segunda-feira, 24 de junho de 2019

O mercado, no masculino e no feminino

"De cofres cheios, o Benfica deve resistir à tentação de comprar em quantidade. Poucos (mesmo que caros) e bons, é a fórmula certa

Numa temporada de vacas gordas no que respeita a vendas, que acabou por coincidir com o momento em que o clube se encontra menos pressionado pelas contas, o Benfica tem em mãos um processo delicado, que pode marcar-lhe o futuro dentro e fora de portas. Com o Seixal a carburar de forma excepcional (e, atenção, estes anos têm sido muito bons, mas haverá outros mais pobres...) o segredo do sucesso estará na qualidade dos jogadores contratados no exterior, através de um critério com malha apertada. Poucos mas bons, uma fórmula que tem normalmente tudo para dar certo.
Bruno Fernandes realizou um temporada de altíssimo nível, culminada com grande exibição na final da Liga das Nações, e despertou a cobiça de vários clubes europeus com grande poder financeiro. Juntando a esta circunstância o facto de o Sporting precisar de encaixe a realizar com a transferência, para equilibrar contas herdadas de um passado recente despesista, concluí-se que Bruno Fernandes acabará por sair não pela verba desejada (e quiça justa), mas pelo montante possível na presente conjuntura. O cenário menos provável é voltar a vê-lo de leão ao peito, na próxima época.
Ainda falta conhecer o destino de José Mourinho e o panorama dos treinadores portugueses pelo mundo já é de enorme relevância. Marco Silva e Nuno Espírito Santo dão cartas em Inglaterra, Leonardo Jardim, Paulo Sousa e André Villas Boas estão em grandes clubes em França, Paulo Fonseca ingressou na Roma e Luís Castro substituiu-o no Shakhtar, Vítor Pereira é campeão na China, Rui Vitória idem na Arábia Saudita, José Morais lidera na Coreia do Sul, onde Paulo Bento é seleccionador, Carlos Queiroz manda na Colômbia e Jorge Jesus agira o Brasil. Treinador português, marca consagrada.
O Real Madrid acaba de anunciar que vai disputar a I Divisão espanhola em futebol feminino, tendo comprado uma vaga para poder entrar imediatamente por cima. Os merengues juntam-se assim a Barcelona e Atlético de Madrid, numa estratégia que aponta para a evolução do negócio em torno do futebol jogado por elas, uma realidade que tem vindo a crescer um pouco por toda a parte. Aliás, basta ver a atenção mediática dada ao Mundial que decorre em França para se concluir que estamos perante um fenómeno imparável. Por cá, o Benfica vai estrear-se na I Divisão. Para quando o FC Porto?

Ás
Telma Monteiro
Num país desportivo onde não abundam os títulos em grandes competições internacionais. Telma Monteiro conquistou, nos Europeus de Minsk, a 13.ª medalha, o que dá nota da dimensão de um atleta que teima em manter-se na ribalta. Telma tem lugar assegurado no Hall of Fame dos desportistas portugueses.

Ás
Lewis Hamilton
O piloto britânico venceu, facilmente, uma corrida sem ponta de emoção, diga-se, em Paul Ricard, colocando-se a apenas doze triunfos de Michael Schumacher, que viu, ao longo da sua carreira, a bandeira de xadrez em 91 Grandes Prémios de Fórmula 1. Hamilton e a Mercedes reinam sem rival no circo mais caro do mundo.

Ás
Joaquim Evangelista
A Liga de Clubes fez aprovar, em AG da FPF, um regulamento disciplinar que teve votos contra de jogadores, treinadores e árbitros. Logo aqui está um péssimo exemplo de quero, posso e mando. Para tornar o panorama mais sombrio, e o presidente do Sindicato não se calou, os clubes incumpridores viram a vida facilitada.

Ir buscar lã e vir de lá tosquiada
«O Football Leaks ainda agora começou... mesmo com o Rui Pinto preso»
Ana Gomes, ex-eurodeputada
Lampreia, mal soube da detenção de Michel Platini, Ana Gomes pensou que o caso tinha a ver com o Football Leaks e atirou a matar (pensava ela). Afinal, o advogado de Platini é o mesmo do hacker protegido da antiga política, que teve de fazer uma saída envergonhada pela porta dos fundos, lamentando, por certo, a extraordinária oportunidade de estar calada que tinha desperdiçado...

