terça-feira, 1 de agosto de 2017

Nova vida, segundo Vitória

"Há estratégia que Vieira não abdica: um Benfica financeiramente autossustentável e desportivamente forte. Não dependente de um resultado, de um jogo, de um campeonato.

Os treinadores não se cansam de dizer que interessa mais como acaba do que como começa, tentando, com esta argumentação, adiar até onde as circunstâncias permitem a assunção de fracassos anunciados.
É claro que em cada época, longa, difícil e sujeita a factores vários que se podem prever mas não se conseguem eliminar por antecipação, o sucesso costuma colar-se à regularidade dos que não se gabam nos momentos bons nem dramatizam nos maus. Dá preferência a quem, estando acima ou abaixo, mantém inabalável a força de acreditar sem jamais pôr em causa o valor dos adversários, o que nada tem a ver com a pretensão de ser melhor do que eles.
São situações absolutamente distintas, embora à mercê de interpretações dúbias, sobretudo no nosso país futebolístico, em que modernas técnicas comunicacionais que o bom senso não recomenda teimam em difundir: tudo vale para se alcançar um fim. Não é verdade, mas é assim, sendo desejo de quem gosta do futebol a sério que, de uma vez por todas, só haja espaço no palco para os artistas: primeiro os praticantes, porque sem eles não há espectáculo, depois os treinadores, que os orientam e valorizam, e os árbitros, a quem cabe zelar pelo cumprimento das dezassete leis de jogo.
Dizem ainda os treinadores que não há campeões de pré-época, porque se houvesse o FC Porto teria sido vencedor, o Sporting segundo e o Benfica terceiro. Olhando somente para o deve e haver dos resultados obtidos pelos três é esta a conclusão que se retira. Que reflexos no futuro próximo? Boa pergunta. Todos os anos se coloca e todos fica sem resposta. Nesta altura, apenas se dão palpites, uma imensidão deles. É o período se de exercitar a imaginação e de se arquitectarem soluções que correspondam aos anseios de quem se predispõe a óbvia perda de tempo.

O povo benfiquista confia em Rui Vitória e sente-se confortado pelo apelo à tranquilidade que o treinador tem feito: a seguir ao encontro com Hull City e em Londres, após duas derrotas que, independentemente da expressão e do significado, pensaram e provocaram dor no estado de espírito dos adeptos.
Cinco golos sofridos diante do Young Boys seriam inadmissíveis mesmo que fosse utilizada a equipa B, quando mais frente ao que se classifica de segundas linhas do plante principal, e este fim de semana mais cinco do Arsenal e mais dois com o Leipzig, embora aqui o foco problemático se tivesse localizado em notória incapacidade atacante.
Convém referir que será imprudente, e até injusto, apontar o dedo aos mais novos.
O que se viu na capital londrina foi gente aburguesada a esconder-se. Sabe-se que com Jonas e Fejsa se ergue um cenário, sem eles outro muito diferente, para pior. Também não tem relação com o tamanho dos artistas, porque Cervi foi enorme em disponibilidade e valentia. Dos restantes, há lugares no plantel que me parecem mal preenchidos: por falta de classe e/ou falta de vontade de quem os ocupa.
«Sabemos o que estamos a fazer», afirmou Rui Vitória.
Os adeptos do emblema da águia gostam do que ouvem, mas será aconselhável que tenham a noção de que este Benfica apresenta condições para se bater pela conquista do penta, não muito mais..
«A partir de agora segue-se nova vida, a vida do nosso clube, do nosso campeonato», sublinhou o treinador, respaldado na segurança de manter no plantel maioria dos artífices do seu primeiro título de campeão no Benfica, casos de Júlio César, Jardel, Luisão, Lisandro, Fejsa, Samaris, Salvio, André Almeida, Jonas ou Pizzi. Quase uma equipa completa, que tranquiliza, mas com mais dois/três anos,que inquieta.
Dos formados no Seixal saíram Ederson, Gonçalo Guedes, Lindelof, Nélson Semedo, Renato Sanches, além de mais uns tantos que sem oportunidade para reclamarem lugar no plantel principal foram colocados nos mercados europeus e trouxeram riqueza para o clube, exemplos de Cancelo, Bernardo Silva ou André Gomes.

