neste Nacional, mas mesmo assim, ganhámos no feminino... mas no masculino ficámos em 3.º lugar! Vai ser difícil, varrer esta gentelha para fora do Judo...

Vitória...

Benfica 63 - 55 Póvoa
21-14, 19-13, 11-12, 12-16

Treino, pouco puxado... que valeu pela vitória!

PS: Vitória da nossa equipa de Hóquei em Patins, no Torneio Jesus Correia. Depois das eliminatórias terem sido ultrapassadas, com os jogadores que não foram convocados para o Mundial, com muitos reforços da equipa B, os Mundialistas regressaram para garantir a vitória na Final, contra o Murches por 5-2!

Derrota...

Benfica 0 - 3 Fonte Bastardo
18-25, 21-25, 22-25

Depois da derrota na Supertaça, nova derrota.
O campeonato vai-se decidir no Play-off, e até lá, as coisas podem mudar, mas os indicadores não são bons...!!!
É que não são só os resultados, é a forma como o Benfica tem perdido estes jogos...

As seis árbitras que fazem história num Mundial jogado por homens e organizado por um país governado no masculino


"No Mundial do Catar são seis as árbitras que integraram o grupo de mais de 100 juizes que estarão a apitar jogos a partir do próximo domingo. Esta escolha inédita e histórica surge na mesma edição em que o torneio colocou o mundo a falar sobre os direitos humanos e a forma como quem vive no Catar, nomeadamente mulheres, não têm acesso a eles no país do Médio Oriente

Em todos os Mundiais há ausências. Por norma as mais notadas são as dos jogadores que por lesão perderam a oportunidade de pisar o maior palco do futebol mundial, mas há uma que se repete ano após ano e que só em 2022 vai deixar de ser uma realidade. Ironicamente, foi preciso chegar a um país onde as mulheres continuam a ser vistas e tratadas como inferiores aos homens para que a FIFA tomasse a decisão de as tornar visíveis no campo da arbitragem.
No Mundial do Catar, pela primeira vez, três mulheres vão liderar equipas de arbitragem. A elas juntam-se outras três, como árbitras assistentes.
Stephanie Frappart é certamente o nome mais conhecido entre as três árbitras principais, que se juntam a 33 homens no mesmo papel. A francesa, de 38 anos, é uma pioneira nestas andanças. Em 2020, escreveu o seu nome na história ao tornar-se a primeira mulher a arbitrar um jogo da Liga dos Campeões masculina. A sua primeira final chegou um ano antes, no Mundial de futebol feminino, em França, na mesma altura em que foi a primeira mulher a apitar a final da Supertaça europeia, entre o Liverpool e o Chelsea. No seu país também já entrou em campos nunca antes pisados por mulheres: arbitrou um jogo da liga francesa e a final da Taça de França masculina.
"Eu não tinha nenhum modelo a seguir. Penso que todas as pessoas são únicas, por isso não se pode basear a sua personalidade noutra pessoa. É preciso crescer por si próprio. Eu não sou um homem, não posso seguir um deles", disse ao “The Athletic”.
Para Yamashita Yoshimi este também é o segundo Mundial consecutivo em que participa, depois de ter estado em França para o torneio de futebol feminino que os Estados Unidos venceram contra a seleção anfitriã. Natural de Tóquio, a árbitra de 36 anos deu os primeiros passos no mundo do desporto como jogadora, até que um colega na universidade lhe sugeriu a arbitragem.
"Nunca pensei que fosse possível arbitrar jogos masculinos, por isso o Campeonato do Mundo não estava nos meus pensamentos", confessou Yamashita ao “The Guardian”. A japonesa, que também arbitrou nos Jogos Olímpicos de Tóquio, tem no currículo alguns momentos em que quebrou barreiras para as mulheres. No ano passado, tornou-se a primeira mulher a arbitrar um jogo masculino na J-League do Japão e este ano foi a primeira a comandar jogos da Liga dos Campeões da Ásia.
"Quero dizer às jovens que estão interessadas em tornar-se árbitras que o nosso potencial está a crescer. Sou capaz de fazer o que faço porque sei que há raparigas que querem seguir as minhas pisadas. Eu digo-lhes: não se sintam ansiosas, apenas trabalhem muito no que está mesmo à vossa frente", continuou.
Salima Mukansanga é a última deste trio histórico. É uma das árbitras oficiais da FIFA desde 2012, mas enquanto criança o seu sonho estava muito longe dos estádios de futebol. O seu grande objetivo era tornar-se jogadora de basquetebol, “mas era difícil ter acesso a infraestruturas” da modalidade no seu país, segundo contou ao “New York Times”. Foi essa dificuldade que a levou à arbitragem e, até hoje, nunca se arrependeu.
A mudança de planos fez com que, em 2018, se tornasse a primeira árbitra do Ruanda a arbitrar um evento do campeonato mundial da FIFA, durante o Mundial de futebol feminino de sub-17, no Uruguai. Levou-a ainda ao Mundial feminino de 2019, aos Jogos Olímpicos do ano passado e, em breve, ao Mundial deste ano. No início de 2022, apitou na Taça das Nações Africanas masculina.
Neuza Back, do Brasil, Karen Diaz Medina, do México, e Kathryn Nesbitt, dos Estados Unidos, são as restantes mulheres que vão chegar ao Catar como árbitras a partir do dia 20 de novembro. Estas, como assistentes.
A brasileira será a primeira do seu país a estar num jogo do Mundial como assistente, mas antes de chegar aqui assinou outras vitórias pelo caminho. Em 2019, foi uma das integrantes da primeira equipa de arbitragem totalmente feminina da história da Libertadores. No ano seguinte, juntou-se à primeira equipa feminina que apitou uma competição masculina da FIFA, o Mundial de clubes.
“Se posso dizer alguma coisa é que as meninas não desistam. Quando passo por um episódio de preconceito, dou a minha resposta dentro de campo porque é lá que tenho que mostrar que tenho capacidade e desempenhar o meu papel”, disse ao “Gshow”.
Medina começou a sua carreira por puro acaso, quando o árbitro escalado para um jogo não apareceu, mas acredita que é esta a profissão que a faz gostar tanto da modalidade. “Esta é uma profissão que te faz apaixonar [pelo futebol] cada vez mais a cada dia que passa. A cada dia podemos enfrentar um novo desafio. É uma experiência fantástica que envolve todos os sentidos em cada jogo”, disse ao website da Concacaf.
A mexicana foi certificada como árbitra assistente da FIFA em 2018 e já marcou presença em múltiplos torneios da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf).
O último nome desta lista é o de Kathryn Nesbitt. Depois de passar uma década a equilibrar a sua carreira entre a química analítica e a arbitragem, tomou a decisão de se dedicar totalmente à segunda. Foi em 2019, pouco tempo antes de viajar para França para o Mundial. O objetivo era conseguir ser uma das escolhidas para participar no Mundial de 2026, que se vai jogar no seu país, mas a meta chegou quatro anos mais cedo.
"Este era um sonho impossível para mim, só o facto de poder testemunhar mulheres neste evento agora torna isto real para todas as mulheres", disse Nesbitt ao "The Washington Post".
As seis árbitras vão para o Catar com uma mala cheia de sonhos concretizados e outros ainda por concretizar, mas vão também cientes de que as mulheres do país em questão estão muito longe de oportunidades como esta.
"Quase não há árbitras no Médio Oriente, por isso gostaria de ver essa mudança, tendo o Campeonato do Mundo no Catar como catalisador", disse Yoshimi ao "The Guardian". "O facto de as mulheres estarem a arbitrar pela primeira vez num Mundial masculino é um sinal para outras pessoas de que o potencial das mulheres está sempre a crescer e isso é algo que também sinto fortemente"."