João Félix, 120 milhões de razões para sonhar
Foi tema da semana em Portugal e Espanha, desde a transferência de Anthony Martial para o Manchester United que não se via uma ascensão tão meteórica. Mas não terá sido em vão que os dois clubes de Madrid e ainda o Manchester City lutaram pelo jogador. Alguma coisa viram que os fez pagar o preço.

O Brasil, e os treinadores
quase três anos, andava o 'escrete canarinho' pelas ruas da amargura, alguém na CBF, decidiu contratar Tite, que operou milagres, venceu o grupo de qualificação para o Mundial da Rússia e devolveu o respeito ao Brasil. Ora, bastou agora, na Copa América, um empate caseiro com a Venezuela para surgirem muitas vozes a pedir a cabeça do técnico, salvo por uma vitória robusta, no jogo seguinte, frente ao Peru. Este exemplo dá conta do estado de esquizofrenia em que o Brasil vive quanto aos treinadores e a cultura de descartabilidade vigente no país futebolístico. Ou seja, não é difícil perceber que a tolerância que Jorge Jesus vai encontrar, logo que o Flamengo comece a jogar, vai ser abaixo de zero. JJ tinha razão quando disse aos jogadores rubro-negro, na primeira prelecção, que com ele era ganhar ou ganhar. Pois é bom que seja assim. Ou então..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Bronze no Atletismo...

Ontem três Benfiquistas conquistaram a medalha de Bronze nos Jogos Europeus, na prova de Atletismo, mais especificamente nos 4x400m mistos: Rivninilda Mentai, João Coelho e o Ricardo dos Santos. Com a ajuda ainda da sportinguista Cátia Azevedo.
O facto até passou despercebido no site do Benfica, talvez a forma confusa como estão a decorrer as provas de Atletismo explique o esquecimento... a IAAF tem cada vez ideias mais parvas!!!

PS: Hoje a Rochelle Nunes, na prova de Judo +78 Kg., teve uma tarde de competição muito ingrata!!! Chegou às Meias-Finais de forma categórica, e nesse combate acabou derrota de forma extremamente injusta, com uma adversária que esteve constantemente a cometer 'faltas' que não foram penalizadas...
Um pouco mais tarde, no combate pela medalha de Bronze, apanhou uma adversária bastante mais alta, que lhe 'ganhou' constantemente a 'pega' (mais sem atacar), mas 'acabou' por 'sacar' três castigos à Rochelle... o último, é claramente a adversária que empurra a Rochelle para fora do tapete...
Sair deste Europeu sem Medalha acabou por ser muito frustrante...
Mas ainda temos Mundial este ano!!!

Só o mercado é que está louco?

"Nem Simeone nem um único olheiro do Atl. Madrid viu Félix a jogar. Bastou-lhe ler os jornais... Alguém acredita mesmo nisso?

Tenho a certeza de que a primeira coisa que Diogo Simeone fazia nos últimos meses quando acordava era ver no telemóvel as primeiras páginas dos jornais desportivos portugueses.
A segunda era, claro, pedir aos responsáveis pelo scouting do Atlético de Madrid para comprarem, provavelmente na versão digital, as edições diárias para perceber o que os jornalistas escreviam sobre esse talento de nome João Félix, fazerem recortes ou print screens e enviaram-lhe para que pudesse ficar a par de tudo sobre ele: os golos, as assistências, se joga bem de pé direito ou se bate melhor com o esquerdo, se joga melhor nas linhas ou como segundo avançado, se tem um jogo de cabeça com o suficiente.
Tenho a certeza de que a última coisa que Diego Simeone fazia nos últimos meses antes de adormecer era sentar-se em frente à televisão - da sala ou do quarto, se a tiver - e escolher no seu comando os canais portugueses (cujo número já decorara, não precisando sequer de fazer zapping) para ver tudo o que os comentadores diziam sobre esse talento quase desconhecido.
Tenho a certeza de que isso bastou para que Simeone exigisse ao presidente do Atlético Madrid para bater os 120 milhões de euros exigidos pelo Benfica para quem quisesse garantir sem mais conversas um jovem de 19 anos com menos de seis meses na equipa principal dos encarnados.
Não tenho, claro está, dúvidas em afirmar que nem Diego Simeone nem qualquer olheiro do Atlético Madrid viu, ao vivo, um jogo de João Félix. Nem sequer um videozinho, atrevo-me a dizer. Para quê? Se os jornalistas escrevem que é bom e os comentadores televisivos dizem que é ainda melhor do que bom, é porque é. E se são precisos 120 milhões para levá-lo, porque não?
É, pelos vistos, assim que alguns acham que funciona o mercado do futebol. Um mercado tão louco que bastam umas manchetes, talvez um fenómeno em letras garrafais, para convencer, sem mais, um clube estrangeiro a gastar 120 milhões de euros num miúdo de 19 anos. Não é, percebe-se, o mercado que está louco. É quem pensa que as coisas funcionam, de facto, assim.

