quinta-feira, 1 de julho de 2021

Um ciclo que se devia fechar


"Fernando Santos vai obviamente continuar no comando técnico da selecção nacional. Era certo e sabido. O seu contrato termina em 2024, não tenho a certeza se se vai manter no cargo até essa data, mas até 2022, é quase certo que continuará.
Quanto a mim, esta era a altura certa para se fechar o ciclo. Não é pelos resultados que faço esta leitura. Os resultados que o engenheiro alcançou foram os melhores de sempre da selecção portuguesa. Ganhou o Euro'2016, que significou o maior êxito da história do futebol português a nível de selecções. Ganhou a Liga das Nações em 2019, um troféu que não é de primeira linha mas que foi uma conquista relevante. No Mundial'2018 caiu nos oitavos de final face ao Uruguai. Agora no Euro'2020 caiu novamente nos 'oitavos' frente à Bélgica. Além de uma presença nas meias-finais da Taça das Confederações.
Ao nível global, de títulos e campanhas, ninguém fez, é justo dizê-lo, melhor que Fernando Santos. Contabilizando os jogos realizados, o seu reinado foi muito bom: 49 vitórias, 19 empates e 8 derrotas em 76 partidas, nas quais se marcaram 142 golos e sofreram 57. No entanto, diversos desses jogos foram contra selecções menores. A verdade nua e crua é que nas três principais competições em que participou - Euro'2016, Mundial'2018 e Euro'2020 - com Fernando Santos ao leme, Portugal apenas ganhou 3 jogos em 15, nos 90 minutos regulamentares: País de Gales, Marrocos e Hungria.
O Euro'2016 foi uma grande alegria para o nosso país e todos seremos eternamente gratos pelo feito inolvidável que se logrou alcançar. No entanto, é preciso lembrar que o futebol jogado nunca convenceu e que houve uma dose grande de felicidade nesse torneio. Faz parte e ainda bem que assim foi. Funcionou como uma espécie de 'revanche' por toda a infelicidade que havíamos sofrido ao longo da história em competições anteriores. O futebol jogado é mesmo o grande motivo de eu achar que este é um ciclo que se devia fechar. Sejamos francos: Portugal não joga nada! E a continuidade de um treinador nunca pode ser decidida em função da gratidão pelos serviços prestados.
O nível de jogo manteve-se constante em 2018 e 2020 face a 2016, isto é, mediano a fraco. A questão é que após o Europeu ganho, a felicidade acabou e lá descemos à terra, a nível de resultados. Então mas agora Portugal é a melhor selecção do mundo e tem de ganhar os Mundiais e os Europeus todos em que participa?! Não, não tem, como é evidente. Não jogamos sozinhos e há equipas fortíssimas a competir connosco e com mais peso no panorama internacional. Mas eu insisto, as exibições são muito fracas. O problema da selecção na era Fernando Santos não é de resultados, mas sim de falta de qualidade de jogo, que se torna incompreensível tendo em conta os jogadores que há.
Portugal tem hoje em dia uma das melhores selecções mundiais a nível individual. Não é a melhor, mas está no lote das melhores. Temos Cristiano Ronaldo que já passou os seus melhores anos mas continua a ser um jogador de topo. Temos um grande guarda-redes chamado Rui Patrício. Temos diversos laterais de grande nível. Temos uma dupla de centrais de eleição: Pepe e Rúben Dias (melhor jogador da época da Premier League). Temos um 6 soberbo chamado Rúben Neves e ainda Palhinha, que fez uma época fantástica no Sporting. Temos o poço de força Renato Sanches no miolo. Temos um médio ofensivo fantástico como Bruno Fernandes, eleito o melhor jogador da temporada do Manchester United. Há a criatividade inesgotável de Bernardo Silva. Temos Diogo Jota que foi uma peça fundamental do Liverpool. Temos o talento admirável de João Félix. Temos um goleador nato e cada vez mais profícuo de nome André Silva (segundo melhor marcador da Bundesliga com 28 golos). Temos um Pote em ascensão, melhor marcador da liga portuguesa com 23 golos. Temos jovens promissores como Nuno Mendes, Dalot, Daniel Bragança, Vitinha, Fábio Vieira, Trincão, Francisco Conceição, Rafael Leão ou Fábio Silva...
A qualidade individual sobeja hoje em Portugal. A verdade é que a generalidade destas individualidades rendem muito mais nos clubes que na selecção. Temos um modelo de jogo de tal ordem insuficiente, que muitos jogadores estão em permanente sub-rendimento face ao que produzem em contextos de jogo mais favoráveis. Fernando Santos enquanto treinador é limitado. A sua ideia de jogo é demasiado pobre, pouco arrojada, pouco apelativa, quer para quem joga, como para quem vê. Os maiores talentos da equipa são amiúde castrados no que têm de melhor em nome do famigerado pragmatismo e de constrangimentos tácticos ridículos. 
Esta era altura de mudar. Com Fernando Santos vai ser mais do mesmo. No futebol jogado, fraquinho. No discurso, uma ambição sustentada muito mais em 'fezadas' do que em reais competências. O Mundial'2022 vai ser o seguimento da mediania em futebol jogado, porque em 6 anos nunca se viu nada de diferente. O resultado, com alguma sorte, até pode melhorar (o jogo é sempre imprevisível), mas isso é algo em que apenas queremos acreditar, pois acreditar a sério, ninguém acredita.
Era preciso entrar alguém com ideias melhores, que preconizasse um futebol de maior qualidade, mais atacante, mais sedutor, mais aglutinador do talento natural dos jogadores portugueses. Era preciso alguém com real capacidade para implementar um modelo de jogo mais actual, mais capaz tacticamente, mais fresco no discurso. Os resultados serão sempre uma consequência da qualidade de jogo. Pode-se ganhar aqui e ali a jogar mal, ou a jogar pragmaticamente, para usar um eufemismo. Pode-se perder às vezes mesmo quando se joga bem. Mas no longo prazo, isto anula-se, e quem joga bem ganha mais vezes.
Portugal tem hoje uma geração magnífica. É triste que continue a ser desperdiçada por falta de coragem em assumir que o ciclo acabou e seria esta a hora certa para virar a página. Ainda por cima, vejo, entre outros, dois nomes perfeitos nesta altura para assumir o lugar: Vítor Pereira (livre) e Luís Castro (que parece que vai treinar o Al Duhail, do Qatar, mas não tenho dúvida que nem pensaria duas vezes)."

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