sábado, 21 de dezembro de 2019

O Var aberto é bom mas é perigoso

"O videoárbitro é um bem para a verdade desportiva mas é muito perigoso para os maus árbitros e para os comentadores submissos

O VAR veio trazer um instrumento muito importante para a defesa da verdade desportiva. Porque cria condições para eliminar parte muito significativa do erro humano e porque permite a todos os espectadores televisivos dos jogos com videoárbitro acompanharem com melhor conhecimento de causa as decisões de arbitragem.
Tem, porém, um problema pouco recomendável a todos aqueles que, na arbitragem, defendem o princípio corporativo de que o árbitro tem sempre razão. O VAR oferece a oportunidade óbvia de aproximar o simples adepto do especialista das leis de jogo. Mais: dá, ao adepto, razões efectivas para poder interpretar com malícia, ironia, teorias de conspiração, dúvidas de carácter ou benevolente tolerância humana, aquilo que são os erros inexplicáveis, que todos veem, ou estariam obrigados a ver.
Aberto o VAR, e passado tempo suficiente para se formar uma opinião mais sólida sobre o assunto, poder-se-á dizer que a videovigilância dos lances de futebol é uma boa garantia de corrigir erros, confirmar boas decisões ou, e essa é parte mais perigosa, expor, mais do que o erro, a notória incompetência do árbitro ou do videoárbitro que, em casos limite, que já não são poucos, acaba por provar uma incapacidade total, de alguns, para a função.
Também é verdade que obriga a que os comentadores televisivos deixem a sua habitual zona de conforto. Falamos, em especial, daqueles que têm por tarefa, que não é nada fácil, acompanhar os jogos em directo e ter uma opinião, na hora, sobre os lances. Há, com óbvias e elogiosas excepções, uma tendência para a desculpabilização do árbitro, sobretudo, quando o erro favorece as equipas mais fortes, mais poderosas, com maior número de adeptos e, por isso, com mais utentes televisivos. O esconderijo da falsa subjectividade da apreciação de um lance que é de uma evidência absoluta, o refúgio no conceito de que é tudo uma questão de interpretação, de muita ou pouca intensidade da acção de prevaricador, de que todas as coisas podem ser pretas, torna-se, por vezes, um padrão de análise que segue uma cartilha mais virada para os interesses do detentor dos direitos televisivos, do que do espectador, o que oferece uma inquietante ideia de que nem todos os comentadores se sentem suficientemente livres para fugirem ao lugar comum e às regras preestabelecidas de um comportamento domesticado e submisso.
A última e não menos importante questão que o VAR coloca, é a de que se trata de um instrumento que favorece o adepto infractor, ou seja, o adepto que não vai ao estádio e que, refastelado no sofá, a beber uma cervejinha e a comer pipocas, ainda tem o privilégio de ver a repetição das lances, à medida que o videoárbitro julga, enquanto que o espectador, no estádio, apenas pode lamentar aquele incómodo do tempo de espera para saber se deve voltar a pular de alegria por um golo validado, ou achar se deve voltar a pular de alegria por um golo validado, ou achar um desperdício as emoções de alegria que, afinal, tinham sido despropositadas, o que deixa qualquer pessoa com um sentimento de tofó sem redenção.
O que eu defenso é que, mais tarde ou mais cedo, o espectador, no estádio, não pode deixar de acompanhar, nos écrans gigantes, os lances em análise e, inclusivamente, ter acesso a uma posterior explicação, curta e concisa, da decisão final, tal como já sucede em desportos mais organizados e mais preparados para os tempos modernos. Bem sei que me dizem que o futebol gera emoções demasiado fortes para ser tão transparente. Não me parece aceitável. A capacidade de adaptação humana, ao novo, é quase infinita.
(...)"

Vítor Serpa, in A Bola

Ozil e a China

"O inglês Stephen Leacock, que morreu a meio do século XX, foi um homem espirituoso, e não apenas por ser descendente dos Leacock que enriqueceram com o vinho da Madeira. Era um professor de coisas profundas, como a economia, porém escrevia e ensinava com humor - há até um prémio humorístico em nome dele. Leacock tem uma frase fantástica: «A razão pela qual esta disciplina que ensino se chama Economia Política é porque nada tem a ver com economia e nada tem a ver com política».
Ora então: Ozil, alemão de ascendência turca, muçulmano, queixou-se, a título pessoal, numa conta social e fora da esfera do Arsenal, o clube que representa, do que considera ser perseguição feita pela China a uma minoria étnica de origem muçulmana. Retaliando, a televisão estatal chinesa logo removeu da grelha e jogo entre Arsenal e Man. City, mesmo depois de o Arsenal se ter distanciado da posição do jogador. Há uns meses, houve caso parecido com os Rockets, quando um dirigente daquela equipa da NBA criticou a repressão das manifestações em Hong Kong, tendo sido cancelados contratos, transmissões e patrocínios a uma escala inusitada.

A dimensão do mercado chinês engoliu as elites do futebol e do basquetebol, que têm na China mercados maiores do que os dos próprios países. Isto leva, pois, a temores de represálias que podem ser limitadores das liberdades de expressão dos atletas, dirigentes, clubes. Mas a tendência não pode ser transformar celebridades com impressionante raio de alcance, como Ozil, que tem 50 milhões de seguidores online, em figurinhas apoliticas. È, eu sei, a velha dança entre economia e política, em todo o caso agora a uma escala que mete despudoradamente o desporto pelo meio. É um território desconhecido, de novos limites morais. Rebuscando Leacock, o que parece ser a global Economia do Desporto é algo que parece nada ter a ver com economia e nada ter a ver com desporto."


Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

Dúvidas. Campeão. Repete

"Estamos a chegar ao fim de mais um ano e ao Benfica apenas falta realizar um encontro para a Taça da Liga, que já é quase uma obrigação de calendário, tendo em conta que dificilmente tem hipóteses de apuramento. E o que fica de 2019 para o maior clube Português? A verdade é que começou da pior forma possível, com aquela aterradora derrota em Portimão, onde todos os pesadelos se instalaram no clube. Eram os dois auto-golos, eram os lenços brancos, era a "luz" do Presidente a revelar-se um flop, era a demissão anunciada mas incrivelmente tardia de um treinador. O clube ficava a 7 pontos da liderança e parecia caminhar para a 2ª época triste, depois do desapontamento que foi 17/18.
Mas depois, quase que como por milagre, a águia renasceu, como "Félix". Ao ponto de ter ganho todos os jogos fora para o campeonato desde essa derrota a 2 de Janeiro. Incrível! É aliás, algo que se tem repetido nos últimos anos. As temporadas do Benfica estão a começar a ter um molde que se repete: pré-época cheia de dúvidas, mas quando se espera que o clube arranque os jogos oficiais com o pé esquerdo, é o pé direito que se chega à frente. Mas depois vêem as derrotas europeias, os primeiros pontos perdidos no campeonato e às vezes eliminação das taças e com isso uma enchurrada de críticas. Que o plantel tem falhas, que se aposta demasiado no Seixal, que o clube nunca mais consegue ter estofo europeu. Mas depois o treinador acerta num onze, fixa-se nele e a equipa começa aos poucos a embalar até uma 2ª volta quase sempre a voar, o tal "Ferrari" como dizia Jorge Jesus. Nos últimos anos só a malfadada 17/18 não acabou em título (e mesmo essa não esteve tão longe quanto isso, imagine-se que Herrera chutava para canto em vez de para a baliza do Varela).
E se é verdade que o Benfica este ano não vai melhorar nada do que fez nos últimos anos (nomeadamente dar o salto europeu e disparar em relação a um FC Porto intervencionado pela UEFA), parece agora bem lançado para repetir o bom que tem feito nos outros anos. Isto é, ser campeão. E ser campeão é felicidade, é alegria, é plenitude.
Poder-se-á dizer que é pouco para o Benfica. Ainda recentemente surgiu mais uma sondagem que confirma que o clube tem sensivelmente o dobro dos adeptos de FC Porto e Sporting. Como é que um clube com tamanha diferença de receitas (e se não tem, devia ter) não está disparado em relação aos rivais? Os 3 grandes em Portugal não estão em linha paralela, há um à frente e dois atrás. A liderança do futebol Português tem a forma geométrica de um triângulo. Mas pode-se ter alguma memória e entender tudo o que o clube passou nos anos 90 e início de 2000, dando alguma cobertura à estafada conversa das "pedras da calçada" de Luís Filipe Vieira. Não é a desculpa perfeita que ele sempre procura, mas justifica ainda algo. Nomeadamente não chegarmos ao cúmulo de acharmos que ser campeão já não é suficiente para sermos felizes. Até no tempo do Eusébio se ficava satisfeito com isso, certamente. Independentemente da exigência de querer mais. Nas Taças e na Europa.
Nota final para as referidas Taças: Depois de 7 conquistas em 9 anos já vamos lançados para o 4º ano seguido sem vencer a Taça da Liga. Não pode ser. O chavão "o Benfica entra para ganhar em todas as competições" não pode ser só isso, um chavão. Estamos a oferecer uma taça ao FC Porto ou ao Sporting, muito provavelmente. Eles festejarão e nós veremos pela tv. E quanto à Taça de Portugal, está aí o péssimo pecúlio dos últimos 20 anos: apenas 3 conquistas. É demasiado pouco para o clube recordista. Esperemos que este ano cheguemos até ao Jamor e conquistemos a prova Rainha. Para casá-la à prova Rei. O "Red Wedding" em que todos vivem felizes para sempre (ou antes, até ao recomeço do molde das últimas temporadas: "pré-época cheia de dúvidas, mas quando se espera que o clube arranque os jogos oficiais com o pé esquerdo...")"

A coragem de Frederico Varandas

"O mundo do futebol vive noutra galáxia, com os papagaios de serviço dos clubes a venderem a “sua” verdade nas televisões, procurando esconder os escândalos.

O Sporting continua a viver momentos dramáticos e é preciso tirar o chapéu ao seu presidente, que não tem tido medo de enfrentar os arruaceiros que são capazes de se vangloriar do que aconteceu em Alcochete. Nada de novo no mundo do futebol, onde alguns adeptos do Benfica, sempre que o clube joga contra os leões, continuam a fazer o barulho de um very light, o artefacto que matou um adepto leonino numa final da Taça de Portugal.
E o que dizer da falta de coragem para se apurar o que aconteceu nos corredores do Jamor, onde Sérgio Conceição, treinador do FC Porto, é acusado de ter agredido o seu colega adversário? O que dizer de um treinador, do Belenenses, que não confirmou nem desmentiu essa agressão, tudo em nome das supostas ordens do seu presidente? Digamos que o mundo do futebol vive noutra galáxia, com os papagaios de serviço dos clubes a venderem a “sua” verdade nas televisões, procurando esconder os escândalos.
A falta de respeito nos campos portugueses é a norma e poucos têm a coragem para fazer alguma coisa para acabar com a violência fora das quatro linhas. Afinal, os principais clubes portugueses estão um pouco nas mãos das suas claques.
Quanto a Frederico Varandas, que tem acabado com muitas das mordomias das claques, precisa de ir mais longe e não disponibilizar bilhetes a granel. Obrigue cada um desses sócios a ir buscar o seu bilhete e logo verá que muita da contestação desaparece. É que, ao que se diz, por causa de meia dúzia de arruaceiros sofrem todos os outros adeptos.
Se o futebol português continuar neste caminho, nunca mais chegará à primeira divisão da Europa. Temos algum jeito para a segunda liga – há quatro equipas ainda na Liga Europa –, mas o caos que se vive entre portas nunca permitirá sonhar mais alto. Ponham ordem no futebol e vão ver que muito mais pessoas irão aos estádios, contribuindo dessa forma para o enriquecimento das equipas."

Carta ao Pai Natal dos meninos Bruno, Sérgio e Silas

"Bruno Miguel Lage
Estádio da Luz
Av. Eusébio da Silva Ferreira
1500-313 Lisboa

Querido Pai Natal,
Em 2019 fui um bom menino e até ganhei um campeonato, vê lá bem. Portei-me tão bem, mas tão bem, que entrei no quadro de honra. Por isso, se não te importares, gostava muito que Jesus ficasse no Brasil.
Sabes, Pai Natal, eles lá são muito católicos, especialmente durante o mercado de transferências, e a mim ajuda-me a dormir. Ontem foram duas valerianas e um xanax, e mesmo assim não preguei olho a pensar nele. Estou um caco.
Mas o que queria mesmo no sapatinho eram bilhetes para o Festival Panda. E nem é tanto para mim, é mais para os meus meninos, que fazem imensas birras nos jogos da Champions. Não estão habituados a deitar-se tão tarde, coitadinhos.
Quem também faz imensas birras é o Jorge Mendes, quando ponho a jogar outros meninos que não os dele. Se puderes dar-lhe mais um ou dois clubes para ele se entreter, agradecia imenso.
Já agora e se não for pedir muito, orienta-me aí um curso de Muay Thai para o presidente. Aquelas assembleias gerais estão cada vez mais duras e o pobrezinho é obrigado a ir às trombas dos malandros que o agridem verbalmente. Esta malta jovem não respeita ninguém, pá!
Por falar em presidente, também podes dar-lhe o Benfica europeu que ele tanto deseja? Eu não tenho conseguido e já não o posso ouvir mais com essa lenga-lenga. Está velhinho, coitado.
Um abraço deste teu amigo Bruno,
Um Natal glorioso para ti, Ho Ho Ho!