Muito se tem escrito sobre a anunciada transferência de João Félix para o Atlético Madrid. Da influência de Jorge Mendes, da qual não duvido. É por isso, afinal, que se trata daquele que é por muitos considerado o melhor empresário do mundo do futebol.
Talvez sem a sua influência ninguém desse, de facto, 120 milhões de euros por um miúdo de 19 anos com muito ainda por provar. Não tenho disso grandes dúvidas. Mas aquilo de que muitos se têm, porventura, esquecido, é que o principal motivo para que o emblema de Madrid esteja, de facto, disposto a dar 120 milhões por um miúdo de 19 anos com muito ainda por provar está no próprio João Félix e naquilo que demonstrou nestes menos de seis meses. Sem isso não haveria capas de jornais ou influência de Jorge Mendes que levasse um clube, qualquer que fosse, a embarcar numa aventura destas.
Porque não estamos a falar de 12 euros. Nem de 120. Nem de 1200. Nem de 12 mil. Nem de 120 mil. Nem sequer 1,2 milhões. Nem sequer de 12 milhões. Estamos a falar de 120 milhões. Não são trocos. Não se gastam 120 milhões só poque sim. Haja noção.

PS - Claro que pode discutir-se se João Félix vale ou não 120 milhões. Essa é outra conversa, que vale a pena ser abordada sem pelas coloridas nos olhos. Coisa que por cá é cada vez mais difícil..."

Ricardo Quaresma, in A Bola

Sou Renato Sanches, e depois?

"Aborrece-me a superficialidade com que se olha para o jogo. Fala-se de novo de Renato Sanches por causa de João Félix, o tal puto que é um fracasso antes de o ser. Sai cedo de mais, há os 120 milhões e a pressão esmagadora de uma Espanha que, vade retro, não gosta de portugueses desde 1143.
Não são produtos acabados e apresentam ambos aquela arrogância positiva pouco comum para a idade. Só que as parecenças acabam aí. Estão bem separados na capacidade de interpretar o jogo e de definir.
Se excluirmos as estapafúrdias tiradas sobre novos Bolas de Ouro, que só servem para encantar seguidores de Flautista, Renato ainda olha para o futuro e sorri. Mais em bruto na técnica de passe, definição e no posicionamento, não recusou o Bayern, apesar de a lógica a aconselhar de maneira diferente: era treinador um Ancelotti mais gestor do que lapidador, e pouco interessado em mexer no ataque posicional plantado por Pep Guardiola, de triângulo em triângulo e de passe atrás de passe. Incrível é que hoje, aos 21 anos, já o tenham como morto e enterrado, e o usem como exemplo de fracasso. André Silva e João Mário, embora com tempos de maturação diferentes, também não tiveram sucesso, e continuam a ser o futuro. Têm de ser.
Ao exercer a cláusula, é Félix quem escolhe e não o Benfica. Opta por um Atléti que contratou Lemar por 70 milhões há um ano e que ainda não o colocou de parte. Um 4x4x2 em que pode encaixar melhor. Um clube que sobrevive sem ser campeão e que até lhe oferece o lugar de referência, na vaga de Griezmann.
Obviamente, existirá pressão. Haverá compromisso. Exigência também. Na estrela, nos clássicos e na Europa, respondeu sempre. Claro que João Félix pode falhar! Mas falhará por ele e ainda irá sempre a tempo de começar de novo. Tal como Renato."

Luís Mateus, in A Bola

Junho de 2018, o fim do mundo

"O Sporting venceu dois campeonatos nos últimos 37 anos. E teve mais de 30 treinadores principais. Problemas não são eles...

