sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Jorge Jesus | Coentrão como exemplo na roda das adaptações


"16 de Agosto, 2009. Estamos no primeiro fim-de-semana da Primeira Liga 2009/2010 e é a estreia oficial de Jorge Jesus ao comando das águias. O contexto ajuda, já que FC Porto e Sporting CP se tinham estreado com perda de pontos e, na Luz, o convidado é o CS Marítimo.
Estava tudo reunido para continuar a surfar na onda vermelha, criada por uma pré-temporada como há muito já não se via e com resultados empolgantes, como a vitória esclarecida no Torneio de Amesterdão.
Ninguém estaria à espera, portanto, que os insulares fossem os primeiros a inaugurar o marcador logo aos 23 minutos, num penalty exemplarmente marcado pelo brasileiro Alonso com recurso a paradinha anacrónica, daquelas que nos dias de hoje não contam e que, à altura, davam conversa. Rocambolesca a forma como Quim é enganado.
Os minutos foram passando e nada de remontada. A ansiedade crescia, as jogadas iam saíndo e o perigo era realidade assente nas imediações da área de Peçanha – mas o guarda-redes brasileiro estava em tarde inspirada, e nem as bombas de Cardozo passavam.
Jesus, que tinha começado com David Luiz à esquerda, vê-se desesperado por soluções vindas do banco. Mete Weldon para ajudar nas últimas definições e tira Sidnei, que até aí fazia companhia a Luisão no eixo defensivo. Para arrumar a casa, e como o jogo permitia esse tipo de ousadia, mandou Coentrão recuar para a posição antes ocupada por David. Não se portou mal o português nesse papel, ajudou (e muito!) à criação de jogadas e foi ele o assistente para o golo do empate já perto do fim. Soube a pouco.
Avançamos no tempo. 26 de Outubro. Outra vez visita insular, desta feita os que equipavam de alvinegro. Vinha aí o Nacional da Madeira de Manuel Machado, némesis de Jorge Jesus – os dois mantinham relação díficil, numa deliciosa dicotomia entre o aprumado bom falante e o gingão despreocupado com adornos triviais desse tipo – e a oportunidade era perfeita para marcar posições na rivalidade e alimentar egos.
Tracção à frente, pensou Jesus ao olhar para a tabela classificativa: o Benfica era primeiro e contava 24 golos marcados à sétima jornada. Shaffer, o titular até aí, estava lesionado e César Peixoto ressente-se de alguma coisa no aquecimento. Óptimo, deve ter pensado Jesus, quando se lembrou do jogo frente ao Marítimo e da possibilidade de jogar com Coentrão e Di Maria em simultâneo.
Aconteceu, e correu tão bem (6-1) que o português irreverente das Caxinas passou a ser a principal opção para aquele lado. Se é verdade que em jogos de maior gabarito era protegido no banco de suplentes (Braga, Liverpool, Dragão), na época seguinte Fábio assumiu-se como a principal figura encarnada, conclui época de enorme sucesso e reclama voos maiores que chegam pela mão de José Mourinho, rumo a Madrid. Ficaram 30 milhões de euros nos cofres, o valor da claúsula de rescisão. 
Coentrão é o maior exemplo do vasto leque de adaptações de Jorge Jesus, que brilhou nesse aspecto ao comando dos encarnados com outros dois nomes – Matic e Enzo – e que tentou replicar com outros – Melgarejo ou André Almeida – sem resultado qualitativo semelhante, embora tenham ajudado o clube em diversos momentos. Sabendo de antemão da grande tendência do técnico em procurar em casa o que precisa, há possibilidades várias para a próxima temporada que não podem ser vistas como más ideias, ainda que os tempos sejam outros e as condições disponibilizadas por Luis Filipe Vieira sejam diferentes para melhor, pelo menos na folga financeira com que são abordados os mercados de transferências.
Em 2014-15, foi Jesus quem pegou em Pizzi para suprir a ausência de Enzo Pérez, embarcado para Valência em Janeiro. Pegou no até aí extremo português e deslocou-o para zonas centrais – esse campeonato é terminado com ele á frente de Fejsa e no apoio a Jonas, com resultados incríveis no que à nota artística diz respeito.