PS. Se por acaso tiveres por aí perdido algum João Félix, eu não me importo de ficar com ele. Tenho um RDT para a troca. É um rapaz muito sossegado. Se o puseres em frente a uma baliza, por exemplo, ele não dá trabalho nenhum.

Sérgio Paulo Conceição
Estádio do Dragão
Via Futebol Clube do Porto
4350-415 Porto

Ouve lá, ó Pai Natal,
Ficas já a saber que não vou à bola contigo, e com esse fatinho vermelho até me dás a volta ao estômago. Devias ser isento a dar presentes, e infelizmente não és. Aposto que o Bruninho Lage recebe tudo o que pede, e eu nem um lateral direito de jeito recebi até hoje.
Para te redimires, sugiro que me dês um Aboubakar em ferro galvanizado, que esta versão de vidro não está a funcionar.
Outra coisa que desejava: saber como se faz para gostar de pessoas. Tipo relacionar-me com outros seres humanos sem lhes querer ir aos focinhos. Isso será mesmo possível ou é apenas um mito urbano?
Eu, por exemplo, não consigo falar com jornalistas ou com o Francisco J. Marques sem querer arrancar-lhes os olhos, ou olhar para o Uribe sem querer cortar-lhe a cabeça.
Por falar no Uribe, tenho um pedido muito especial a fazer-te: será que dava para ele se separar da mulher e ela ficar solteira? Não é para mim, é para um amigo.
Este próximo pedido faz todo o sentido e já vais perceber porquê. Visto esta ser uma das equipas do Porto menos pornográficas dos últimos anos, gostaria muito de receber uma subscrição do Sexy Hot, a filmografia completa da Mia Khalifa, e o clássico «Anita vai ao quartel dos bombeiros». Não é para mim, é para a minha equipa.
Por fim, gostava que me repusesses o stock de gel para o cabelo, e as baterias do Pepe. Ele já não agride ninguém há mais de um ano e estou a ficar preocupado. Já agora, dá para tirares aquele sorriso da cara do Nakajima? Irrita-me.
E pronto, ó Pai Nataleco de meia-tigela, era isto que queria. Se quiseres dar, óptimo, se não quiseres, tou-me a cagar!
Porta-te,

Jorge Manuel Silas
Estádio de Alvalade
Rua Professor Fernando da Fonseca
1501-806 Lisboa

Olá Pai Natal,
Eu sou um rapaz simples e por isso os meus pedidos não são complicados. Acima de tudo, este Natal eu queria uma equipa de futebol. Achas que é possível? Prometeram dar-me uma e até agora nada.
E nem têm que ser grandes craques. Já ficava satisfeito com dois laterais a sério, um central que não fizesse autogolos ou um ponta-de-lança que marcass... um ponta-de-lança, vá, para quê complicar as coisas?
Se preferires, e para te simplificar o serviço, põe-me mais dez Brunos Fernandes no pinheirinho e fica a coisa resolvida.
Ah, quase que me esquecia! Se ainda estiver dentro das tuas possibilidades, também adorava ter um director desportivo. Parece que é caro e aqui já não sobrou dinheiro depois de pagar o Rosier.
Outro grande favor que me fazias: se puderes, pões o Jesé mudo? Já nos custa ter que ouvir os assobios das bancadas, ainda temos que levar com o rei do regaetton no balneário? Mal por mal, prefiro os assobios.
Finalmente, o meu último pedido é tanto pessoal como profissional: um transplante capilar. Pessoalmente, já tenho mais entradas do que a nossa defesa quando joga o Ilori. Profissionalmente, os treinadores carecas não duram muito tempo aqui em Alvalade. O último treinador que ficou cá mais épocas tinha risco ao meio e tranquilidade. E eu não tenho nem uma coisa nem outra.
Já agora, por acaso não tens aí algum curso de treinador completo, não? Era só curiosidade.
Boas festas e saudações leoninas."

O Desporto e o Nacionalismo

"O regime nazi (1933-1945) utilizou uma estratégia para colocar em evidência a força da raça ariana e da Alemanha. As bandeiras nazis, hasteadas, esconderam a bandeira olímpica das seis cores. Adolf Hitler, no seu “Mein Kampf”, pretendia que os corpos treinados para a Pátria se tornassem a ponta de lança das forças armadas. A organização dos Jogos Olímpicos de Verão, em Berlim, em 1936, projectou a luz sobre o regime hitleriano. Os nazis aproveitaram para mostrar a força da sua ideologia, através de uma propaganda bem organizada, com o palco internacional aberto à sua comunicação. O filme de Leni Riefenstahl, “Os Deuses do Estádio”, realizado a pedido de Joseph Goebbels, testemunha a propaganda. Apesar das preocupações tomadas nas sucessivas Cartas Olímpicas, para precisar que “os jogos olímpicos são competições entre indivíduos e equipas e não entre países” (Carta Olímpica, 2016, p. 22), o que é um fato é que as manifestações nacionalistas não deixaram de se reforçar. “A nacionalização dos rituais, como o transporte da chama olímpica, a utilização permanente das bandeiras e dos hinos nacionais, a entrega das medalhas e dos finalistas, como a desqualificação dos atletas, lealmente vencedores no terreno, mas culpados das ofensas sobre os seus países, provam a omnipresença do espírito nacionalista que preside no desenrolar dos JO modernos” (Derlon, 2008, p. 187). De fato, o desporto pode ser considerado uma ideologia, uma visão global, totalizante, do homem e do mundo, ao mesmo título que o comunismo, o fascismo, o liberalismo, as religiões. É preciso ter consciência de que o desporto pode produzir os melhores e os piores efeitos, representando um meio de cultura. Não raras vezes se deixa devorar pela paixão dos homens e das mulheres, desejando ser o modelo."