Impossível saber, como diz Sousa Cintra, naquele optimismo exacerbado, de quem vê azul-bebé onde muitos veem negritude, se o Sporting seria campeão nacional mantendo José Peseiro até final da temporada. Impossível por razões óbvias. Sabe-se apenas que os leões estavam a dois pontos da liderança quando, à oitava jornada, Frederico Varandas despediu o treinador que Sousa Cintra contratara e que, no fim da época, ficaram a 13 do Benfica.
Possível de avaliar, sim, o peso de Sousa Cintra e José Peseiro no período em que estiveram no Sporting. Não pensemos no Sporting de Junho de 2019. Pensemos no Sporting de Junho de 2018. O caos. A negritude. O abismo. O fundo cada vez mais fundo. O fim do mundo. Até que Sousa Cintra assumiu a Comissão de Gestão. Ele e mais uns quantos. Fizeram tudo bem? Não. Resolveram todos os problemas? Nada disso. Cometeram erros? Óbvio. E Cintra foi buscar Peseiro. Treinador quase sem plantel. Plantel quase sem moral.
Empresários a oferecerem os seus excedentários: promessas que já não o eram; ex-craques aburguesados pelo dinheiro ganho; estrangeiros de terceira linha para substituírem os estrangeiros de terceira linha que não tinham rescindido. O tempo a apertar. O campeonato a começar. Treinos a meio-gás com jogadores, mentalmente, a meio-gás. Com medo de Bruno de Carvalho. Com medo do seu eventual regresso. Com eleições à porta. O caos. A negritude. O abismo. O fundo cada vez mais fundo. O fim do mundo. Ninguém apontou uma pistola a Sousa Cintra para que este aceitasse a liderança da SAD, claro que não, tal como ninguém a apontou a José Peseiro para ser treinador dos leões. Mas é preciso recordar o que era o Sporting em Junho de 2018 e não naquilo que é o Sporting em Junho de 2019.
O mais provável é que o Sporting não fosse campeão com Peseiro até final. Ou com Keizer deste o início. Ou com Klopp de ponta a ponta. O Sporting vendeu duas (!) ligas dos últimos 37 anos e teve treinadores como António Oliveira, Josef Venglos, John Toshack, Manuel José, Keith Burkinshaw, Raul Águas, Marinho Peres, Bobby Robson, Carlos Queiroz, Fernando Mendes, Octávio Machado, Robert Waseige, Vicente Cantatore, Carlos Manuel, Mirko Jovic, Giuseppe Materazzi, Augusto Inácio, Manuel Fernandes, Laszlo Boloni, Fernando Santos, José Peseiro, Paulo Bento, Carlos Carvalhal, Paulo Sérgio, José Couceiro, Domingos Paciência, Sá Pinto, Franky Vercauteren, Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim, Marco Silva, Jorge Jesus ou Marcel Keizer. O problema do Sporting não são os treinadores ou os jogadores. É mais profundo."

Rogério Azevedo, in A Bola

O bronze virou ouro nas mãos de Telma

"Esta era a segunda vez que ela saía das mãos de Telma Monteiro. A outra tinha sido durante a noite, quando a judoca, finalmente, cedeu ao cansaço depois do turbilhão de emoções que se seguiu à subida ao pódio olímpico do Rio 2016 e foi dormir. Agora, andava de mão em mão, sempre com Telma por perto a testemunhar o regozijo de quem tocava numa medalha olímpica pela primeira vez. Também eu o fiz. Senti o peso, apreciei os pormenores gráficos e devolvi-a intacta à feliz proprietária.
Poucos minutos depois, sentei-me com Telma junto à entrada Aldeia Olímpica. Ficámos ao sol, naquele pequeno jardim onde se misturavam idiomas de todos os cantos do mundo. Trocámos breves palavras de circunstância antes de se iniciar a entrevista, a primeira da medalhada olímpica após o histórico combate com a romena Corina Caprioriu.
Logo à primeira resposta, Telma agarrou a medalha enquanto falava. Aquele gesto involuntário repetiu-se várias vezes ao longo dos cerca de 15 minutos de conversa. Não era para menos. O que Telma tocava era ouro.
Caro leitor, não se apresse em me corrigir. Sei que a medalha que Telma conquistou a 8 de Agosto de 2016 foi de bronze, mas naquele jardim da Aldeia Olímpica o que ela tocava era mesmo ouro.
Isto era algo que eu já devia ter aprendido. Em 2012, nos Jogos de Londres, momentos depois de Fernando Pimenta e de Emanuel Silva conquistarem a medalha de prata em canoagem, comentei com um membro da missão portuguesa a curta distância a que a dupla de canoístas tinha ficado do primeiro lugar. "Estás doido? É medalha, Pedro, é medalha." Foi a resposta.
O significado da medalha transcende o metal de que é feita. O que Telma segurava era a recompensa de anos de sacrifício, trabalho e também um ponto final na dúvida sobre se algum dia iria mesmo subir a um pódio olímpico.
No plano desportivo, nada há de mais valioso para um atleta de alta competição. Foi essa a certeza que assimilei ao ver as mãos de Telma transformarem o bronze em ouro."