Cristiano Ronaldo e os trabalhadores do Qatar


"É a partir de amanhã. Começa mais um campeonato mundial de futebol. Depois da Rússia em 2018, desta vez a festa de branqueamento será no Qatar.
Depois de muitos trabalhadores migrantes já terem estado naquele país a construir todas as infraestruturas para os jogos de futebol poderem acontecer, agora é a vez de outros trabalhadores migrantes entrarem em campo e fazerem o seu trabalho.
Cristiano Ronaldo, o nosso herói, é um deles.
Esta semana saiu ao público uma entrevista que ele deu a Piers Morgan. Desabafou sobre um dos clubes que lhe deu palco para ele ser uma estrela maior. Para o Manchester United foi ainda jovem e sob condição de Alex Ferguson fazer dele um Homem, de letra grande.
Assim aconteceu. Sir Alex foi como que um pai para ele, pelo menos assim me pareceu que vi o espetáculo do lado de fora.
Anos mais tarde, outro pai, Fernando Santos, fez dele jogador de equipa na seleção. Muitas vezes a nossa equipa girava à volta dele. Todos serviam Cristiano. Ele parecia não servir tanto os seus colegas. Não aconteceria por egoísmo ou estrelato. A posição em que ele jogava a isso ajudava também.
Recordo-me de uma vez em que Ronaldo falhou um penalti pela seleção. E a partir daí tudo mudou. Assim me pareceu, que vejo o espetáculo de fora.
A partir daí o Cristiano começou a jogar para a equipa, a servir os seus colegas. Hoje é dos que mais luta, corre, se esforça pelas quinas de todos nós que traz ao peito.
Gosto de imaginar que Fernando Santos não terá perdido a oportunidade do penalti falhado para conversar com o Cristiano. Para o incentivar, para lhe falar que cair é humano, mas levantarmo-nos e melhorar, é trabalho de heróis e heroínas.
Trazendo-o à Terra, Fernando Santos terá feito dele um verdadeiro servidor da sua equipa em Portugal.
Ao ver o Ronaldo na comunicação social, parecia-me ver alguém que só se sentia feliz em campo, a jogar, que se alimentava de golos e ambição. Percebi-lhe uma vontade enorme de provar sempre algo a alguém. Fora do campo, sempre mais triste e angustiado.
Até ao dia em que Ronaldo, o rapaz que quase não teve pai, se tornou também ele pai. O Cristianinho veio para ser luz, e mais tarde, mais filhos até chegarmos a Abril passado, quando perdeu um filho e uns meses depois a sua bebé esteve doente com gravidade e impediu Cristiano de fazer a pré-época no Manchester. A família é o que mais conta.
Acredito que Cristiano tenha por todos os meios falado internamente no clube do que o afligia antes de vir a publico falar.
E na admiração que tenho por ele e pelo trabalhador que ele é, partilho outras admirações, a outros trabalhadores também, migrantes no Qatar.
Admirações pelos milhares que perderam a vida nas construções dos estádios e outras infraestruturas para o mundial de futebol. Pelos que continuam com salários por receber, pelos que se viram presos nos estaleiros e com o seu passaporte roubado, pelos que pagaram taxas ilegais para serem recrutados para trabalhar, pelas famílias que choram os seus maridos mortos nas construções e não receberam até hoje qualquer indemnização por parte da organização do mundial ou por parte da FIFA ou por parte de ninguém.
A Amnistia Internacional junto com outras ONG tem apelado à FIFA que disponibilize 430 milhões de dólares para estas compensações. Uma ínfima parte do que se estima que a mesma FIFA vá lucrar com o evento e que ronda os 5,9 mil milhões de dólares.
Não sei se vamos conseguir que esta organização o faça. No entanto, à semelhança de Cristiano Ronaldo que paga quase o seu salário com venda de camisolas do seu clube com o seu nome gravado, também a Amnistia vai disponibilizar camisolas que imitam coletes de trabalhadores da construção civil em homenagem à equipa esquecida que construiu todos os estádios do mundial.
Oxalá Justiça seja feita, ao nosso Cristiano e a tantos trabalhadores migrantes e esquecidos no Catar. É por esta equipa, a esquecida que também vou estar a torcer neste mundial."

