"Relíquia que deu a Trebbi arrematada por 5500 euros (e é sinal da sua mágoa); No Jamor 6-2 ao FC Porto (e comício)
1. Naquele AC Milan do Trapattoni e do Maldini, do Altafini e do Rivera também havia o Mario Trebbi - e sim, foi com Trebbi que, na primeira final da Taça dos Campeões perdida pelo Benfica, ele trocou camisola, a camisola n.º 3 que, há meses, a família de Trebbi pôs a leilão em Turim e foi arrematada por 5500 euros.
2. Ele, o benfiquista da camiola n.º 3 em Wembley, nascera em Matosinhos por Setembro de 1937, filho de um maquinista naval. Pelos jogos nas grossas areias da praia, pela noite dentro, iluminados pelos candeeiros do cais da Shell, se lhe notou o «jeito para bola», mas já só quando tocou os 17 anos é que se aventurou à secretaria do clube, largando, em clamor, à chegada: «Olhe, senhor, eu quero jogar no Leixões». Do guichet, soltou-se voz a dar-lhe a hora e o dia de um teste - e logo lhe disseram que sim, que o queriam para jogador do Leixões.
3. Dois meses após a assinatura, o FC Porto ofereceu ao Leixões 30 contos pela sua carta. A ele, de luvas, outros 30 contos lhe davam (e ainda lhe pagavam os estudos que quisesse). Nesse tempo em que, quem fosse apanhado em «atentado à moral e aos bons costumes», num parque ou um logradouro público, «com a língua naquilo» (sim, era o que dizia a portaria no seu pudor e se imagina o que era...) para além de «preso e fotografado», os leixonenses recusaram a proposta. E a ele, que nada lhe davam, passaram a dar-lhe 600 escudos por cada mês (que a valores de agora, equivaleriam menos do que 220 euros).
4. Num ápice o passaram à primeira equipa do Leixões - e não tardou que aparecesse o Sporting a oferecer por ele 350 contos (e o Valter). Como Valter se recusou ir para Matosinhos, exigiram mais dinheiro e frustou-se o negócio. Meses depois, foi estrela numa das maiores surpresas da história: o Leixões (onde também brilhavam Osvaldo Silva, Jacinto, Rosas, Ernesto...) ganhou a Taça de 1960-1961 ao FC Porto (no estádio das Antas).
5. O futuro sogro arranjou-lhe emprego no escritório do Grémio dos Armadores da Pesca - e já casado foi à tropa. Deram-lhe função de motorista do comandante do quartel. Era raro, mas acontecia - por questão de serviço ter de faltar a treino. Foi o que se passou antes de um jogo - e, por causa disso, acabou acusado de «falta de cumprimento de seus deveres e deslealdade para o clube», que o multou em 5 contos (que era mais do que o dobro do que lá ganhava).
6. Ao castigo que sofreu, achou-o tremendo injustiça - e a prova do seu «amor ao clube» deu-a logo depois: lesionado em jogo importante com o Salgueiros, pediu injecção que lhe «amansasse a dor» e, jogando fervoroso, a extremo esquerdo, ofereceu dois golos a Ernesto e mais dois a Osvaldo Silva. Por isso, quando, por meados de 1962, o Benfica lhe lançou a rede, o Leixões já não foi capaz de lhe impedir o salto...
7. Com Germano no estaleiro, Riera pô-lo a defesa central - e não mais o tirou de lá (Sim, foi nessa função que disputou ao AC Milan a Taça dos Campeões e a perdeu - como também perdeu, depois, em San Siro, a final de 1964-1965, para o Inter - no dia em que Germano teve de acabar o jogo à baliza e Costa Pereira teve de regressar em cadeira de roda).
8. No primeiro ano no Benfica, ganhou o seu primeiro título de campeão. A primeira Taça de Portugal foi de 1963-1964 - aquela em que com Lajos Czeiler a treinador, ganhou a final ao FC Porto por 6-2. (Nessa época o Benfica também foi campeão, campeão com 103 golos marcados em 26 jogos - e mais de 100 golos no campeonato é a meta que Bruno Lage tem agora ainda em vista...)
9. Nunca o escondeu: única mágoa foi não ter sido campeão europeu (a terceira final, contra o Manchester United fê-la a suplente). E se, nos sete anos de Benfica, só perdeu um campeonato (o de 1965-1966 para o Sporting), Taças de Portugal ganhou duas - a última foi a que, em Junho no «maior comício contra o salazarismo», no jogo que a Académica perdeu apenas no prolongamento através de golo de Eusébio. Aliás, essa partida ele já não a fez em campo - pois, semanas antes, Otto Glória decidira colocar o Zeca ao lado de Humberto Coelho, o central revelação da temporada (e, assim, deixou a Luz, e regressou ao Leixões...)"
António Simões, in A Bola
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!