A Mercadologia, os mercadólogos, o Ketinho Borda d’Água e os 120 milhões que são 48 vezes o peso de Félix em ouro

"Chamemos-lhe mercadologia. É o estudo das movimentações no mercado futebolístico, o seu impacto no comportamento dos seres humanos e na conta bancária de Jorge Mendes. Nos primórdios da mediatização global do futebol, os miúdos sonhavam ser o novo Eusébio, o novo Crujff, queriam imitar as fintas de Maradona e os golos acrobáticos de Van Basten. Mais tarde, os treinadores ascenderam ao estatuto de estrelas e crianças de todo o mundo, em vez de bolas, começaram a levar para a escola cadernos pautados com relatórios de jogo. Hoje, época em que a mercadologia ganhou autonomia e é uma actividade humana por direito próprio, os petizes olham para um Rui Pedro Braz e sonham com o dia em que num estúdio de televisão proferirão as indeléveis palavras: “estamos em condições de assegurar que Bentinho Vilanova será jogador do Atlético de São Pedro da Cova nas próximas cinco épocas por um valor a rondar os seis milhões de euros por ano, livres de impostos.”
O futebol jogado em campo é agora um mero pretexto para se discutir durante horas a fio quem compra, quem vende, quem empresta, quem fica, quem sai e quem vai pensar no sentido da existência para a equipa B ou nas fileiras de um clube cipriota. Antigamente a mercadologia limitava-se a umas breves semanas no defeso ou a ocasionais capas dos desportivos. Hoje tornou-se uma obsessão nacional capaz de despertar mais interesse que um Tondela-Desportivo das Aves. Nas televisões imperam os mercadólogos, permanentemente “conectados” (enquanto um fala, o outro baixa a cabeça e, com indicador, faz deslizar as informações no smartphone) a fontes próximas do processo. Os contornos dos negócios, nebulosos para os leigos, são a sua especialidade: sabem se um empréstimo contempla uma opção de compra, se a opção de compra afinal é obrigatória, qual a taxa de empréstimo e o valor final, a percentagem que cabe ao clube vendedor na mais-valia de uma futura venda, se o negócio envolve cedência de outros jogadores, se o clube já chegou a acordo com estes, as modalidades de pagamento, contrapartidas, compensações, etc.
Os negócios encontram-se geralmente num de dois estados: ou estão por horas ou afiguram-se muito difíceis. Por vezes, não tão raramente quanto isso, ultimam-se detalhes. Pode já estar tudo acertado com o clube, mas agora é preciso convencer o jogador ou vice-versa. Há clubes vendedores que se mantêm irredutíveis, outros que não querem cortar as pernas aos jogadores e há jogadores que desejariam literalmente cortar as pernas aos dirigentes.
Um dos indicadores mais fiáveis da concretização iminente de um negócio é quando se diz de algum jogador que “já se encontra na capital espanhola”. Um jogador que esteja a negociar com o Chelsea desloca-se a Londres, os que têm propostas do Paris Saint-Germain apanham um avião privado para Paris, mas se o clube interessado é de Madrid a cidade é sempre referida, por antonomásia, como a “capital espanhola.” Estar na capital espanhola é o equivalente moderno à travessia do Rubicão. Uma vez lá chegado, os dados estão lançados, alea jacta est. É o chamado ponto de não retorno.
Além das fontes conhecedoras do processo, nem sempre de confiança, a mercadologia tem vindo a desenvolver métodos cada vez mais eficazes de previsão de transferências que incluem a análise detalhada das contas das redes sociais e declarações das progenitoras dos jogadores. Uma t-shirt com os dizeres “I love kebab” pode indicar uma transferência iminente para a Turquia e uma reunião com um administrador de uma SAD pode ser apenas um encontro de velhos amigos. Uma publicação da mulher de um jogador com malas feitas é sinónimo de despedida e um like no comentário de um adepto de um clube um indício da preferência do atleta.
Nada escapa aos mercadólogos e os próprios jogadores já aprenderam a comunicar por cifras neste admirável mundo novo das redes sociais. Tudo isto alimenta trezentos episódios de telenovelas. Para os mercadólogos e os seus empregadores o ideal é quando a “situação se encontra num impasse”. Esse é o estado de um negócio que os mercadólogos preferem. Os impasses prolongam-se, arrastam-se e, como um carro funerário, obrigam toda a gente a acompanhá-lo a um ritmo respeitoso. Ninguém se atreverá a buzinar e a berrar pela janela do carro: “anda lá com isso, ó lesma!”.
Com o entusiasmo de quem acabou de receber a notícia de uma herança, os mercadólogos proclamam triunfantes: “não há novidades!”, “continua tudo na mesma!” ou “o clube prometeu um comunicado para a próxima semana!” No reino da mercadologia, o maior acontecimento é não acontecer nada. Daí o ar pesaroso quando têm de cumprir o doloroso dever de anunciar ao mundo que o negócio está fechado. Fechado, encerrado, como um caixão. “Este é o tipo de notícia que nunca gostaríamos de dar: Ketinho Borda d’Água é oficialmente jogador do Atlético Baracondense. A confirmação chegou esta tarde. Ainda havia a esperança de que Ketinho chumbasse nos testes médicos, mas confirmou-se o pior cenário. O avançado tem uma saúde de ferro e vai mesmo jogar em Baraconda nas próximas três épocas. Aos adeptos enlutados, apresentamos as mais sentidas condolências. Bem, felizmente sobre o negócio de Trastinho para o Desportivo Zarabatana não há novidades absolutamente nenhumas. Zero. Nicles. E é com esta nota positiva, de grande esperança, que terminamos o nosso programa de hoje.”