A FIFA a jogar feio


"O “whitewashing” é um fenómeno conhecido e que tem agora paralelo com o #greenwashing#, em relação ao Ambiente. O branqueamento, a lavagem de marca, disfarçando-a de causas nobres ou de eventos mediáticos e de aparência magnífica, é um fenómeno em que muitas empresas se disfarçam de responsabilidade social e até governos apostam mobilizando o acolhimento de grandes eventos mundiais.

São disso exemplo a Alemanha, com os jogos olímpicos de 1936. Esta queria mostrar uma imagem forte e unida ao mesmo tempo que mascarava políticas racistas e antissemitas. O mundial de futebol realizado na Argentina em 1978 foi acolhido pelo ditador Videla. Em 2018 foi a Rússia de Putin a anfitriã do maior evento de futebol do mundo, comunicando-se como país maravilhoso e cheio de diversidade. A Amnistia Internacional apresentou mais uma equipa, simbólica e ausente daquele mundial e dos estádios e que era composta por algumas das muitas pessoas prisioneiras de consciência naquele país.
Hoje o mundo certamente perceberá melhor a farsa que a Rússia tentou promover no mundial de 2018.
Agora, a caravana do mundial organizado pela FIFA segue para o Qatar. País que era bem conhecido pela repressão dos direitos das mulheres, das pessoas LGBTQI+ e da falta de direitos para com os trabalhadores no Qatar, praticamente todos estrangeiros.
A forma de votação e escolha do país anfitrião de cada mundial de futebol de seleções é conhecida e os escândalos de corrupção à volta do processo também.
A escolha do Qatar foi criticada amplamente e desde o primeiro anúncio. As consequências estão à vista: centenas de milhares de trabalhadores migrantes nas construções dos estádios e outras infraestruturas para o mundial do futebol trabalharam praticamente como escravos, sendo-lhes cobradas taxas de recrutamento ilegais, continuam ainda hoje com salários não pagos, sofreram ferimentos e, nos piores casos, a morte. Milhares, perderam a vida em consequência das condições de trabalho.
O atual presidente da FIFA, Giani Infantino - que passou de secretário-geral da UEFA a presidente da FIFA por afastamento de Sepp Blatter e do seu provável sucessor Michel Platini, suspendidos por suspeitas de corrupção e pagamentos milionários - vinha com ares de renovação, mudança e transparência, mas tudo continua a parecer na mesma.
Até agora recusou-se a falar na questão dos direitos humanos no Qatar e a promover um mecanismo de compensação aos trabalhadores. Além disso, instou às seleções de futebol que se concentrassem no futebol e colocassem de lado as preocupações com direitos humanos. A FIFA chegou mesmo a proibir que algumas seleções utilizassem equipamentos de treino, de jogo, até as braçadeiras dos capitães e treinadores, com referências a direitos humanos no Qatar.
Dizem os senhores da FIFA que isso é política e que a FIFA não se mete em política.
Os Direitos Humanos não são questão de opinião política. São leis firmadas em declarações, tratados e protocolos internacionais. São protegidos por mecanismos de tutela e de governança internacional. É uma pena o silêncio da FIFA, mas não só.
É uma pena o silêncio de tantas federações e de tantos dos protagonistas do futebol, verdadeiros influenciadores que com as suas palavras podem mudar o mundo e fazer as pessoas que são apaixonados pelo jogo ficarem em sintonia com os direitos humanos.
O futebol tem o poder de mudar o mundo e a simples exigência aos países anfitriões dos campeonatos do mundo, a que cumpram os direitos humanos como condição obrigatória para acolher os eventos seria, por si só, um agente de transformação enorme.
Por agora, a Amnistia Internacional e outras ONG apelam à FIFA e ao Qatar para que se comprometam publicamente a estabelecer um programa de reparação de todos os abusos relacionados com a preparação do Campeonato do Mundo e para o financiamento de programas destinados a evitar novos abusos. Posteriormente, a FIFA e o Qatar devem trabalhar em conjunto com outros; incluindo trabalhadores, sociedade civil, sindicatos e a Organização Internacional do Trabalho para definir os pormenores e a execução do programa.
O montante que pedimos ao Qatar e à FIFA que envolvam na prossecução destes programas é de 433 milhões de dólares, uma parte ínfima dos 5,9 mil milhões de dólares que se estima em receitas da FIFA com o evento.
Com tão poucos esforços financeiros para estes gigantes se poderiam compensar tantas centenas de milhares de trabalhadores e das suas famílias. Trabalhadores tão importantes para o torneio quanto os atletas que andarão a correr nos estádios a fazer acontecer um jogo de equipa que evoca a arte a força de pessoas que se juntam por uma causa.
Que entre os goleadores deste mundial, esteja também os da Justiça e Direitos Humanos."