Gareth Thomas, Râguebi e Futebol

"Espero que os aficcionados do râguebi que me lerem me desculpem. Vivo em guerra com o meu teclado profissional que teima em ajustar as palavras, em especial aquelas que de algum modo têm alguma semelhança entre si, e, em vez de ficar a palavra teclada, no texto fica uma adaptação electrónica obtusa. Em vez de relativo fica quase sempre relative, por vezes insiste em escrever inglês ainda que nem inglês se possa chamar pois entram todo o tipo de sinais, mesmo o #, em vez de Gareth Thomas ou de Jonny Wilkinson (esqueci Brian O’Driscoll, o irlandês extraordinário!) ficou algo que não corresponde ao nome dos melhores jogadores britânicos de râguebi de todos os tempos. O interesse em enviar o artigo antes do fim de semana fez o resto. E daqui em diante o tema deste novo texto começou a esboçar-se. Essa distância imensa entre dois tipos de desportos com uma conhecida raíz em comum (o futebol) e a forma como o seu desenvolvimento em si e a sua relação tanto com o público quanto com a sociedade é tão diferente. O râguebi, cujos adeptos decidiram – entre outras alterações – optar por conservar as características mais duras e consideradas mais viris do jogo, entre as quais a canelada fazia parte das tacadas do jogo inicial, e os outros que optavam pela valorização do jogo sem caneladas e com a dinâmica de um jogo mais civilizado Até meados do século dezanove, estes jogos de bola conhecidos por futebol, e outros do género, eram considerados selvagens. Em meados desse século, entre as décadas de 40 e 60, em grande parte nas escolas públicas inglesas (na verdade frequentadas pelos filhos da aristocracia, desde o século dezasseis, e da alta burguesia da terra mais tarde, um outro fenómeno inglês) o jogo foi sendo submetido a um conjunto de transformações que conduziram à formação da Associação de Futebol em 1863, momento em que uns defenderam um tipo de jogo – o football association ou simplesmente football e outros o rugby football ou simplesmente football. A Rugby Football Union foi criada oficialmente em 1871.
Interessante é o facto de, pouco depois da separação, os grupos que haviam defendido a conservação da canelada também a terem banido. Não deixa também de ser intrigante o facto do jogo de futebol ter conquistado multidões de adeptos em Inglaterra e no mundo inteiro. Quanto a isso, os estudos de Elias e Dunning, indicam que terá sido a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre diferentes aspectos do jogo que favorecem um equilíbrio entre a tensão e o domínio dessa mesma tensão que se revela indispensável à conservação do interesse, à paixão desencadeada pelo jogo de futebol ainda que outros jogos colectivos tenham seguido uma orientação equivalente. Na lógica da teoria desenvolvida do processo de civilização em que o desporto moderno participa e constitui um meio fundamental na transformação das relações entre os indivíduos entre si, esse aspecto não deixa de ter interesse. Nessa mesma linha o râguebi participa do processo em causa. Mas a proposta e a explicação com base na teoria das configurações, sendo valiosa para entendermos o desenvolvimento da sociedade, deixa campo aberto para outras explorações dos factos. Porque na verdade não nos explica, tal como reconhecem os próprios, porque razão alguns desportos são rapidamente integrados noutras sociedades (em Portugal após a I Grande Guerra, a partir da década de 20, o futebol destacou-se como o desporto de longe mais popular) e outros não (por exemplo ainda no nosso país, o cricket), e porque razão o futebol se tornou um desporto de massas, apesar do interesse e dos seguidores de outros desportos – tanto em Inglaterra quanto no resto da Europa e no mundo ocidental em geral. O interesse pela história do desporto (e os desportos em si) enquanto fenómeno social, desperta de forma mais ou menos sistematizada nos anos 60 do século passado com Peter McIntosh. A sua integração nos planos de estudo universitários vinte anos depois coincide com a escalada do favorecimento deliberado das disciplinas ditas duras, as quais se tornaram verdadeiras ditaduras, que impõem nas academias – com honrosas excepções – não só um isolamento da disciplina de História do Desporto, a falta de um indispensável apoio aos financiamentos, a desvalorização das ciências sociais e humanas que procuram lidar com esses estudos e a total impossibilidade de integração de novos investigadores. O processo de Bolonha mais não fez do que agravar a situação com a redução dos anos das licenciaturas e, com ela, a selecção das ditas áreas duras, que estudam e se orientam particularmente para as características do corpo biológico, a rentabilização das técnicas e do comportamento motor, exigidas pela elevada performance do desporto profissional de alta competição, bastante mais rentoso a todos os níveis. Sendo assim, a maturidade desta área, no âmbito das ciências sociais e humanas, quer na Europa quer nos próprios USA, está longe de ser alcançada. Daí que sejam necessárias décadas, e bastante mais estudos, para que se possa ver com maior nitidez as implicações profundas que se ligam às diferenças de popularidade verificadas entre um desporto como o futebol e o râguebi. Na Austrália e na Nova Zelândia as diferenças de popularidade existem porém, pelo contrário, com a larga da vantagem do râguebi sobre o futebol. E na Ásia, o interesse pelo futebol não deixa de crescer.
Em todo o caso, essa situação não nos impede, antes nos impele, a pensar sobre estas questões em especial quando entre nós o futebol conhece uma atenção do fôro obsessivo, logo excessivo. Desde os inícios do século vinte, áreas urbanas e industriais onde uma população de operários convergia (por exemplo na zona fabril de Alcântara, em Lisboa) o associativismo dos trabalhadores rapidamente assumia um cunho recreativo, cultural e desportivo onde o futebol se destacava. Em Inglaterra o fenómeno teve início bastante mais cedo. Mas nem mesmo aí, nas principais cidades, nas diferentes regiões, o futebol e o râguebi não grangearam da mesma atenção, variando também aí consoante aspectos culturais e sociais particulares – por exemplo, no País de Gales o râguebi seria adoptado com determinação por uma população operária para ali atraída pelo trabalho nas minas, enquanto na Escócia, pelo contrário, era reforçado o amadorismo, restrito portanto às elites das escolas públicas de Edimburgo, e desencorajando a participação dos trabalhadores manuais com a imposição acentuada de rígidos códigos de actuação no jogo dos quais o operariado permanecia afastado – a separação de classes que as maneiras de jogar da aristocracia e da alta burguesia que cada vez mais se assemelhava e estava empenhada em confundir-se – pela forma rude e sem ‘esses’ códigos como jogava, como desde sempre jogara. Ainda hoje em dia, a preparação anterior dos jogadores de râguebi é diferente o que representa outra distinção entre um desporto e outro: Jonny Wilkinson, por exemplo, considerado o melhor jogador de todos os tempos, obteve as mais elevadas médias em biologia, química e francês ainda que, depois de ter sido admitido na Universidade de Durham acabou por abandonar a Universidade para se dedicar profissionalmente ao râguebi. Recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela University of Surrey. E o irlandês O’Driscoll é licenciado em Gestão do Desporto, pela University Collegue of Dublin. Pela sua parte, recebeu o Doutoramento Honoris Causa pela Dublin City University (2013), pela Queen’s University of Belfast (2014), e pelo Trinity Collegue of Dublin (2017). O desenvolvimento do desporto não poderia deixar de ser afectado pelas características locais, relações e transformações sociais.