Porém, nem tudo é imobilismo. O mercado de transferências oferece diversos tipos de entretenimento dramático. Há leilões e carrosséis, telenovelas e, como se de um desporto paralelo se tratasse, corridas. Quando um jogador se destaca, o pelotão de interessados é compacto e estende-se por todo o continente. Em geral, é não tanto um pelotão, mas um cardume, pois os participantes na prova são quase todos “tubarões”. “PSG, Bayern, Real, Barcelona, City, United e Arsenal” estão na corrida por Zé Canelada” juram os jornais assim que Canelada mostra os seus dotes nos juvenis do Recreativo de Trapizomba. Depois, como numa longa etapa de montanha, o pelotão vai-se fragmentando e, em vez dos tubarões anunciados, muitas vezes quem chega à frente é um carapau de corrida, de muito paleio e bolsos magros. Nas narrativas habituais já estudadas pela mercadologia, o Tottenham, por exemplo, é um clube que costuma estar na corrida, mas, qual Fernando Mamede, geralmente desiste a meio, sobretudo quando David Levy, o presidente do clube, percebe que estar na corrida implica pelo menos a intenção de desembolsar uma determinada quantidade de dinheiro para adquirir um jogador. 
Na última semana, foi a transferência de João Félix a dominar todos os espaços de mercadologia. Segundo consta, estará tudo acertado, mas ainda não há confirmação, o que também é uma situação bastante apreciada pelos mercadólogos. Segundo estes, havia mais do que um clube disposto a “bater” a cláusula de rescisão “cifrada” em 120 milhões de euros (é preciso dominar o léxico, a langue de bois, desta área do conhecimento). Infelizmente, o clube que, ao que tudo indica, avançou para o negócio é o único clube que tem de aguardar que outro clube bata a cláusula de rescisão de outro jogador, também cifrada em 120 milhões a partir de 1 de Julho (até aí seria de 200 milhões), para então poder bater a cláusula de rescisão.
Porém, todos garantem que já há acordo com os representantes do jogador que, como não podia deixar de ser, “esteve na capital espanhola.” Os representantes do jogador e o próprio jogador foram vistos a jantar em Madrid, o que significa que, por enquanto, João Félix não delega em terceiros a função de se alimentar. De regresso a Portugal, houve mesmo um órgão de comunicação que informou os seus leitores que João Félix teria pagado 14,70 euros por uma pizza num restaurante algarvio, uma ninharia para quem se prepara para receber sete milhões de euros por ano “net”, como gostam de dizer certos mercadólogos.
O astronómico valor da cláusula e o hipotético salário de João Félix no Atlético Madrid empurraram os jornalistas para aqueles exercícios que visam traduzir para o cidadão comum, sempre a contar trocos na carteira, a magnitude dos valores. Assim, ficámos a saber que 120 milhões de euros são 48 vezes o peso de Félix em ouro, que dariam para comprar 30 Lamborghinis e várias vezes a casa mais cara de Portugal. Um jornal chegou ao pormenor de dizer que com o salário de João Félix seria possível comprar não sei quantos milhões de bicas, o que à primeira vista pode parecer muito, mas que só daria para duas semanas de treinos do Boavista de Jaime Pacheco.
Os rivais do Benfica têm manifestado a sua incredulidade quanto aos valores do negócio. Não acreditam que o jogador valha isso, mas se valer mesmo (ou seja, se alguém pagar os 120 milhões) então Bruno Fernandes, dizem, vale o dobro. Bruno Fernandes é, pois, um jogador cujo valor do passe está indexado à cotação internacional do Félix. Podia ser pior. Mas há mais. O Atlético Madrid é visto como um peão nas jogadas do agiota de alto gabarito Jorge Mendes. A concretizar-se a venda pelos propalados 120 milhões só pode querer dizer que Mendes tem uma comissão de 30, 60 ou 100%. Quem sabe, até mais do que isso!
Já o Benfica, não só terá de pagar uma comissão brutal ao empresário como será obrigado a contratar vários jogadores ao Atlético por valores superiores a 50 milhões. Resultado, Félix vestirá a camisola do Atlético e o Benfica, graças à intermediação mágica de Jorge Mendes, poderá pagá-lo em suaves prestações durante um prazo não inferior a trinta anos, suportando parte do ordenado e juntando no negócio mais dois ou três jogadores formados no Seixal. A propaganda do Benfica, dizem, tudo fará para passar a ideia de que se trata da maior transferência de sempre do futebol português quando é sabido que essa foi, é e será sempre a venda de Bebé ao Manchester United por nove milhões de euros.
In illo tempore, os adeptos suspiravam pelo fim do defeso e pelo regresso dos artistas aos relvados. Hoje só querem sentir a brisa refrescante ou a ventania glacial que entra pela janela de transferências aberta todo o ano. E quando já não há mais nenhuma transferência para anunciar, irrompe a meta-mercadologia, com as transferências de mercadólogos entre órgãos de comunicação social. O mercadólogo torna-se, desse modo, o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas futebolísticas. Algures num estádio vazio, vinte e dois atletas correrão atrás de uma bola, mas isso não interessará a ninguém."

