"Ando mal humorado. Não acredito na regeneração do mundo na pós-pandemia e muito menos na reabilitação do futebol português. É uma pena, mas tenho bons motivos para tamanha descrença. Na humanidade e, em específico, nos nossos trágicos dirigentes desportivos.
Sobre o pobre planeta, enfim, as notícias não podiam ser piores. Enquanto for habitado por líderes políticos do quilate de Bolsonaro, Trump, Orban ou Boris Johnson, só podemos esperar e temer o pior. Gente que faz da desfaçatez, da intrujice e do egoísmo as linhas programáticas dos respectivos panfletos governamentais. É demasiado mau. Só de escrever estes quatro nomes sinto náuseas.
Se a sociedade global pouco ou nada aprendeu com os últimos três meses, o frágil microcosmos do nosso futebol muito menos. Num momento de extrema complexidade, onde se exigia uma acção concertada e um protocolo a envolver comunhão de esforços e decisões incontestáveis, apenas se identificam os sintomas de sempre: cada um a olhar por si e a gritar 'salve-se quem puder'.
Este egoísmo militante não é uma novidade. É uma prática corrente, uma característica inamovível na idiossincrasia da bola indígena. Mudam-se os nomes, mantêm-se as vontades. O 'grande' tudo quer, o 'pequeno' suplica pela migalha do barrigudo, a Liga sobrevive ao sabor de humores instáveis e sempre, sempre, enroscada num manto de impotência e incapacidade.
Neste hiato competitivo tudo correu mal. A inenarrável reunião dos três grandes e Proença com a DGS, FPF e o governo, a contestação ao mesmo Pedro Proença, a demissão do Benfica (e Cova da Piedade) da direcção do organismo, as falhas no laboratório responsável pelos testes de despiste aos futebolistas (entretanto desmentidas pela UNILABS), a reacção de alguns clubes contra a Altice. Tão mau, tão feio.
Já o escrevo há vários anos. Há duas situações que têm de ser corrigidas com urgência no nosso futebol. Digo só duas, para não me acusarem de achar que tudo está mal.
Primeiro: os clubes não têm nem maturidade nem equilíbrio para se regerem a si próprios. Por outras palavras, a direcção da Liga não pode ser constituída por membros que decidem em causa própria. Enquanto tivermos cinco emblemas da I Liga e três da II Liga a acompanhar o presidente, persistirá o protecionismo e a falta de fiscalização.
Convido-vos a passar os olhos pelo Regulamento Geral da Liga e a saltarem directamente para a página 18. É de levar as mãos à cabeça.
Segundo: os orçamentos anuais da esmagadora maioria dos clubes da I e II Ligas dependem sobretudo dos acordos efectuados com a operadora televisiva responsável pela transmissão de jogos. Enquanto estas negociações não forem centralizadas e a diferença de valores entre os maiores e os mais pequenos atenuada, a competitividade interna continuará a ser baixa e a contaminar a ambição nas provas da UEFA.
Por falar na UEFA, o organismo escrevia em Janeiro de 2019 que Portugal era «o pior país a distribuir as receitas televisivas». Um dado objectivo.
«Portugal é agora a única maior liga europeia em que os clubes vendem os seus direitos televisivos individualmente, o que se reflecte na enorme diferença entre os três principais clubes e os restantes. O rácio de um clube grande para clube médio é superior a 1.500 por cento em Portugal, comparado com uma média de 240 por cento nas 24 ligas com venda centralizada.»
Em ano e meio, a vergonha é precisamente a mesma, até porque há contratos em vigor. Contratos que reflectem o espírito vigente no nosso futebol: egoísmo, chico espertismo e uma disponibilidade assustadora para vencer no matter what, a qualquer preço. Não há uma visão de negócio, uma estratégia atraente para quem pondera associar a sua empresa a esta actividade. Zero.
Puxe uma cadeira e sente-se, caro leitor. Trago más notícias: a liga portuguesa é uma indústria com doença em fase terminal."
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