Mundial do Catar. O papel do jornalismo


"Apesar das violações de direitos humanos que subsistem no Catar, muito mudou na última década. Vale a pena avaliar porquê.
No sábado passado, durante uma viagem ao Catar só indiretamente relacionada com futebol, encontrei três portuguesas numa esplanada no "Souq Waqif", o histórico mercado da capital. Assim que me identifiquei como jornalista mostraram-se revoltadas com a forma como temos retratado aquele emirado árabe. Enquanto conversávamos demoradamente, percorremos temas como a exploração laboral, a homossexualidade e os direitos das mulheres. É impossível negar os problemas de direitos humanos e laborais existentes no Catar, mas o que ouvi e experienciei no país lançou-me uma perspetiva diferente: o Mundial terá contribuído para um maior escrutínio e para a melhoria da legislação e direitos no trabalho.
Ontem, Pete Patisson, jornalista do jornal britânico "The Guardian", publicou um artigo que coincide na leitura das melhorias conquistadas, mas recentra o mérito onde ele deve estar: no papel da comunicação social relativamente aos abusos denunciados. Recuando a setembro de 2013, quando foi publicada a primeira reportagem sobre a morte de imigrantes envolvidos na construção dos estádios e outras infraestruturas para este Mundial, o jornalista evoca os contactos recebidos de entidades externas, incluindo da FIFA, e o caminho percorrido desde então. A conquista mais relevante foi a eliminação, pelo menos no papel, do abusivo sistema "kafala". Antes disso, o trabalhador estava completamente dependente do seu "sponsor", que lhe ficava com o passaporte e podia limitar-lhe qualquer movimento.
Como sublinha Patisson, a pressão cumulativa das reportagens feitas no Catar e das organizações de defesa dos direitos humanos permitiu uma mudança real. Fez a diferença. E esta é uma conclusão que merece atenção, sobretudo se quisermos pensar no que poderá ser aquele emirado uma vez terminada a atenção mediática proporcionada pelo Mundial. Serão as mudanças legislativas respeitadas? Irá manter-se a sensação de abertura e de mudança que é relatada por tantos residentes ocidentais?
Para que isso aconteça, será essencial que a comunicação social continue a marcar presença, ali como em tantos locais do mundo em que os direitos humanos são sistematicamente atropelados. Não havendo imprensa livre localmente, o olhar externo é essencial. Habituámo-nos tanto à facilidade de aceder a tudo, a discutir qualquer tema nas redes e a saltar de polémica em polémica à velocidade da luz, que por vezes já nos esquecemos do quanto a informação é valiosa. Onde não há debate e informação, não poderá haver divergência nem capacitação para a mudança.
Muito se tem discutido a posição a tomar perante o Mundial, quer do público, quer das próprias seleções. Há equipas que anunciam apoios financeiros a ONG. Quem esteja a pintar arco-íris nos estádios. Ou, em contrapartida, quem defenda que os jogadores devem evitar desrespeitar o país que os recebe. Será curioso percebermos como se irão posicionar futebolistas com um tremendo poder mediático. Mas, mais uma vez, a força de cada gesto estará na capacidade de contar, contextualizar e multiplicar a mensagem em causa. Esse é o papel essencial do jornalismo. Estará muito além do que se vai ver dentro de campo. E irá perdurar mesmo quando os estádios forem desmontados e soar o apito final do evento."