Inquietante texto de Poiares Maduro

"Miguel Poiares Maduro, advogado e professor universitário internacionalmente conceituado, com cargo de elevada responsabilidade na Universidade Europeia de Florença, escreveu, este último sábado, um artigo inquietante no Expresso. O título tinha tanto de sugestivo como de acusador: «FIFA, o cartel de Zurique».
Ao longo de um texto preciso e fundamentado, Poiares Maduro falou-nos da cartelização da FIFA e da UEFA, onde uma estrutura de fidelização e clientelismo continua a manter uma cultura de seguidismo e de ausências de criticismo interno ou de fiscalização.
«A esta concentração de poder e dinheiro correspondem mecanismos frágeis de controlo independente. Não exista verdadeira separação de poderes e os órgãos disciplinares e de controlo ético e financeiro raramente são independentes» - escreveu Poiares Maduro, que pergunta: «Que controle se pode esperar de quem provém, ou está na dependência daqueles que é suposto controlar?»
Ora, Poiares Maduro sabe bem do que fala. Ele foi eleito, em 2016, para desempenhar o cargo de chairman do comité de governação da FIFA e passado pouco tempo abandonou funções sem justificação pública, mas deixando no ar a ideia de que não podendo acabar com velhos vícios, não queria pactuar com eles e com quem tão poderosamente os protegia.
Apesar da coragem da denúncia, Poiares Maduro admite que a política se deixou capturar pelo futebol e daí que não esteja optimista quanto ao futuro. De facto, Bruxelas prefere a institucionalização das suas burocráticas banalidades, ao incómodo de uma acção fiscalizadora em Zurique ou em Nyon."