No entanto, o próprio jogo em si poderá ter sido construído sobre bases que, a par dos exigentes códigos de conduta adoptados, se afastaram bastante entre si: no râguebi, de aparência mais violenta do que pode realmente ser, o jogo assenta em grande parte no contacto físico directo, exige uma enorme contenção – de outro modo facilmente poderia descambar para uma verdadeira batalha campal – um elevado auto-controlo e, dado um contacto físico de grande intensidade, quer nas formações espontâneas quer nas formações ordenadas, tanto quanto na corrida e placagens, o respeito pelo adversário impõe-se. Sem este, os ténues limites entre o jogo e a guerra desapareceriam e a luta facilmente seria mortal. Os confrontos são frontais, leais. O desenvolvimento do jogo requer um exigente código de conduta que se observa, por exemplo, no respeito pelo árbitro, numa maior decência na própria brutalidade viril na forma como se joga e vísivel no estado em que ficam os jogadores – verdadeiros blocos de betão, de grande estatura, pescoços tremendos e ombros largos e possantes, cabeças ligadas, orelhas rasgadas ou protegidas (todas deformadas) por um pequeno capacete de râguebi ou mesmo adesivo, sobrancelhas abertas, mãos protegidas por luvas ou ligaduras, protectores de dentes, troncos e coxas de músculos maciços identificados por equipamentos de pano grosso e resistente com as cores dos clubes em jogo que representam. O jogo joga-se literalmente com o corpo todo, com a determinação de enfrentar o adversário sem receio, de se atirar na sua direcção e seja o que Deus quiser. Faz parte do jogo o confronto directo, o impacto dos corpos, as fugas apenas se admitem com a bola, em ziguezague, bola sempre lançada no sentido oposto ao da corrida, quer dizer, para trás, e a corrida no sentido da linha de fundo, dos postes adversários sempre que possível, embora dificilmente se chegue ao outro lado sem se ser atirado para o chão, diga-se: sem cerimónias. Outras vezes, na fuga é o jogador que se esforça por marcar que mergulha compacto no chão e em deslize consegue marcar ainda que com três, quatro, cinco ou mais latagões a perseguirem-no e a acabarem em cima do fugitivo, para não falar nos elementos da equipa atacante que, em apoio limite do fugitivo, às vezes a centímetros da linha de marcação, se atiram para cima da molhada e procuram arrancar os adversários do molhe sem infringir as regras. Admita-se: não é fácil e requer características que os jogadores e os jogos de futebol não têm, não permitem. É aí que é indispensável o video-árbitro, a bola fica totalmente oculta sob os corpos sobrepostos, nada se consegue ver – magnífica jogada, extraordinária finalização. Wolves, Harlequins, Warriors, Lions, Barbarians, sejam lá quem forem, no final do jogo a atmosfera é pacífica e exaustos retiram-se sem pressa, mais pesados do que entraram embora tivessem acabado de perder uns quilos. No futebol, assiste-se precisamente ao contrário. O contacto é evitado e, na maior parte das vezes, punido. Apenas a bola estabelece a ligação entre os jogadores, entre os adversários. O que requer maior agilidade, uma atenção periférica quase eléctrica, o jogo assenta na habilidade e na manha, na capacidade de melhor ultrapassar, antecipar-se e, acima de tudo, ludibriar o adversário, uma condição de qualquer confronto mas aqui mais acentuada em todas as jogadas possíveis. As faltas são, com maior frequência, provocadas e simuladas onde nem o video-árbitro – que esclarece qualquer dúvida no râguebi e adoptado bastante antes de o ter sido no futebol – esclarece seja o que for, antes agrava as dúvidas e as deliberações tomadas pelos árbitros – quase sempre contestados e uma das actividades mais sujeitas a abuso no desporto e na esfera profissional em geral. O jogo jogado com os pés e a cabeça, por vezes com o peito, as coxas e até com as costas, é segmentado, o fulcro está nas pernas e nos pés, jogar um jogo limpo é possível, isto é, um jogo frontal, decente, mas onde denunciar as jogadas é logo uma desvantagem e beneficia o adversário. Por outro lado, mesmo quando o jogo deixou de apoiar-se no drible e nas vedetas individuais e se joga como um todo, progressão em equipa, bem entrosada, bem oleada, o jogo vive do espectáculo das habilidades, das capacidades individuais, da investidas treinadas ou espontâneas que surpreendem sempre adversários e público que espera, com avidez, o momento de se extasiar com a jogada conseguida, com o mais inesperado. 
Naturalmente, ambos provêm da mesma raíz, ambos partilham de aspectos comuns no âmbito da própria atitude lúdica dominante: a competição, o agôn. Porém, enquanto o râguebi foi muralhado com um conjunto bem delimitado de normas de conduta, no futebol as regras apresentam-se menos marcadas, as linhas de conduta são de certo modo mais fluídas, há mais espaço para fazer de conta que se cumprem ou que, típico, simulem a intervenção determinada do adversário em obter a bola ou derrubar em falta, mesmo que assim não tivesse sido. A acção do árbitro e dos juízes de linha em geral contestada entre nós, é assertiva em Inglaterra se recorre à manha nas jogadas me as decisões dos árbitros e dos juízes de linha, embora contestada mais recentemente pelos treinadores latinos, são mais acatadas mesmo que, por vezes possam ser injustas. A aceleração e a complexidade crescente do jogo, da tensão do jogo imposta pela necessidade de vencer os jogos, de marcar pontos, tenha vindo a tornar a intervenção dos árbitros cada vez mais complexa e difícil. Mas dentro das exigências limpas do jogo, sem contaminações externas, a própria decisão do árbitro faz parte do jogo – seja ou não correcta. O humano não é infalível. Desde que lícita, a decisão do árbitro enquanto elemento integrante do jogo, faz parte do jogo.
Dadas as diferentes características dos dois jogos, râguebi e futebol, o futebol profissional tende a atrair um tipo de público agressivo e violento, ordinário, onde as massas assentaram arraiais, facilmente provocam o desmoronamento dos princípios socialmente aceites, imperiosos na consciência de cada um quanto à importância vital para a sobrevivência de todos, a necessidade sentida do seu cumprimento, do respeito pelas normas que são indispensáveis à vida em comum. Não se trata apenas da concentração da multidão embora esta seja já uma condição propícia ao desenvolvimento de comportamentos inaceitáveis e criminosos. Ao contrário do que se observa nos jogos de râguebi, onde na generalidade as famílias inteiras vão assistir tranquilamente aos jogos, pai, mãe e filhos, alguns ainda de colo, participam aos sábados com serenidade, no nervoso e agitado público do futebol essa presença seria uma insensatez, um risco. Ao evitarem (como se vê) essa participação, as famílias protegem-se. Outros entretanto, parte integrante das massas, constituem a escória da sociedade e servem-se desse cenário do futebol que sendo mais propício à violência (cada vez mais sancionada – o que reforça esta ideia) para descarregarem as suas frustrações sociais de todo o tipo, nefastos, excluídos de uma vida normal também pela sua natureza de escumalha, encontram no futebol um recinto onde se alojam e encontram a oportunidade de expulsar o que não sabem nem conseguem digerir pois, na realidade, não têm lugar numa sociedade decente. Não existe futebol sem público."

