terça-feira, 5 de abril de 2022

O desembaraçado David e o querido Golias


"Na 4.ª eliminatória da Taça de Portugal de 1986/87, o Benfica teve de fazer um inesperado jogo de desempate contra o SL Cartaxo

A semana que antecedeu aquele domingo, 18 de Janeiro de 1987, foi de pura festa na pacata vila ribatejana do Cartaxo. Não se falava doutra coisa: pela primeira vez, oficialmente, o Benfica viria jogar ao Cartaxo, frente à sua filial n.º11, a contar para a Taça de Portugal.
Sem perder há 27 jogos em casa, o Sport Lisboa e Cartaxo ia embalado na prova-rainha, depois de eliminar o SC Braga em Dezembro, apesar de actuar na 3.ª Divisão. Com um treinador aficionado e um capitão sócio do Benfica, a equipa desejou, pela primeira vez, a derrota do Benfica.
John Mortimore levava um plano: marcar cedo e cortar animicamente o jogo do adversário. O que o preocupou foi o estado do campo, a 'caixa de fósforos', de piso pelado. Se Mortimore afirmava que 'estes campos não ajudam o futebol', João Barroca, treinador do Cartaxo, dizia que sim, 'é pequeno, mas está dentro das leis'.
O Campo das Pratas estava à pinha. Com 4 mil espectadores e dezenas de pessoas empoleiradas nas árvores, teve de se pedir uma bancada amovível à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
Apesar das diferenças de escalão, a partida foi equilibrada, e a causa apontada foi a dimensão do perímetro, que não permitiu ao Benfica o seu jogo natural. As consecutivas falhas de Rui Águas e de Dito também determinaram que o espírito de luta dos locais nunca se abatesse. O jogo prolongou-se até aos 120 minutos a zeros. Louro, o guarda-redes cartaxense que fizera a sua formação no Benfica no final dos anos 60, foi o homem do jogo.
Enquanto Fernando Martins, presidente do Benfica, lançava a primeira pedra para o novo campo de jogos do SL Cartaxo, à saída da vila as gentes acenavam um grato adeus aos visitantes. Num dos maiores momentos da sua história, a filial conquistou o direito ao desempate no Estádio da Luz, em 21 de Janeiro. Era um sonho! Mesmo sabendo-se sem hipóteses, Barroca brincava dizendo que o 'campo é muito grande', e os jogadores, 'sal e pimenta' da festa da Taça, afirmavam ir sem 'baraço ao pescoço'.
Perante 10 mil assistentes que aplaudiram as duas equipas, a resistência e o fôlego dos ribatejanos esmoreceu a partir do primeiro golo do Benfica, surgido de um contra-ataque, e piorou depois do intervalo. Naquela quarta-feira, o resultado ficou num 7-0 para o Benfica, com os 'bis' de Chiquinho e Shéu e com o hat-trick de César Brito. O Clube não deixaria de exaltar e glorificar o brio e a coragem do adversário.
Coube ao Benfica a conquista da Taça de Portugal de 1986/87, em 7 de Junho, frente ao Sporting. O troféu, o último sob a orientação de Mortimore, pode ser visto na área 5 - A 'Taça', do Museu Benfica - Cosme Damião."

Pedro S. Amorim, in O Benfica

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