A adaptação foi aceite pelo treinador seguinte, Rui Vitória, que tentou replicar as mesmas rotinas em diversas fases do seu reinado – em 2015-16, até chegar Renato Sanches em Dezembro, ou em 2016-17, com resultados satisfatórios a nível interno mas catastróficos a nível internacional. Viu-se em jogos dessa campanha de Champions, nomeadamente nos embates contra o Nápoles de Sarri e o Borussia de Tuchel que a fórmula Fejsa-Pizzi deixava o sérvio demasiado exposto, já que o português não tem a capacidade física que outros conseguem oferecer.
Daí talvez a opção de Rui Vitória pela transformação em 4-3-3 na época seguinte, fazendo acompanhar Pizzi de outro elemento na zona central para cobrir essas mesmas deficiências, equilibrando o onze e entregando outras liberdades aos alas. A opção foi certeira nesse sentido, a equipa recompôs-se e lutou com o FC Porto pelo campeonato até ao fatídico jogo de Herrera na Luz, mas não houve títulos para a validar.
Espera-se então que Jesus tenha essa mesma consciência: ele melhor que ninguém saberá dessa incapacidade defensiva do português e daí também os rumores de que Pizzi estará a ser pensado para zonas centrais sim, mas mais á frente no papel de 9,5 tão bem desenvolvido no sistema do técnico. Ele próprio o disse, no dia 8 do mês vigente, em entrevista à BTV, pode fazer essas duas posições [n.d.r.: actuar como extremo ou no corredor central], mas é um jogador de último passe. E os jogadores de último passe não jogam nas laterais: jogam nos corredores centrais. Vamos ver o que é melhor.»
No primeiro onze de 2020-21, Pizzi manteve-se à direita da linha média, por força da presença de Waldschmidt no apoio a Vinícius. O papel que lhe permitiu os melhores números da carreira não é uma impossibilidade, mas há fila para oportunidades nos corredores e os 31 anos de Luís Miguel já obrigam a outro tipo de gestão a nível físico.
O que sobressai à vista nos primeiros dois onzes de Jorge Jesus é a colocação de Franco Cervi á esquerda da linha defensiva, posição que encaixa nas características do argentino, a quem o espírito abnegado e disponibilidade física para os equilíbrios no flanco sempre colocaram na pole position para essa eventualidade.
Aconteceu esporadicamente e em situações de desespero, mas nunca como situação permanente muito por força da presença de Alex Grimaldo, com quem combina especialmente bem nas associações do último terço.
A perseverança e espírito de equipa do argentino obrigaram-no não raras vezes a um papel de equilíbrio táctico, situação que difere e muito das características com que chegou em 2016. Jorge Jesus poderá ver nele um protótipo de lateral aguerrido (tal e qual Coentrão), o que possibilitará oportunidades em barda na pré-época – fruto da lesão prolongada de Grimaldo – para se consolidar na lateral e ganhar novo fôlego nas escolhas da equipa, ele que já o ano passado esteve na porta da saída mas acabou por se manter.
Outra das situações mais expectáveis ao nível de nova abordagem nos terrenos pisados em campo será Diogo Gonçalves, ainda que a exemplar época no Famalicão obriguem a uma certa precaução. O extremo alentejano tem histórico de lateral direita – foi ocasionalmente utilizado aí por Rui Jorge nos sub-21 portugueses, num 4-4-2 losango – e as suas características poderão motivar a Jorge Jesus ensaios nesse sentido. A concorrência é forte, mas a renovação em Julho último poderá transmitir intenções de permanência no plantel: com que papel, saberemos mais à frente.
Quaisquer que sejam as opções do técnico português, só será possível discerni-las com o avançar do tempo e a continuidade de competição – a próxima semana é preenchida com embates frente ao Belenenses SAD (dia 25) e Farense (26), existindo jogo frente ao Braga de Carvalhal na 4.ª feira seguinte, dia 2 – e serão essas oportunidades competitivas que irão traduzir todas as ideias do staff técnico na procura dos melhores resultados."

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