O tal jogo que não se devia realizar

"Neste sábado joga-se o último conjunto de peripécias numa Taça da Liga que nunca interessou ao Benfica e que muito menos teve o seu respeito. Com o empate nas Beiras, há que depender de vimaranenses, confiando que a sua competência seja igual á nossa: espera-se um ponto ganho pelo Covilhã no D. Afonso Henriques e a vitória por mais de dois golos para os encarnados, cenário mais fácil de se conjugar e que qualifica a equipa lisboeta, sendo para isso preciso doses cavalares de prepotência a Norte e uma exibição de gala dos suplentes, a Sul.
O Vitória recebe-nos e o Bonfim vai inundar com a Elsa, a rapariguinha que trazendo a água e as ventanias, vai chafurdando a cidade nesta semana. Depois de provocar estragos nas ruas, patrocina ainda jogo já de si desinteressante, que com o combo horas (20h)-condições da infraestrutura vitoriana (apenas uma bancada coberta) vai provocar uma enchente de… nada. As previsões, cheias de optimismo, são péssimas.
Mas bem, há que tentar valorizar o que há de bom num embate entre dois activistas do bom futebol. Julio Velázquez tem introduzindo, de forma desenrascada, as suas ideias românticas no plantel dos sadinos e tirado rendimento de peças nucleares do reactor: Hildeberto está em grande forma, Artur Jorge consolidou as suas perfomances e Ghilas recuperou a confiança – e a barriga, que ainda assim não invalida que mantenha os índices técnicos que o levaram ao FC Porto. Apesar de eliminados, os sadinos querem desejar um feliz Natal á sua falange de apoio com uma vitória simbólica.
Na Luz, Lage manteve o onze na quarta-feira e espera-se que rode agora – isto se a lógica imperar e o treinador mantiver a coerência de planos passados, algo que já o próprio reconheceu em conferência de imprensa: «Vamos manter a coerência daquilo que são as competições que temos pela frente. Nesta temos sido coerentes e vamos olhar para o momento. Não é por jogo, por ciclos serem exigentes, porque todos os ciclos são sempre exigentes, sempre com muitos jogos, quer de clube e seleção. Não vamos mudar nada na nossa forma de pensar e encarar esta competição. Isso não implica que não tenhamos respeito pela competição. Temos intenção de fazer o nosso melhor» . 
Assim sendo, Jota, Seferovic e De Tomás deverão ter oportunidade, Jardel idem e Florentino deve voltar ao seu posto depois deste interregno misterioso até se perceber que Gabriel e Taarabt são o melhor miolo desde Enzo e Matic. O luso-angolano perdeu espaço nas opções do técnico e deverá acumular minutos.
Esta passeata á chuva será a última no ano civil de 2019, antecipando-se ás férias que duram depois até ao dia 4 de Janeiro, data da ida a Guimarães e ocasião a contar para a Primeira Liga."

«Jogar no Benfica custou-me um divórcio doloroso»

"Destino: 90s apanha Aílton no fim de uma pescaria em Três Marias, Minas Gerais. Campeão na Luz em 1994, o antigo avançado fala das memórias do balneário e das brincadeiras de Mozer, o Tarzan, com Neno

Aílton: Benfica (1993/1994 e 1995)
O Benfica 93/94 é a última boa colheita da Luz nos anos 90. Um plantel premium, reserva, vintage, o que quiserem. Agrada ao mais exigente dos benfiquistas, é consensual e conquistador. Essa época até acaba com uma derrota no Bessa, mas o jogo é só para cumprir calendário e celebrar a não conquista do tri por parte do FC Porto.
Nomes maiores? Mozer, Rui Costa, Vítor Paneira. E mais, e mais? Os três melhores marcadores da equipa no campeonato nacional. João Vieira Pinto (15 golos), Isaías (12) e Aílton (11). Aílton? O que é feito de Aílton Delfino?
Emails, telefonemas, informações mais ou menos certas e, de repente, temos cinco números de telefone na nossa mesa. Os três primeiros dão em nada, o quarto pertence à esposa e o quinto é do próprio Aílton.
51 anos, a alegria na voz, e temos Aílton do outro lado da linha. Vive na localidade de Três Marias, ali a meio caminho entre Brasília e Belo Horizonte, adora pescar e tratar dos seus animais., longe da confusão das cidades.
O avançado entrou na Luz a marcar ao Barcelona, foi importante nas escolhas de Toni, mas rumou logo ao Brasil para tentar salvar o seu casamento. Não correu bem, como confessa neste Destino: 90s no Maisfutebol.

Aílton no Campeonato Nacional:
. 1993/1994: Benfica, 28 jogos/11 golos (campeão)
. 1995/1996: Benfica, 4 jogos/sem golos (2º lugar)

Troféu: um Campeonato Nacional (93/94)

Cima: Rui Costa, Abel Xavier, William, Hélder, Neno e Isaías; 
Baixo: Aílton, João Pinto, Veloso, Paneira e Kenedy

Aílton, bom dia. É uma boa altura para falarmos?
– Opa, é de Portugal? Claro, para falar do meu Benfica tenho sempre tempo. Estou a voltar agora para casa, depois de um dia de pescaria perto da minha quinta.

Tem uma quinta aí no Brasil?
– Criei um património bom na altura em que joguei no Benfica e, felizmente, sempre tive boa cabeça para administrar os meus bens. Vivo na localidade de Três Marias, no Estado de Minas Gerais, e a minha quinta é muito bonita. Fica mesmo na margem do rio São Francisco e por isso aproveito para pescar quase todos os dias. Crio gado, galinhas e alugo quartos aqui no meu rancho a turistas.

Está completamente afastado do futebol?
– Não, isso nunca. Sou olheiro, como dizemos aqui, e coloco meninos da zona nos maiores clubes de Minas: o Atlético Mineiro, o Cruzeiro e o América. Também já treinei vários pequenos clubes daqui, o último foi o Vila Nova. Além disso, aos fins-de-semana jogo numa equipa de veteranos chamada Tradição. Tenho 51 anos, mas não estou em má forma.