Vítor Serpa, in A Bola

O bronze do 2.º classificado

"Como o seu próprio nome indica, os Jogos Olímpicos de 68 foram em 1968, há muito tempo. Na Cidade do México, dias antes da abertura e à porta do estádio, durante manifestações, a polícia matou dezenas de estudantes. Mas desses JO vou recordar um ato simultaneamente político e desportivo. E, dele, sublinhar um pormenor, o menos lembrado.
Na prova de atletismo de 200 metros, os americanos Tommie Smith e John Carlos ficaram nos 1º e 3º lugares. O facto levou a uma foto icónica. Durante o hino do seu país, já no pódio e com as medalhas ao peito, descalços, eles ergueram o punho com uma luva negra de couro. Smith e Carlos eram negros e adeptos do Black Power, que na América lutava por direitos cívicos.
Os dois corredores foram expulsos da equipa americana, nunca mais participaram numa competição olímpica e continuaram negros, o que continuou a dar-lhes riscos e desvantagens na sociedade americana. Mas Tommie Smith e John Carlos tiveram um benefício honroso: eles foram protagonistas da história e por essa acção foram admirados por muita gente. Há até uma escultura do pódio com os dois, numa universidade californiana, na cidade de São José.
E eis o pormenor: no pódio (o real e da fotografia, mas não o da escultura), havia o 1º, Tommie Smith, e o 3º, John Carlos, mas também o 2º, o australiano branco Peter Norman. Este não alçou o punho durante o hino americano. Mas tinha um autocolante ao peito a defender os direitos cívicos dos negros americanos. Quando ia a caminho do pódio, Norman, ouvindo a conversa e vendo as luvas dos companheiros, perguntou-lhes as razões. E, conhecendo-as, disse: "Estarei convosco!" Pôs o autocolante ao peito e subiu ao pódio. A sua generosidade (fazer do interesse dos outros uma causa sua) ficou na penumbra. Mas foi castigada: por causa do seu ato político foi afastado para sempre da equipa olímpica australiana. Ele foi castigado, como todos do pódio, mas, ao contrário deles, fora esquecido.
Norman morreu em 2006. No funeral, Smith e Carlos levaram aos ombros o caixão do seu irmão. Quando eu soube, vi um momento que sempre olhara mas não vira: o homem da medalha de prata, com coração de ouro, a transformar a sua pele em bronze."

“Corrupção ativa e passiva”, “branqueamento de capitais e crime organizado”, doping: o antigo patrão do atletismo vai ser julgado

"Lamine Diack é acusado de vários crimes. O seu filho, Papa Massata Diack, também estará envolvido nos mesmos 

A justiça francesa pretende levar a julgamento o senegalês Lamine Diack, ex-patrão do atletismo mundial, e o seu filho Papa Massata Diack, suspeitos de actos de corrupção, para encobrimento de casos de 'doping'.
A informação foi avançada pela agência France Presse (AFP), indicando que um juiz ordenou a abertura do processo em Paris, visando o antigo presidente da Associação das Federações Nacionais de atletismo (IAAF), entre 1999 e 2105.
Lamine Diack deverá responder por "corrupção activa e passiva", "branqueamento de capitais e crime organizado", num processo que envolve além do seu filho e mais quatro pessoas.
O antigo dirigente é alvo de um mandado de captura, mas nunca foi interrogado pela justiça franca."

Na pista de Santa Anita, os cavalos de corrida morrem às dezenas. E ninguém sabe porquê

"Desde Novembro, trinta cavalos morreram na pista de Santa Anita, Califórnia. Após ter “perdido” quatro cavalos só este ano, Jerry Hollendorfer, treinador histórico da modalidade, foi banido da pista 

Algo de muito errado se passa na pista de corrida de cavalos de Santa Anita, Califórnia, mas ninguém sabe ainda dizer ao certo o que é. Desde o início da temporada em Novembro, trinta cavalos morreram naquela pista. O último foi eutanasiado no sábado, após ter sofrido uma lesão na pista de treino. No Estados Unidos da América, esta situação (em parte insólita) tem vindo a gerar vários protestos e pedidos de suspensão da modalidade, que se financia, em parte, com base nas apostas desportivas.
Após ter “perdido” quatro cavalos, Jerry Hollendorfer, treinador histórico da modalidade, foi banido da pista de Santa Anita. O americano é suspeito de drogar cavalos que estariam lesionados e colocá-los nas pistas, quando estes não teriam condições para correr. No passado, Hollendorfer já foi multado por 19 vezes por medicar em excesso os equinos que treina. O valor que pagou, contudo, não foi além do simbólico: 16 mil dólares.
“Neste momento, estou a treinar mais de 100 cavalos. Santa Anita quis que saísse das suas instalações. Na minha opinião, essa foi uma decisão prematura. Foi uma reação extrema. Agora tenho de me afastar durante algum tempo”, afirmou Hollendorfer, em declarações ao “Daily Racing Form”. 
Foi preciso morrerem 29 cavalos para a equipa que gere a pista de Santa Anita lançar uma investigação. Esta demora justifica-se, em parte, devido aos números de óbitos de anos anteriores. Em 2018, morreram 37 cavalos; em 2017, foram 54. Ou seja, o número registado este ano não é fora do comum. Os grupos activistas, todavia, têm estado cada vez mais atentos a estes registos.
Desde o início da sua carreira, os equinos treinados por Hollendorfer ganharam 7615 corridas - 65 só esta época - e garantiram-lhe lucros de 200 milhões de dólares.
De acordo com um estudo da Universidade de Davis, Califórnia, cerca de 85% dos cavalos que morreram na pistas de corrida, nos últimos anos, estavam lesionados e a tomar medicação."