Ó pá! Esqueçamos isso


"Marcelo Rebelo de Sousa não vai perceber nunca esta ideia inaugural da civilização: o silêncio é de ouro.

Isso nem tem grande importância! Direitos humanos é conversa boa para a teoria? Morreram 6500 trabalhadores, que se saiba, na construção dos estádios de futebol no Catar. Ganham miseravelmente, tem condições de vida que não são condições de vida. Não vivem com dignidade, estão ao serviço.
O Catar não respeita os direitos humanos e é um país homofóbico. Os valores que o desporto defende, de liberdade e partilha, os valores humanistas, são metidos na gaveta porque o espectáculo do futebol é mais importante. Desculpem, não é o espectáculo é o negócio. Já viram o documentário sobre a FIFA? Está na Netflix, vejam e, certamente, pasmarão.
Nesta senda de que isto está tudo certo, o que importa é o jogo, está o nosso presidente da república. Esqueçamos os direitos humanos, a equipa portuguesa começou bem, diz o senhor. Marcelo Rebelo de Sousa não vai perceber nunca esta ideia inaugural da civilização: o silêncio é de ouro. Não consegue estar um dia sem dizer qualquer coisa e depois são tiros no pé deste calibre. E ainda falta tanto para terminar este mandato, que os deuses nos ajudem! Precisamos muito."

Catarses 3️⃣ Cristiano e a lei seca


"Enquanto a bola não rola, a sede mediática, exagerada pela falta de assunto, explora a proibição às bebidas alcoólicas no Mundial do Catar, como uma ameaça aos direitos humanos de centenas de milhares de adeptos em luta contra o calor excessivo, a humidade asfixiante e a reduzida oferta de prazeres lúdicos, incluindo as incomodativas restrições sociais e de género.
Para muita gente, futebol sem álcool é como Cristiano Ronaldo sem “ketchup” - um pesadelo do qual só se desperta com o barulho das rolhas a saltar.
Sinto pena pelos ingleses, dinamarqueses ou brasileiros a ressacar nestes primeiros dias nos passeios da “Corniche” de Doha, em busca da magia de um tirador de imperiais, até os polícias da abstinência acabarem por baixar a guarda, sensíveis aos protestos mundiais contra este atentado.
E também venho sofrendo com a ansiedade do madeirense por molhar o bico numa baliza qualquer, por um golo que seja, de entrada como aperitivo ou determinante como digestivo, em cálice de cristal ou em caneca de penálti, mas que o sossegue e nos anime.
“Vintage” da mais apurada casta de futebolistas portugueses de sempre, Cristiano enfrenta a “lei seca” do final de uma carreira regada pelo sucesso, fermentando a sua colheita de pior qualidade e mais baixa graduação de que há registo, só recuperável através de um Mundial de muito boa cepa.
Podia ser uma questão pertinente para as reportagens das televisões portuguesas, para as quais no Mundial apenas existe o branco da selecção da FEMACOSA e o tinto dos adeptos na rua: será mais fácil ele inebriar os portugueses, brindando à presença do grande maluco Marcelo do bombo, com uma primeira degustação, já no jogo de estreia com o Gana, ou algum adepto conseguir embebedar-se nos souks de Doha, com minis a 15 euros a garrafa?
Sou dos que acreditam e aposto uma rodada em como ganeses, uruguaios e coreanos vão provar o néctar do melhor Cristiano: "hip, hip, Siiiiiiiim".
A “lei seca” em torno das grandes competições de futebol começou há mais de 30 anos, por causa dos “hooligans”, mas foi sempre gerida com margem de manobra e bom senso pelos organizadores, muito dependentes, aliás, do patrocínio de marcas globais de cerveja: lembro-me de beber um branco fresquinho servido às escondidas em garrafas de água San Benedetto, ao almoço em Nápoles no dia das meias-finais do Itália-90, quando já ninguém suportava a proibição.
No Catar, não há-de ser diferente e quem se portar bem acabará por matar a sede: de cerveja à socapa no “bazaar", ou de golos à discrição nos estádios da vergonha."

Ronaldo e a fase do papagaio. Fala mais do que joga


"Um jogador que se fez a si próprio, lutando e treinando como muito poucos, chega agora à fase do Papagaio, em que fala mais do que joga.