Recomenda algum menino especial aos clubes portugueses?
– Ah ah ah, curiosamente passei há pouco tempo dois nomes ao meu amigo Neno. Fomos colegas no Benfica, lembra-se dele?

Claro, trabalha no Vitória de Guimarães.
– Isso mesmo. Se eu puder abrir as portas a alguns jovens aqui da minha terra, só posso ficar feliz. Tenho uma vida confortável, rodeado de natureza, mas jamais esquecerei o futebol. É uma das minhas grandes paixões, faz parte de mim. Está no meu sangue.

É verdade que também esteve ligado à política?
– Sim, candidatei-me a vereador de Três Marias, mas desisti quando faltava um mês para as eleições. A política aqui no Brasil envergonha-me. Resolvi largar quando percebi como as coisas se faziam e isso, para uma pessoa honesta, não dá. Preferi desistir, a política não foi feita para mim. Os bastidores da política são muito piores do que os do futebol.
A passagem de Aílton pela política não durou muito.

Sente-se realizado com o que alcançou no futebol?
– Claro, sempre fui muito divertido, uma pessoa bem disposta e isso ajudou-me a criar ligações fortes por onde passei. Construí uma história importante no Atlético Mineiro, tive uma boa passagem pelo Benfica e não me posso queixar de nada. Ah, o meu Benfica… o Rui Costa, o Schwarz, os três russos, o Kenedy, o João Pinto. Aprendi muita coisa em Portugal.

Foi campeão logo no primeiro ano na Luz.
– É verdade, numa equipa treinada pelo senhor Toni, uma personagem fantástica. Ficámos com uma boa vantagem sobre o FC Porto e isso valorizou todos. Nunca esquecerei a minha estreia com a camisola do Benfica. Foi num amigável contra o Barcelona, na pré-época, e fiz um golo. Mandei fazer uma cassete com esse jogo, porque marcar ao Barcelona não é para todos. Aliás, agora quando vejo o Guardiola na televisão digo sempre: ‘fiz um golo a esse aí no Benfica’.



Vamos, então, até 1993 e à vinda do Aílton para o Benfica. Lembra-se de como decorreu o processo da contratação?
– Sim, eu tinha 24 anos e já uma carreira consolidada no Atlético Mineiro. Foi tudo muito rápido. O presidente do Atlético disse que havia uma proposta para mim de Portugal e depois negociei tudo com um senhor que era mandatado pelo Benfica. Não me lembro do nome dele, mas as condições apresentadas eram excelentes. Cumpri um sonho, fui para Lisboa e nos primeiros tempos fui muito ajudado pelo Stefan Schwarz. Uma pessoa reservada, mas com muito bom coração.

Foi o colega que mais o ajudou?
– Ele e o Toni, o meu técnico. Só lhes posso agradecer. A eles e a toda a gente do clube. Tudo o que tenho hoje, o meu património, deve-se ao dinheiro que ganhei em Portugal. Fui muito bem acolhido. As brincadeiras e o desafio desportivo fizeram com que eu me esquecesse das saudades do Brasil. E jogar na Luz… um estádio gigantesco. Era uma experiência muito forte. O Toni era uma pessoa curiosa. Elogiava muito, mas se corria mal… ele cobrava. Dava muita confiança e liberdade aos atletas e acho que essa liberdade foi fundamental para chegar ao título nacional.

Esse golo ao Barcelona foi o mais importante com a camisola do Benfica?
– Esse e o que marquei ao FC Porto numa vitória por 2-0 aqui na Luz. A rivalidade era enorme, doentia até. Para vocês verem como eram as coisas, eu marquei ao Porto e até me senti mal no relvado com a emoção.



Que tipo de avançado era o Aílton?
– Era um avançado que adorava ter a bola nos pés, habilidoso. Hoje é tudo demasiado rápido, correrias e mais correrias. Eu até era rápido, mas preferia receber e tocar para os meus colegas, porque jogava com dois génios: o Rui Costa e o João Pinto.

Quem eram os seus melhores amigos no balneário do Benfica?
– Dava-me bem com todos, mas o Neno era o mais divertido. O Kenedy, o Abel Xavier chamava-me Mineirinho, o Schwarz era caladão e um grande amigo. Tínhamos um bom grupo nesse ano, um grupo espectacular. Os únicos que se portavam menos bem eram os russos, ah ah ah. De vez em quando eles davam uma saidinha à noite e nós ficávamos a saber. Isso não caía bem no grupo. Comigo, tudo certo, nunca tive nenhum problema com o Yuran, o Kulkov e o Mostovoi.

O Yuran era um dos seus concorrentes à titularidade no ataque.
– É verdade, bom jogador, muito forte. Ele detestava era levar pancada no treino, ah ah ah. Resmungava, insultava, mas eu nunca percebia o que ele dizia, por isso tudo bem, tranquilo.
Aílton treinou o Vila Nova até há poucos meses

Há pouco elogiou muito o Rui Costa e o João Pinto. Eram os melhores jogadores da equipa?
– Acho que sim, mas não me posso esquecer do levezinho, o Vítor Paneira, e até do meu amigo Isaías, que tinha um pontapé de fora da área espectacular. Mas o Rui Costa e o João Pinto eram diferentes, metiam a bola nos avançados sempre redondinhas.

Como era a atmosfera do campeonato português fora da Luz nesse anos de 1993 e 1994?
– O pior era mesmo quando tínhamos de jogar nas Antas, a casa do Porto. Aí sim, o bicho pegava. Eles faziam um tipo de jogo muito duro e intimidavam, principalmente o Fernando Couto. Esse cara batia sem necessidade, achava-o muito desleal, por isso não gostava nada dele no campo. Também não gostava nada de jogar na casa do Marítimo, mas aí era por outros motivos.

O que se passava nos jogos em casa do Marítimo?
– Nos jogos, nada de especial. Mas eu tinha pânico, pânico, nas viagens de avião para lá. Aterrar naquele aeroporto era horrível. Eu às vezes até preferia não ser convocado para esses jogos, ah ah ah ah.
Aílton em acção no Estádio da Luz

Depois de 14 golos e mais de 30 jogos, por que voltou logo ao Brasil? Foi dispensado pelo Artur Jorge?
– Não foi bem assim. Eu tinha contrato, mas apareceu o interesse do Atlético Madrid e do São Paulo. O técnico do São Paulo era o Telé Santana, talvez o técnico mais importante da minha carreira. Sentei-me com a direcção do Benfica, disse-lhes que queria voltar ao Brasil por questões familiares e o presidente Manuel Damásio acabou por aceitar um empréstimo de seis meses. Ainda voltei no ano seguinte ao Benfica e nessa altura o São Paulo fez mesmo uma boa proposta pelo passe. Saí tranquilo e de cabeça erguida, nunca tive nenhuma conversa com o treinador Artur Jorge.