uma estratégia em execução de que Luís Filipe Vieira não abdica: fazer do Benfica instituição financeiramente autossustentável e desportivamente muito forte. Não dependente de um resultado, de um jogo, de um campeonato.
As estruturas vão ser ampliadas e melhoradas, com a construção de mais instalações desde espaços desportivos e de acolhimento a um colégio para receber 800 alunos, como ontem foi revelado. Sem deixar cair no esquecimento, acrescento eu, a sublime ideia da casa do jogador, ou o que se lhe queira chamar: uma forma muito nobre de expressar gratidão pelos que representaram o emblema com dedicação e a vida não lhes correu de feição.
Vitória sabe que merece a confiança da administração. Não se sente prisioneiro dos resultados, tão pouco se admite a sua condenação por causa deles. Prometer o que não há para dar, navegar à vista da costa, construir e destruir ou recomeçar todos os anos, cada um dos rivais escolha o caminho que entender porque a tudo isso o presidente do Benfica atribui pouca/nenhuma relevância. O que verdadeiramente lhe importa é a solidez do seu projecto. O presente e a ponte que o vai ligar ao futuro: grandiosa empreitada em curso com a assinatura de Luís Filipe Vieira."

Fernando Guerra, in A Bola

Lei que é tal e qual um queijo suiço

"Não é novidade para ninguém que nenhum partido quer entrar em conflito com qualquer clube. Nos primórdios da nossa democracia dizia-se que a política não afrontava a Igreja, os bombeiros e o futebol, porque sairia sempre perdedora do confronto. Hoje, as coisas mudaram, ma non troppo. No caso das claques, a cobardia dos sucessivos governos tem sido gritante e só assim se explica que tenha sido aprovada uma lei com mais buracos que qualquer queijo suíço, com a qual é fácil conviver sem que o essencial - garantir a segurança e erradicar os hooligans dos estádios -  seja alcançado. A política, como arte do possível que é, coabita, sem problemas, com estas águas paradas do faz de conta e aos clubes tem dado jeito que ninguém abane com vigor os ninhos de vespas (e problemas) que são as claques.
Por tudo isto, apenas no dia em que houver vontade firme de resolver todos os problemas, haverá legitimidade para agir. Aliás, os próximos tempos encarregar-se-ão de confirmar, por omissão, esta realidade...
No plano desportivo, Matic, comprado pelo Benfica por cinco milhões e mais tarde vendido ao Chelsea por 25 milhões, foi agora por 45 milhões para o Manchester United; Bernardo Silva, da formação encarnada e vendido pelo Benfica ao Mónaco por 15 milhões acabou de custar 50 milhões ao Manchester City; André Gomes, também da cantera da Luz, chegou a Valência por 15 milhões e foi para o Barcelona por 35; Cancelo está a caminho da Juventus, o Bayern recusou 40 milhões do Milan por Renato Sanches e Guardiola diz-se encantado com Ederson.
Ser sinónimo de qualidade é a grande marca que o Benfica deve preservar..."

José Manuel Delgado, in A Bola

Coisas que vêm absolutamente a propósito

"Volta e meia, arquivamento cúmplices voltam à superfície comportamentos criminosos que alguns fazem o possível para esconder e esquecer. Mas a memória não prescreve!