O seu currículo é esmagador. Melhor marcador de sempre a nível de seleções, melhor marcador de sempre do Real Madrid, o mais rápido de sempre a marcar 100 golos pela Juventus, cinco Bolas de Ouro, etc, etc. Basta ir à wikipédia para perceber o palmarés estrondoso de Cristiano Ronaldo. Tudo isso é verdade, mas, como gostava de dizer Maradona, passado é museu. Por mais respeito que esse passado justifique, e que no caso de Ronaldo é muito.
Independentemente do passado e das alegrias que deu aos amantes de futebol, Cristiano Ronaldo entrou num caminho muito pouco recomendável para um profissional: praticamente só é notícia pelo que diz e pelo que não faz, já que dentro de campo pouco tem feito para merecer destaque. Um jogador que se fez a si próprio, lutando e treinando como muito poucos, chega agora à fase do Papagaio, em que fala mais do que joga.
É impressionante como alguém que ganhou cinco Bolas de Ouro, eleito o melhor jogador do mundo, decidiu agora virar-se contra o mundo. Sendo um exemplo para todos os colegas, era o primeiro a chegar e o último a sair do campo de treinos, o capitão da Seleção nacional decidiu agora enveredar pelas queixinhas e culpar os outros dos seus insucessos. O Manchester United parou no tempo? E o tempo não passou por si? O treinador não lhe merece respeito? E um jogador que se recusa a entrar nos minutos finais de um jogo merece o respeito do treinador e dos colegas?
A entrevista explosiva que deu em vésperas de um campeonato do mundo revela também a despreocupação de Ronaldo em relação à Seleção. Sabendo que se tornaria no centro das atenções, o craque bem podia ter esperado pelo fim do Campeonato do Qatar para então revelar as suas angústias em relação ao Manchester United. Mas não o fez e por mais voltas que se queira dar ao texto, foi evidente o mal estar entre Cristiano Ronaldo e Bruno Fernandes, também jogador do United, na concentração da Seleção. Esperemos pois que tudo se resolva a bem e que Ronaldo faça um grande campeonato do mundo para depois resolver a sua situação profissional, já que em Manchester não deve ter grande futuro."

Nunca será “apenas” futebol


"O futebol nos faz ver camadas nossas que nem sempre conhecemos – e que nem sempre gostamos de descobrir. O futebol une com a mesma força que separa, abraça com a mesma força que rejeita.

Domingo começa o Mundial – ou Copa do Mundo, de acordo com cada variante lusófona. Camisas de seleções começam a povoar as ruas em diversos países. Encontros entre amigos começam a ser marcados. Polêmicas nos ambientes de trabalhos e nas escolas se instauram, sobre liberar ou não trabalhadores e alunos para assistir às partidas. Faz sentido? Não faz?
Muita gente minimiza a importância do evento, diz que é, sobretudo, um evento a serviço de grandes interesses econômicos e políticos – o que não deixa de ser verdade sob um certo ângulo. Mas quando dizem que é “apenas” futebol, sinto a obrigação de dizer: nem no mundial, nem em nenhum outro torneio é “apenas” futebol. Futebol e “apenas” são duas palavras que não combinam.
Recentemente fiz uma palestra na semana de compliance do São Paulo Futebol Clube, time para o qual torço desde antes de nascer. Lágrimas vieram aos meus olhos quando iniciei minha fala, lembrando das tantas partidas que assisti naquele estádio, de quantos gritos dei naquelas arquibancadas, mas sobretudo de quanta união aquele brasão, aquelas cores e aquelas memórias representavam entre meu pai e eu, nos abraçando emocionados a cada gol.
Nunca é “apenas” futebol. É sempre muito mais complexo e muito mais profundo do que isso. O futebol desperta lembranças, instintos, histórias, paixões. O futebol nos faz ver camadas nossas que nem sempre conhecemos – e que nem sempre gostamos de descobrir. O futebol une com a mesma força que separa, abraça com a mesma força que rejeita.
Lembrar dos torneios de 2018, 2014, 2010, 2006, 2002, 1998, 1994, 1990 e por aí em diante é lembrar de pessoas. De momentos. As tranças que amarrei com elásticos verdes e vermelhos nos cabelos da minha ex enteada em Lisboa, em 2018. Minha solidão num quarto de hotel de Madri no 7×1 do Brasil em 2014. As festas no jóquei com samba e cerveja que ia com minha irmã em São Paulo para assistir as partidas de 2010. Minhas lágrimas em 2006, quando vivia em Paris e entrei num vagão de metro lotado de franceses com minha camisa amarela, logo após a eliminação do Brasil pela França. Minha comemoração do penta nas ruas de São Paulo com meu irmão num domingo de sol de 2002. O ar de inconformismo do meu pai na casa de um amigo em Vitória, nos Espírito Santo, com a eliminação do Brasil de 1998. Meu avô, poucos meses antes de morrer, comemorando o tetra comigo, aos 6 anos de idade, em São Paulo em 1994.
Não é sobre regras e camisas e ângulos e lances. É sobre pessoas, sobre afetos, sobre memórias. É sobre construirmos em 2022 as memórias que carregaremos para 2026 e para os anos subsequentes. É sobre criar os momentos para nossas crianças se lembrarem no futuro, como eu sou capaz de me lembrar hoje, com afeto e gratidão à família e aos amigos. Não é “apenas” sobre futebol. É sobre vida, sobre história, sobre optar por celebrar de alguma maneira ou sobre simplesmente dizer que é “apenas” futebol."

Cronologia do primeiro dia de Ronaldo na seleção


"Pelas 12:07, a FPF, preocupada com o facto de Ronaldo não gostar da comida da cantina, marca almoço num restaurante perto da Cidade do Futebol. É o “Capricciosa”, em Carcavelos. Bruno Fernandes decide que, doravante, é por esse nome que tratará Cristiano Ronaldo.

