terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Don’t cry for me, França


"Vou ali despachar um chuletón, com o mesmo sentimento de culpa com que assisti a este Mundial.

No início, era o mundial da vergonha, que não íamos ver. No fim, foi o mundial que afinal vimos, mas extremamente envergonhados. Jogo espectacular atrás de jogo espectacular, foi difícil manter intactos durante quatro semanas os louváveis princípios de cidadania que inicialmente regeram as garantias de boicote. Admito que assisti à maioria das partidas, mas sem dar bandeira. Acredito que muita gente tenha visto este mundial com o recato de quem vai a um clube de strip. Muitos de nós fomos - não a um Coyote Bar - mas a um boicote bar ver os jogos. “Tens visto o Mundial?”; "Epá, vi um ou outro jogo"; "Vi, mas porque um grupo de amigos queriam muito ver, eu nem olhei!"; "Vi, mas, por favor, não contes à minha esposa!". Só aos mais íntimos, e em surdina, confessámos que estávamos malucos com este Mundial. Não estamos sozinhos: até a Assembleia da República esperou que Portugal estivesse fora da competição para aprovar um voto de condenação à competição.
E bem, porque podíamos muito bem ter estado na final. O facto de Portugal ter sido eliminado por Marrocos inviabilizou uma final que todos os adeptos de futebol gostariam de ter visto: um histórico embate entre Messi e Gonçalo Ramos. Com realismo, também há que dizer que não era improvável que caíssemos, nas meias-finais, contra a França. A presença dos bleus na Final era inevitável: não há festa nem festança a que não vá a dona França. Há quem diga que a seleção portuguesa não explorou o potencial que tinha nesta prova, ao contrário de conjuntos competentes como o da Croácia. Eu não tenho tanta certeza. Tudo bem, os croatas estiveram em duas meias-finais do Mundial consecutivamente, mas a seleção portuguesa esteve envolvida em tanto drama digno de HBO que é possível que os turistas que costumam visitar Dubrovnik por causa de Game of Thrones transitem para a Cruz Quebrada por causa da FPF. Vamos ver quem é que se fica a rir no fim.
Mas enfim, ganhou a Argentina e Messi vence o título que solidifica a sua posição como melhor jogador da sua geração, possivelmente de sempre. A final foi uma das melhores da história, mesmo com uma França debilitada por várias lesões e ainda pelo vírus do camelo, que provavelmente criará uma nova pandemia que não terá vagas, mas sim bossas. Já se sabe que estes agentes biológicos provocam diferentes reações em diferentes pessoas: a julgar pelos sintomas apresentados na final de hoje, Killian Mbappé vai querer andar com um frasquinho deste vírus no bolso para o resto da sua carreira.
Por outro lado, é uma vitória que acaba por ser agridoce para alguns dos argentinos que hoje subiram ao relvado do estádio Lusail. Enzo e Otamendi - e também Aimar e Di Maria - voltarão do Qatar com um misto de emoções: um sorriso pela gloriosa conquista do campeonato do Mundo e um pesado semblante face à eliminação do Benfica da Taça da Liga. É levantar a cabeça. Agora vou ali despachar um chuletón, com o mesmo sentimento de culpa com que assisti a este Mundial."

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