momentos assim: cruzamo-nos com coisas absolutamente a propósito. Uma decisão de um Conselho de Disciplina. Uma tentativa de relativizar um comportamento criminoso. Um jeito especial para o revisionismo.
Nada parece ser o que foi.
As escutas estão aí para quem as quer e para quem não as quer ouvir.
Mas não vejam agora ilegalizadas, elas que foram autorizadas dentro de toda a legalidade.
Explique-se, de uma vez, para quem não entende: apenas não são válidas em sede de Processo Disciplinares.
Há dúvidas que restem???
Lembrei-me de um filme realizado por João Botelho que, depois, passou a não ser realizado por João Botelho.
Porque houve um produtor que procurou silenciá-lo.
Acreditem: há ainda muita gente que se esconde nas sombras canalhas da saudade de uma sociedade fascistas e castradora.
O filme baseava-se num livro.
O filme chamava-se Corrupção.
Lembram-se? Corrupção!
Uma vontade de esconder
Era a imagem ficcionada de uma realidade autêntica. Nomes trocados, como é natural, este também é um país judicialista no qual os processos se arrastam nos tribunais por tudo e por nada, mas sobretudo pela incompetência de muitos juízes.
Actores conhecidos, actores com nome na praça.
Um filme de personagens sinistras, de tempos sinistros.
O futebol como pano de fundo.
Dirigentes sem escrúpulos, árbitros comprados à custa de prostitutas, de viagens ao Brasil. Investigações concludentes que desaguam na areia das praias processuais de areia mole e pantanosa.
Denúncias que muitos pretendem ignorar.
Gente perseguida, gente espancada.
O espectador olha e vê: o mesmo país, as mesmas caras, os mesmos velhacos quase analfabetos, os mesmos xicos-espertos com as suas aldrabices e tranquibérnias.
Um mundo sub-mundo.
Tragam a verdade à superfície!
Arrastem-na pelos cabelos até ao sol claro do dia, retirando-a dos caminhos sinuosos da noite.
Jogadores aliciados, treinadores subvertidos.
O chefe-Capone de uma banda filarmónica de velhos obscuros.
Um simbolismo transparente.
Como Alice do outro lado do espelho.
Levantaram-se os obstáculos. Ergueram-se as trincheiras. Há sempre quem erga uma trincheira contra uma vida nova, lavada.
Facto, não é possível ainda ter um país que fuja à sua intrínseca pequenez. Pequeno país de grandes corruptos. País pobre rico em canalhas.
Querem negar a realidade? Esconder o que não pode ser escondido?
Esconder aquilo que todos conheciam e, de repente, surgiu às claras, na sua infinita porcaria quase pornográfica?
Uns teimam em esconder, outros teimam em revelar.
Até quando este braço de ferro de teimosia?
'Há sempre alguém que resiste
Há sempre alguém alguém que diz não'.
Silêncios convenientes, arquivamentos cúmplices.
Na sombra desprezível, sempre a mesma ironia sórdida.
Há gente que se ri da seriedade dos outros.
Só que, como dizia Iva Delgado, 'a memória não prescreve',"

Afonso de Melo, in O Benfica

«Fuja sr. árbitro. Fuja!»

"Uma violenta invasão de campo, um Benfica-Belenenses que durou 43' e o sensato Toni que salvou a honra do convento.

Às 15h do dia 25 de Janeiro de 1970 era dado o pontapé de saída da 16.ª jornada do Campeonato Nacional. Um Benfica-Belenenses em dia de festa: Eusébio fazia 28 anos. Mas o que era para ser só mais um jogo acabou por se transformar num episódio inédito no futebol português. Tudo por causa do árbitro, João Nogueira, cuja dualidade de critérios deixou o público de cabeça perdida.
O jogo começou com as duas equipas a cometerem faltas graves, mas só os 'encarnados' foram severamente sancionados. Aos 35' Torres foi expulso por deitado ao chão um adversário e aos 43' foi a vez de Malta da Silva, que atingiu um 'azul' numa perna. Foi a gota de água. O 3.ª Anel transformou-se numa 'onda avassaladora de insensatez' que irrompeu campo adentro. Pessoas de guarda-chuva em riste convergiam para um único ponto: o árbitro, que só se apercebeu de gravidade da situação quando Toni lhe gritou 'Fuja sr. árbitro. Fuja!' e começou a correr ao seu lado, protegendo-se com o seu próprio corpo, qual escudo. 'Acompanhei-o até às escadas que conduzem às cabinas. Matavam o homem!'. A meio do sprint o árbitro ainda levou com um guarda-chuva nas costas e assim que pisou o primeiro degrau desequilibrou-se e lá foi ele aos trambolhões escada abaixo. Quando aterrou estava combalido, mas vivo! O jogo terminou ali, aos 43' com 0-0 no marcador. 'Naquele «inferno» qual era o árbitro que voltava a arriscar a vida?', atirou, já à porta do Estádio, de onde saiu protegido num carro da polícia.
O episódio caiu como uma bomba na imprensa. Dezoito países noticiaram o sucedido e durante quase um mês não se falou noutra coisa. Haveria repetição de jogo? Aceitar-se-ia o empate? A 18 de Fevereiro a Federação punha finalmente um ponto final no assunto. O Estádio da Luz ficaria interdito durante oito jogos e o resultado do Benfica-Belenenses mais curto de sempre ficava no 0-0.
Mais tarde, quando questionado sobre a sua atitude para com um árbitro que estava claramente a prejudicar o Benfica, Toni foi claro: 'Cumpri  meu dever de solidariedade apenas', mas a verdade é que foi o gesto nobre e altruísta do 'Senhor Benfica' que salvou o bom nome do desporto-rei naquele tarde.
Pode conhecer esta e outras histórias na exposição Lisboa e Benfica - 20 Clubes, 20 Histórias, até 30 de Setembro na Rua do Jardim do Regedor, em Lisboa."