E as tais questões familiares eram verdadeiras?
– Sim, infelizmente eram. Tanto eram que eu acabei por me divorciar nessa altura. A minha esposa da época nunca quis viver em Portugal e isso afastou-nos bastante a todos os níveis. Jogar no Benfica custou-me um divórcio doloroso. Ainda tentei salvar o casamento, voltando ao Brasil, mas não foi possível. Felizmente voltei a casar mais tarde e tenho quatro filhos lindos.

Certamente tem muitas histórias engraçadas sobre a sua vida no Benfica e em Portugal.
– As melhores aconteciam sempre no balneário. O Mozer era grande, todo musculado e adorava imitar os gritos do Tarzan. Aaaaaaaahhhhhhh! Depois batia no peito e pegava o Neno pela mão. O Neno fazia de Chita, ah ah ah ah, era uma brincadeira pegada. Trabalhávamos todos os dias com alegria, o Neno era mesmo muito engraçado. Com o Schwarz pegávamos muito. Ele era muito silencioso e nós íamos lá, fazíamos festinhas na cabeça dele, ele detestava. São as coisas boas do futebol.

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– Olhem, antes de dizer adeus só queria mesmo agradecer publicamente a todos os meus antigos do Benfica, porque tenho muitas saudades deles todos. Digam por favor que têm aqui uma quinta à disposição deles no Brasil. Três Marias, Minas Gerais. Não há como enganar, é só vir cá e perguntar pelo Aílton que jogou no Benfica."

Excelentes sensações

"Benfica está na melhor fase da época, tem o melhor futebol e conseguiu vencer com mérito adversários e arbitragens manhosas

O Benfica termina o ano com excelentes sensações, numa grande semana de campeonato o Taça de Portugal. A vitória justa e expressiva sobre a equipa  revelação do campeonato (Famalicão) por 4-0 e o carimbar a presença no sorteio dos quartos-de-final, segunda-feira, da Taça de Portugal, contra um sempre perigoso SC Braga, fazem deste um excelente final de ano de 2019.
O Benfica está na melhor fase da época, a jogar o melhor futebol e tem conseguido com mérito vencer adversários e arbitragens manhosas. Pizzi e companhia seguem rumo aos principais objectivos da temporada, os adeptos acreditam e, desta vez, com razões fundamentadas. O Benfica ainda só ganhou a Supertaça mas é, neste momento, a equipa que melhor joga em Portugal. Bom jogo frente ao Famalicão e jogo suficiente frente ao SC Braga carregam o optimismo dos adeptos. Tomás Tavares anestesia a falta de André Almeida, Taarabt inventa espaços onde eles não existem, Pizzi e Gabriel estão em todo o lado, Cervi e Grimaldo abriram uma nova linha de TGV - e a locomotiva encarnada está de novo em marcha. Apenas temos o direito a perceber que vai ser difícil o nosso caminho, mas há Benfica para fazer esse trilho. Apenas um sorteio madrasto na Liga Europa colocou alguma calma neste nosso optimismo, o que, diga-se, até é positivo. O sorteio do Benfica - Shakhtar Donestk mostra que, para o Benfica, a Europa continua com nível de Liga dos Campeões. É frio, longe e difícil mas é para tentar vencer os ucranianos de Luís Castro.
O nosso futebol tem, no entanto, mistérios insondáveis: há quem demita treinadores por perder (Chaves), há quem despeça por ganhar (Moreirense) e há ainda quem despeça sem se saber porquê (Boavista). No que tem de pior, isto parece o Brasil.
Última palavra para Frederico Varandas, que pode não ser carismático, não saber enganar papalvos, pode até ter cometido vários erros na avaliação dos sportinguistas, matéria na qual não me quero intrometer. Mas, na baliza de decência, nos limites da honradez, no patamar mínimo da civilidade, Varandas deve ser apoiado por todos os que não se quiserem confundir com a «escumalha» (bem definido) com a criminalidade e com o submundo do crime com que o líder leonino se vê em combate permanente. Bem sei que um benfiquista a defender o presidente do Sporting será, pela escória intelectual, visto como um handicap para o líder sportinguista, mas estou-me nas tintas. Não perceber a razão que o presidente do Sporting tem é não distinguir o nem do mal, a verdade da mentira, o civismo da marginalidade, a decência do crime. Gritar «Alcochete sempre» não visa assustar os jogadores do Sporting, visa insultar o estado de Direito do país que amo e onde vivo. Hoje é lá, amanhã é cá."

Sílvio Cervan, in A Bola

Rumo ao 38

"A procissão ainda vai no adro, mas vai dando sinais de que poderá terminar no Marquês. Que não se confunda este optimismo com triunfalismo, pois há vários anos que qualquer benfiquista apreendeu empiricamente que os campeonatos são ganhos ou perdidos nas últimas jornadas.
Com 20 jogos em disputa temos 4 pontos de avanço, o melhor ataque, a melhor defesa e temos realizado melhores exibições que o nosso rival nesta contenda. Vamos em 11 vitórias consecutivas, perdemos pontos só num dos 14 jogos disputados, não permitimos golos aos adversários em 10 partidas, ganhamos há 15 jogos consecutivos fora de portas. O ataque é o segundo mais prolífero em trinta anos de Benfica, a defesa iguala o melhor registo de sempre das nossas cores. Acresce a acentuada dinâmica de vitória, com os cinco títulos conquistados nas últimas seis temporadas, o que permite uma certa relativização dos incidências pontuais de uma prova que se sabe longa.
Bruno Lage faz bem, no entanto, quando afirma que a filosofia da equipa passa por encarar a temporada jogo a jogo. E melhor faz ao demonstrar, na prática, que estas não são palavras vãs. Até porque a própria dinâmica das equipas e a voracidade do quadro competitivo assim o exigem.
Veja-se, por exemplo, a rotatividade forçada do plantel. Tem sido muito interessante, e satisfatório, observar como a equipa tem conseguido superar os problemas físicos de vários jogadores ao longo da época. Vinícius, Cervi e Tomás Tavares são aqueles que, neste momento, e entre os que foram lançados para suprir a ausência de lesionados, mais se têm destacado. E outros houve anteriormente, contrariando cabalmente a falsa ideia de escassez de alternativas no plantel."

João Tomaz, in O Benfica