domingo, 20 de novembro de 2022

As seis árbitras que fazem história num Mundial jogado por homens e organizado por um país governado no masculino


"No Mundial do Catar são seis as árbitras que integraram o grupo de mais de 100 juizes que estarão a apitar jogos a partir do próximo domingo. Esta escolha inédita e histórica surge na mesma edição em que o torneio colocou o mundo a falar sobre os direitos humanos e a forma como quem vive no Catar, nomeadamente mulheres, não têm acesso a eles no país do Médio Oriente

Em todos os Mundiais há ausências. Por norma as mais notadas são as dos jogadores que por lesão perderam a oportunidade de pisar o maior palco do futebol mundial, mas há uma que se repete ano após ano e que só em 2022 vai deixar de ser uma realidade. Ironicamente, foi preciso chegar a um país onde as mulheres continuam a ser vistas e tratadas como inferiores aos homens para que a FIFA tomasse a decisão de as tornar visíveis no campo da arbitragem.
No Mundial do Catar, pela primeira vez, três mulheres vão liderar equipas de arbitragem. A elas juntam-se outras três, como árbitras assistentes.
Stephanie Frappart é certamente o nome mais conhecido entre as três árbitras principais, que se juntam a 33 homens no mesmo papel. A francesa, de 38 anos, é uma pioneira nestas andanças. Em 2020, escreveu o seu nome na história ao tornar-se a primeira mulher a arbitrar um jogo da Liga dos Campeões masculina. A sua primeira final chegou um ano antes, no Mundial de futebol feminino, em França, na mesma altura em que foi a primeira mulher a apitar a final da Supertaça europeia, entre o Liverpool e o Chelsea. No seu país também já entrou em campos nunca antes pisados por mulheres: arbitrou um jogo da liga francesa e a final da Taça de França masculina.
"Eu não tinha nenhum modelo a seguir. Penso que todas as pessoas são únicas, por isso não se pode basear a sua personalidade noutra pessoa. É preciso crescer por si próprio. Eu não sou um homem, não posso seguir um deles", disse ao “The Athletic”.
Para Yamashita Yoshimi este também é o segundo Mundial consecutivo em que participa, depois de ter estado em França para o torneio de futebol feminino que os Estados Unidos venceram contra a seleção anfitriã. Natural de Tóquio, a árbitra de 36 anos deu os primeiros passos no mundo do desporto como jogadora, até que um colega na universidade lhe sugeriu a arbitragem.
"Nunca pensei que fosse possível arbitrar jogos masculinos, por isso o Campeonato do Mundo não estava nos meus pensamentos", confessou Yamashita ao “The Guardian”. A japonesa, que também arbitrou nos Jogos Olímpicos de Tóquio, tem no currículo alguns momentos em que quebrou barreiras para as mulheres. No ano passado, tornou-se a primeira mulher a arbitrar um jogo masculino na J-League do Japão e este ano foi a primeira a comandar jogos da Liga dos Campeões da Ásia.
"Quero dizer às jovens que estão interessadas em tornar-se árbitras que o nosso potencial está a crescer. Sou capaz de fazer o que faço porque sei que há raparigas que querem seguir as minhas pisadas. Eu digo-lhes: não se sintam ansiosas, apenas trabalhem muito no que está mesmo à vossa frente", continuou.
Salima Mukansanga é a última deste trio histórico. É uma das árbitras oficiais da FIFA desde 2012, mas enquanto criança o seu sonho estava muito longe dos estádios de futebol. O seu grande objetivo era tornar-se jogadora de basquetebol, “mas era difícil ter acesso a infraestruturas” da modalidade no seu país, segundo contou ao “New York Times”. Foi essa dificuldade que a levou à arbitragem e, até hoje, nunca se arrependeu.
A mudança de planos fez com que, em 2018, se tornasse a primeira árbitra do Ruanda a arbitrar um evento do campeonato mundial da FIFA, durante o Mundial de futebol feminino de sub-17, no Uruguai. Levou-a ainda ao Mundial feminino de 2019, aos Jogos Olímpicos do ano passado e, em breve, ao Mundial deste ano. No início de 2022, apitou na Taça das Nações Africanas masculina.
Neuza Back, do Brasil, Karen Diaz Medina, do México, e Kathryn Nesbitt, dos Estados Unidos, são as restantes mulheres que vão chegar ao Catar como árbitras a partir do dia 20 de novembro. Estas, como assistentes.
A brasileira será a primeira do seu país a estar num jogo do Mundial como assistente, mas antes de chegar aqui assinou outras vitórias pelo caminho. Em 2019, foi uma das integrantes da primeira equipa de arbitragem totalmente feminina da história da Libertadores. No ano seguinte, juntou-se à primeira equipa feminina que apitou uma competição masculina da FIFA, o Mundial de clubes.
“Se posso dizer alguma coisa é que as meninas não desistam. Quando passo por um episódio de preconceito, dou a minha resposta dentro de campo porque é lá que tenho que mostrar que tenho capacidade e desempenhar o meu papel”, disse ao “Gshow”.
Medina começou a sua carreira por puro acaso, quando o árbitro escalado para um jogo não apareceu, mas acredita que é esta a profissão que a faz gostar tanto da modalidade. “Esta é uma profissão que te faz apaixonar [pelo futebol] cada vez mais a cada dia que passa. A cada dia podemos enfrentar um novo desafio. É uma experiência fantástica que envolve todos os sentidos em cada jogo”, disse ao website da Concacaf.
A mexicana foi certificada como árbitra assistente da FIFA em 2018 e já marcou presença em múltiplos torneios da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf).
O último nome desta lista é o de Kathryn Nesbitt. Depois de passar uma década a equilibrar a sua carreira entre a química analítica e a arbitragem, tomou a decisão de se dedicar totalmente à segunda. Foi em 2019, pouco tempo antes de viajar para França para o Mundial. O objetivo era conseguir ser uma das escolhidas para participar no Mundial de 2026, que se vai jogar no seu país, mas a meta chegou quatro anos mais cedo.
"Este era um sonho impossível para mim, só o facto de poder testemunhar mulheres neste evento agora torna isto real para todas as mulheres", disse Nesbitt ao "The Washington Post".
As seis árbitras vão para o Catar com uma mala cheia de sonhos concretizados e outros ainda por concretizar, mas vão também cientes de que as mulheres do país em questão estão muito longe de oportunidades como esta.
"Quase não há árbitras no Médio Oriente, por isso gostaria de ver essa mudança, tendo o Campeonato do Mundo no Catar como catalisador", disse Yoshimi ao "The Guardian". "O facto de as mulheres estarem a arbitrar pela primeira vez num Mundial masculino é um sinal para outras pessoas de que o potencial das mulheres está sempre a crescer e isso é algo que também sinto fortemente"."

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