Marisa Furtado, in O Benfica

Aleluia, os jogos a feijões estão no fim

"Se houvesse uma racionalização de meios, com menos seria possível fazer muito mais, resistindo à tentação de comprar por comprar...

O FC Porto partiu para esta época muito condicionado, obrigado a manter as contas no agrado da supervisão do fair-play financeiro da UEFA. Sem muitos ovos para as omeletes que queriam fazer, os dragões começaram por contratar um treinador de pelo na venta, capaz de encarar os problemas de frente e partir em busca de uma boa solução com os meios disponibilizados. Aliás, foi assim que escreveu uma página de sucesso em Nantes. Resolvida a questão do treinador, haveria sempre a situação do plantel. Aqui chegados, os portistas fizeram aquilo que o bom sendo mandava: mantinham as pedras fundamentais e recuperavam os emprestados que dessem maiores garantias. Foi assim que o quarteto de segurança - Casillas, Marcadno, Felipe e Danilo - não foi colocado no mercado (pelo menos até à hora em que escrevo...) e que jogadores como Brahimi, Corona, Otávio e Soares continuam de azul-e-branco. A ele juntaram-se Ricardo Pereira e Aboubakar, sendo o resultado muitíssimo interessante para Sérgio Conceição. É curioso verificar como o único dos três grandes a mudar de treinador é aquele que parte para a nova temporada com maiores pontos de apoio vindos da época anterior. Isso remete-nos, afinal, para outra questão: se houvesse uma racionalização sistemática na construção dos plantéis (e não apenas quando a UEFA está à perna), com muito menos far-se-ia muito mais. No FC Porto e em todos os outros clubes que parecem não resistir à vertigem dos negócios, que na maior parte das vezes redundam em barretes.
Para já, enquanto o Sporting procura um onze que lhe dê hipóteses no play-off da Champions (paga o preço de ter desvalorizado as competições europeias...), o Benfica vai conhecendo, através de experiências, se não dolorosas, pelo menos traumatizantes para o prestígio internacional, as limitações do plantel. Parece claro que os encarnados precisam de ir ao mercado em posições importantes para o equilíbrio defensivo da equipa. Rui Vitória, prudente e solidário, não tem feito pedidos públicos de jogadores, mas é evidente que é ele o primeiro a saber que as coisas não estão bem e que o Benfica carece de reforços. Aliás, os jogos de preparação servem para isto mesmo afinar a equipa com os que estão e perceber se é preciso contratar mais alguém. E é!
(...)"

José Manuel Delgado, in A Bola

PS: Nesta análise sobre a pré-temporada dos Corruptos, não seria descabido, realçar, que o nível médio dos adversários, foi baixo, muito baixo... Com a excepção do Neuchatel Xamax, todos os outros adversários do Benfica nesta pré-época, têm um orçamento mais alto do que os adversários dos Corruptos, muito mais alto... incluindo o Hull City!!!