sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Por que é que não fugiu (em mágoa) do futebol...

"Vendo-se no «fundo do poço» disse sim a Massamá; O novo abalo na morte da mãe

É uma história de encantar. Carlos Vinícius Alves Morais nasceu bem no interior do Maranhão, em Bom Jesus das Selvas. Creceu com um ídolo acima de qualquer outro, o Ronaldo: «Nunca cansei de tentar imitar ele no campo: na capacidade de explosão, na maneira como o fenómeno procurava o um para um e ia para cima dos adversários». Algures por 2009, Carlos Vinícius tinha 14 anos. A mãe e o padrasto foram viver para Goiânia - e ele não tardou a lançar-se, aventureiro, às escolhinhas do Goiás. Já juntara a Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho no seu fascínio. A um dos seus jogos, apareceu Dema, treinador do Santos - e, no final, correu, entusiasmado, para si, largando-lhe a pergunta: «Queres fazer peneira em Vila Belmiro?» Nem pestanejou na resposta - e logo lhe deram contrato a assinar.
No Santos ainda se cruzou com Neymar - e como central (sim, era o que era...) saltou do Santos para o Palmeiras (com Gabriel Barbosa, o Gabigol, na equipa, ganhou, em 2013, a Copa do Brasil sub-20). Foi no Palmeiras que Marcos Valadares lhe deu a volta ao destino, o treinador revelou-o ao Globo: «Quando me levaram Gabriel Jesus para o time principal, achei que o outro atacante que a gente tinha estava abaixo do que eu esperava. Mas, a cada treino que passava, mais Carlos Vinícius chamava minha atenção: era um zagueiro muito técnico, fazia muitos golos, tinha excelente finalização. Falei-lhe da oportunidade nova que pensara, foi para avançado, dedicou-se tanto que o dia a dia conspirou a seu favor: virou grande goleador - e só estranhei, quando eu deixei o Palmeiras que não o tivessem aproveitado...»
Ao deixar os juniores, o Palmeiras emprestou-o ao Caldense - no clube do interior de Minas fez um jogo apenas. Passou para o Grémio Anápolis, clube de Goiás dominado pelo empresário português António Teixeira. Ainda em São Paulo se casara, ainda em São Paulo lhe nascera um filho - e, a pouco e pouco, a angústia foi-lhe tomando os dias: «Precisava de dinheiro para o meu filho ter leite, ter fraldas - e não estava tendo». Desesperado, atirou, num murmúrio, à mulher: «Vou largar o futebol, fazer qualquer coisa para pôr o pão aqui, dentro de casa. Desde que não seja droga ou algo de errado, qualquer coisa serve, na construção até, porque não?!»
Na tarde que Vinícius escolhera para ser a última no Grémio, mudou-se-lhe a vida, num súbito piparote: «Decidi que assim que terminasse esse nosso jogo de preparação, ia buscar as minhas coisas ao balneário e nunca mais voltava. Estava lá a um canto quando pessoa me chamou - para me perguntar se queria ir para Portugal». Fora Luís Neves quem o chamara e o desafio que lhe lançara era Massamá. Ao escutá-lo, exclamou-lhe: «Meu irmão, eu aqui já estou no fundo do poço, por isso vamos lá». Acabara de fazer 22 anos quando chegou ao Real. No seu primeiro jogo, para a Taça da Liga, fez golo ao Belenenses - e na estreia da Liga 2 saiu de partida com o Leixões com hat trick. Continuou a marcar golos a fio - e mais espantoso foi o que aconteceu depois: com Jorge Mendes metido no negócio, o Nápoles comprou-lhe o passe por 4 milhões de euros (e antes correra rumor de que Pinto da Costa já o tinha debaixo de mira...).
Por Itália, houve quem o tratasse como Novo Careca (o outro era o Careca que, com Maradona, levara o Nápoles a campeão). Jornal deu-lhe o cognome de Il Nuovo Bomber del Napoli - mas Ancelloti achou melhor pôr o novo bombardeiro a rodar por outros lados. Ofereceram-no ao Sporting, não o quiseram - foi para o Rio Ave. Em Vila do Conde mostrou o seu poder de fogo e, de um instante para o outro, os dias felizes transformaram-se, outra vez,  em dias de dor - mãe lhe morrera, de súbito, em Bom Jesus da Selva, ao zerozero contou-o (em lágrimas soltas): «Sempre que fazia golo, mandava para ela. Mamãe pegava no vídeo e saía mostrando para todo o mundo. Ao saber da desgraça, pensei: Quem vai mais ver os meus golos?!» Por entre o desespero, passou-lhe, sentimental  e fugaz, a ideia de abandonar o futebol outro vez: «Aí pensei: ela vai ficar lá no céu cuidando de mum, vendo o que eu vou continuar fazendo pelo meu filho, pela minha mulher, pela minha filha que está para nascer...»
Atleta de Cristo, filosófico, solta, às vezes, frases assim: «Mais vale a lágrima de uma derrota do que a vergonha de não ter tentado». Regresso ao Mónaco, o Benfica foi buscá-lo por 17 milhões de euros - e mal Bruno Lage lhe abriu a equipa. Vinícius mostrou que o golo é o seu destino, cada vez mais deslumbrante o seu destino..."

António Simões, in A Bola

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!