"Luta por aquilo que está certo e não por aquilo que pensas poder alcançar" é um dos princípios expressos por Vaclav Havel há muitos anos. Na verdade, foi Ursula von der Leyen quem se lembrou daquela citação, mas para o caso em apreço também serve. Aplica-se a tudo na vida. Ou devia aplicar-se.
Vem isto a propósito da tão falada necessidade de erradicar a violência dos palcos desportivos, com particular destaque para o futebol que, queira-se ou não, serve de modelo para praticamente tudo o resto. Ora, na actual situação, é um péssimo modelo. Parece ter-se metido num labirinto dentro do qual anda desesperadamente à procura de uma saída.
Depois de mais umas tochas para os relvados, lá voltou a conversa que se arrasta há anos, sendo que, nos mais recentes, com maior insistência. É natural, porque a paciência tem limites. Já era pouca, agora é nenhuma.
Eduardo Cabrita dá uma entrevista à TSF e DN para sublinhar que o problema é dos clubes, porque o Governo já fez a sua parte. Equívoco: ao Estado compete legislar, claro, mas também fazer cumprir a lei, até porque é o único com meios para tal. E incumbência, já agora. Portanto, não pode ficar a meio do caminho e terá de impedir - de facto - a invasão pirotécnica dos estádios.
Já os clubes, pela voz de Pedro Proença (que voltou a ver tochas a voar na recente final da Taça da Liga), sustentam que a responsabilidade pelo combate à violência é de quem zela pela ordem pública, o Governo. Em síntese, estamos assim. Azar nosso, porque este "não-sou-eu-que-tenho-de-resolver-isto" não augura nada de tranquilo.
No entretanto, o presidente da Liga teve uma reunião urgente com a Administração Interna e a secretaria do Desporto, com direito a prolongamento daqui a um mês. Não se esperava nada de muito transcendente e nada de muito transcendente aconteceu.
Fica, no entanto, a instauração de uma auditoria de segurança aos estádios para introduzir todas as alterações necessárias nos recintos de forma a permitir a realização de jogos na próxima época. Aguardemos para conferir o que, em rigor, isto significa. Juntamente com a avaliação de todos os sistemas de CCTV dos estádios (será que finalmente esta ferramenta começa a dar resultados?).
Mas é para a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto que convergem todos os olhares. Contudo, apresentar um saldo de 60 adeptos com interdição de entrada nos estádios só dá para um sorriso amarelo, quando aquilo que as últimas semanas nos mostraram é que muitas mais dezenas de "banning orders" deviam estar em execução. Ainda assim, reconhecendo que a missão até pode ser espinhosa, está cada vez mais clara a ideia de que se não for desta, provavelmente, nunca mais será.
Se o Governo tem bastante mais para fazer do que aquilo que se viu até agora, o mesmo se poderá dizer em relação aos clubes. Quando Proença garante que a autorregulação está a funcionar ao impor sanções aos membros da Liga, pode concluir-se que as multas do costume são perfeitamente satisfatórias? E que sempre que as punições vão para lá das multas, o facto da resolução se arrastar de recurso em recurso, até sabe-se lá quando, não é propriamente um problema?
A questão é que fica sempre a sensação (ou mais do que isso) de que os clubes colocam os seus interesses individuais acima dos da competição, em vez de colocarem primeiro os interesses da competição como forma de defender os seus. Há quem entenda que uma e outra coisa vão dar ao mesmo, mas é óbvio que não. Basta olhar para a Premier League ou para La Liga para perceber as diferenças.
No fundo, sem uma convergência de esforços de todos os envolvidos nesta "guerra", como diz o presidente da Liga, dificilmente acabará este fantasma que nos assombra todas as semanas. Já mostrámos no Euro2004 e, há poucos meses, na Liga das Nações que somos suficientemente bons a travar a violência em competições de curta duração. Só falta a capacidade para aplicar a receita ao ano inteiro. Trata-se mesmo de fazer o que é justo (para todos) e não apenas aquilo que se pensa poder alcançar (para alguns)."
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