07:35 - Cristiano Ronaldo acorda.
07:38 - Cristiano Ronaldo faz login no Instagram de Elma Aveiro e faz uma story com uma citação de Epicuro sobre gratidão.
07:53 - Cristiano Ronaldo recebe mensagem de apoio de Nuno Luz. "Whats an interview, mine friend! You well english speak!"
08:01 - Cristiano Ronaldo chega ao refeitório.
08:02 - Cristiano Ronaldo repara que o chef da seleção é o mesmo há vinte anos e vai tomar o pequeno-almoço à Galp da A5.
08:55 - Cristiano Ronaldo chega ao treino.
09:03 - No aquecimento, Cristiano Ronaldo dá calduço a João Cancelo que, entredentes, lhe diz "está quieto, bacano. Eu tenho amigos no Miratejo".
10:16 - Treino de penáltis. Cristiano Ronaldo, visivelmente desmotivado por ver Diogo Costa na baliza, recusa-se a tentar marcar. Fernando Santos põe João Moutinho em videochamada a dizer "anda bater, tu bates bem".
10:44 - Cristiano Ronaldo liga a Frederico Varandas e pergunta-lhe se já mudaram o chef responsável pelas refeições em Alcochete ou se é o mesmo há vinte anos.
11:04 - Bruno Fernandes ganha coragem e responde à provocação de Ronaldo, do dia anterior. "Vim de barco, mas pelo menos não estou a tentar afundá-lo".
12:07 - A FPF, preocupada com o facto de Ronaldo não gostar da comida da cantina, marca almoço num restaurante perto da Cidade do Futebol. É o “Capricciosa”, em Carcavelos. Bruno Fernandes decide que, doravante, é por esse nome que tratará Cristiano Ronaldo.
12:32 - Cristiano Ronaldo percebe que os ingredientes da pizza margherita do Capricciosa são os mesmos há vinte anos e manda o prato para trás.
13:28 - Fernando Santos e Cristiano Ronaldo têm um raro momento de tensão: na altura de pagar, discutem com rispidez qual deles é que põe o NIF na factura para pôr como despesa.
14:04 - Após o almoço e separando-se do grupo, Ronaldo visita o St. Julian's, colégio onde acaba de inscrever os filhos. No recreio, pontapeia um adolescente, só porque este se encontrava a ler um livro da escritora Sally Rooney. O mero vislumbre do apelido do ex-avançado inglês precipitou o ato de violência.
15:21 - De regresso à cidade do futebol, Cristiano tenta perceber quanto dinheiro vai perder se for para o Sporting. Para fazer as contas, pede ajuda a António Silva, que está a estudar para o exame nacional de Matemática A.
16:01 - Depois de o comentador Luís Vilar ter afirmado que Ronaldo tem transtorno de personalidade narcisista, o português marca teleconsulta com Jordan Peterson. Quatro minutos depois da sessão começar, Jordan Peterson ignora CR7 e começa a chorar. Cristiano Ronaldo consegue confortar o canadiano e considera enveredar pela prática psicanalítica.
16:51 - Cristiano Ronaldo liga ao empresário que ia construir um pavilhão em Caminha e pergunta-lhe como pode ter um PhD em menos de cinco minutos, na especialidade de psicoterapia.
16:59 - Cristiano Ronaldo manda mensagem a Jorge Mendes e pergunta-lhe novidades sobre o Bayern de Munique. Mendes vê e não responde, sendo que ainda manda um meme do António Silva para o grupo “Jantar de Natal Gestifute”, ignorando por completo CR7.
17:04 - Cristiano Ronaldo liga ao empresário que ia construir um pavilhão em Caminha e pergunta-lhe se quer ser seu empresário.
17:30 - Cristiano Ronaldo chega ao lanche. Repara que a senhora que corta as sandes em triângulos continua a ser a mesma há vinte anos e manda vir UberEats da Padaria Portuguesa.
17:56 - Cristiano Ronaldo contacta o radialista Fábio Lopes no sentido de integrar o plantel do Villa Athletic Club para a próxima época.
18:07 - Inspirado pelos recentes movimentos juvenis, António Silva cola-se a um poste e diz que só sai dali quando "resolverem os problemas do clima na selecção, que são causados pela insistência em utilizar um fóssil".
18:32 - Rafa manda mensagem a Fernando Santos a pedir para voltar à seleção, porque o João Mário não lhe manda uma mensagem de voz a contar tudo e ele quer estar a par do chá.
20:01 - Fernando Santos termina o seu terceiro maço do dia.
20:13 - Dolores Aveiro entrega o seu bolo de banana na Cidade do Futebol porque está farta de ver o seu menino passar fome."

