quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Sabor, decepção, hábito

"O futebol foi abrindo noticiários, mas fechando corações. Foi passar a girar à volta do nada e perder a centralidade do jogo.

O saboroso
Começo pelo melhor. Falo do programa da RTP, a 'