"Porque hoje faleceu tragicamente Kobe Bryant, a Tribuna Expresso republica um artigo de um jornalista português esteve lá quando ele se despediu dos campos de basquetebol, em 2016, com uma exibição memorável que o manteria vivo para sempre na história do desporto
Quando Kobe Bryant partiu para os minutos finais do jogo de despedida, a noite já era especial, mas o que se seguiu serviu quase como uma faixa escondida no final de um dos melhores álbuns de sempre.
E ouvi-la, ao vivo, sem perceber até onde iria ou quando acabaria a canção, é indescritível. É de levar as mãos à cabeça, olhar em volta e perceber que todos têm a mesma pergunta na mente: “Mas como é que isto é possível?” Na noite de 13 de Abril não fui jornalista, não fui adepto dos Celtics, não fui espectador. Fui testemunha. Misturado com tantos outros que tiveram a mesma sorte. Sim, porque para nós aquelas duas horas e meia foram uma questão de sorte.
Sorte de quê? De comprar os bilhetes em Outubro com o pressentimento de que seria o último jogo, de resistir ao azar de ficar sem o e-mail para onde seriam enviadas as entradas a 9 de Abril; e de ter passado por três idas às bilheteiras até resolver a coisa a menos de duas horas do arranque. Mas essa foi só a minha sorte particular. Depois houve a outra, aquela que teve a assinatura de um génio que quis garantir uma última noite de glória.
Digo-o sem hesitar: foi o melhor momento desportivo que já vivi. Supera finais da Liga dos Campeões (de Madrid e Lisboa), Mundial de basquetebol e muitos outros jogos de NBA, basebol, hóquei no gelo ou futebol americano. O que Kobe Bryant fez não foi normal. A lenda dos Lakers começou por ser humano, falhando lançamentos. Mas depois começaram a entrar. Cedo se percebeu que aquele não era mais um jogo dos Lakers com Kobe Bryant. Era ‘o’ jogo de Kobe Bryant. O jogo que o ajudaria a manter vivo depois da era Jordan.
Quando não estava em campo, perdia interesse. Poucos eram os que queriam saber e só mesmo a perspectiva de regressar ao court alimentava a esperança. Cedo os 10 pontos se transformaram em 20. E os 20 em 30. E os 30 em 40. Aí, já no último período, todos pensámos que ia aos 50. A partir dos 47, a 3’05” do final, tornou-se impossível ficar sentado. Era como se no fundo todos soubéssemos e sentíssemos que a história estava ao virar da esquina e ninguém a queria perder. Com uma diferença: estávamos muito enganados quando pensávamos que a marca redonda seriam os 50. Kobe, o humano genial, transformou-se em Kobe, o extraterrestre sobredotado.
Uma exibição deve ter altos e baixos mas Kobe afundou a lógica e aumentou o patamar de euforia incrédula a cada intervenção. Era Mamba, era Rei Midas, era Kobe, um adolescente da Pensilvânia com o sonho de ser o melhor Laker da história. E de cada vez que segurava a bola com as duas mãos a caminho do cesto, só me restava levar as minhas à cabeça, em estado de assoberbamento total.
Ainda é difícil perceber o que aconteceu. E acreditar que aconteceu. Kobe transformou uma noite que já era especial numa impossível de esquecer. Não voltou a falhar um lançamento e fechou a contagem com 60 pontos. Mas não foi só isso: sozinho deu mais uma vitória, pela última vez, aos Lakers. Sem pressão? Pelo contrário. O que acham que significa ir para a linha de lance livre a 15 segundos do fim com a possibilidade de chegar aos 60 pontos?
Ao contrário de mim e de todos os outros na bancada, Kobe não tremeu. Não podia tremer. Porque Kobe não é deste mundo, é de um outro, um especial. Nós só passamos por aqui, somos apenas testemunhas. Ele é eterno."
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