Os doces pássaros do paradoxo


"Na curiosa história dos irmãos Robledo, um deles desenhado por John Lennon, Jorge foi estrela e Eduardo foi mistério

Basta ouvi-lo. Não restam grandes dúvidas que que John Lennon se divertiu, e muito, a produzir Walls & Bridges, um disco que saiu em 1974.
«A bird of paradise
The sunrise in her eyes
God only knows such a sweet surprise
I was blind she blew my mind think that I»,
cantou em Surprise, Surprise (Sweet Bird of Paradox). A capa do álbum ficou famosa porque John lembrou-se de a encher de desenhos feitos por ele próprio no início da adolescência. Um desses desenhos retratava um lance da final da Taça de Inglaterra de 1952, na qual o Newcastle bateu o Arsenal por 1-0 em Wembley. Dois jogadores do Newcastle aparecem em destaque junto à baliza do Arsenal: Jack Milburn, o n.º 9, que acabara de fazer um passe decisivo, e George Robledo, n.º 10, que o recebera e fizera o golo. George só foi George quando os país resolveram deixar Santiago do Chile para emigrarem para Inglaterra. Até aí fora Jorge. O irmão mais novo, Eduardo, passou a ser muito mais britanicamente Ted. E também jogou nessa final de Wembley, mais atrás no campo, com a camisola n.º 6.
George, ou Jorge, como preferirem foi um avançado de qualidade e veio a representar a seleção do Chile (embora a sua mãe fosse inglesa) e a participar no Campeonato do Mundo de 1950, tendo apontado um golo aos Estados Unidos. Ted foi fazendo a sua carreira na esteira do irmão que, depois de se ter iniciado no Huddersfield assinou o seu primeiro contrato profissional com o Barnsley, da II Divisão. Assinaram ambos, melhor dizendo, porque não viviam um sem o outro.
Em 1949, os irmãos Robledo chegavam a Newcastle. George como menino bonito dos adeptos, Eduardo praticamente ignorado, o que não lhe fazia grande mossa já que tinha uma adoração e um orgulho tremendos pelo irmão e aceitava de boa catadura viver à sua sombra. Curiosamente, foi o mais velho que, apesar do sucesso que tinha em Newcastle, se viu na situação de ter de fazer uma escolha complicada a partir do momento em que Ted resolveu aceitar um convite para regressar ao Chile e assinar um contrato bastante generoso com o Colo Colo. Foi o momento em que ambos, pelas palavras de Lennon, se transmutaram em pássaros do paradoxo. E, mais apertado pelos laços do sangue do que propriamente pelos laços do profissionalismo, a história inverteu-se e foi Jorge que seguiu Eduardo de volta a Santiago.
Outra vez no lugar onde tinham vindo ao mundo, trataram de ser felizes enquanto podiam. Nunca John Lennon alguma vez adivinharia que o seu desenho meio rabiscado de adolescente acabaria por traçar um dos mistérios jamais resolvidos da história do futebol. Enquanto Jorge foi gerindo melhor ou pior a degradação das suas qualidades físicas que tinham feito dele uma das figuras mais estimada do Newcastle, jogando pelo O’Higgins antes de se reformar e se instalar num completo anonimato em Viña del Mar ao lado da esposa americana, Gladys, Ted saiu da sombra do irmão. Casou-se com uma bailarina famosa no Chile, Carmen Calé, e em 1956 decidiu que o futebol chileno continuava a ser demasiado pequeno para um Robledo, fosse ele qual fosse. Não tardou a apanhar um navio de regresso à Grande Ilha para lá da Mancha, desta vez para jogar pelo Notts County, o clube mais antigo do mundo. Foram dois anos exigente mas compensadores, e ganhou a consideração dos adeptos e da imprensa como um centro-campista defensivo abnegado e trabalhador, algo que costuma agradar de sobremaneira aos aos britânicos em geral. Dois anos após a chegada a Nottingham anunciou que já não tinha muito mais para dar. Seguir-se-ia a reforma. Pelo menos do futebol já que Eduardo era um verdadeiro pássaro do paradoxo.
Ted fora um bom estudante mas não deixou de ser absolutamente surpreendente que, depois de deixar o futebol, tenha conseguido um trabalho como técnico eletrónico da NASA, a agência espacial norte-americana. O trabalho esteve longe tanto de o entusiasmar como de lhe preencher a vida. A sua verdadeira paixão era o futebol e ao futebol voltou, agora como treinador da equipa do Once Principal de El Salvador. Inquieto por natureza, meteu-se no universo da energia petrolífera e vamos encontrá-lo, depois, em vários dos países do Golfo Pérsico procurando estabelecer-se no negócio. Finalmente, no dia 5 de dezembro de 1970, entrou a bordo do barco de cruzeiro que era propriedade de um alemão chamado Hans Besseinich. Ah! Como foi curta a sua última viagem. No dia seguinte caiu ao mar junto à costa de Omã e o oceano fez questão de não devolver o seu cadáver. Dezenas de teorias sobre a sua morte foram desenvolvidas: desde que pertencia aos serviços secretos britânicos e incomodara gente sem escrúpulos a que se limitara a passar uma madrugada a beber e a jogar cartas e se limitara somente a perder o equilíbrio junto à amurada. Lá longe, em Viña del Mar, Jorge chorou como se fosse ainda criança trazendo o irmão mais novo pela mão."