"Daqui a uns dias, o planeta volta a encolher-se no reduto do futebol. Nada mais interessará quando a bola girar, os hinos soarem e as bandeiras se agitarem.
O contexto transforma-se em detalhe. O exército global de entusiastas que vai acompanhar, pela televisão, o Mundial do Catar esquecerá os migrantes mortos nas obras, o desrespeito pelos direitos das mulheres e da comunidade LGBT e os constantes atropelos à democracia de uma monarquia absoluta que instalou ar condicionado em estádios majestosos que serão desmantelados logo depois da prova. Joseph Blatter, o ex-homem-forte da FIFA que patrocinou, de forma criativa, a escolha do país árabe, demorou uma década a arrepender-se da decisão. Este foi o momento consciência pesada da Federação Internacional do Futebol.
Mas ao longo dos anos, e com a imagem do Catar a degradar-se aos olhos das democracias ocidentais, a posição da FIFA foi evoluindo para o estado em que hoje se encontra: o da consciência pausada. "Concentrem-se no futebol e fechem os olhos ao resto" é o novo mantra. E, no final, é mesmo isso que vai acontecer. Ficarão os golos, os heróis e os vilões, o brio nacionalista travestido de júbilo ou desilusão.
O futebol é uma indústria, não um conto de fadas. Busca lucros, audiências, capital de influência, é permeável aos subornos, mas ilude as trapaças com a habitual magia dos dribles dos que alimentam a máquina, mesmo que esta os mastigue e deite fora: os jogadores. Será sobre eles que vão recair as atenções.
Mas a FIFA não brinca em serviço e já avisou os artistas que eles estão lá para entreter, não para despertar consciências ou acordar fantasmas. Veremos quão obedientes serão atletas, treinadores e dirigentes. É ali, no campo, na montra planetária onde não há barreiras, que ainda podem fazer a diferença. Há muitas formas de ganhar jogos neste Mundial da consciência pausada."
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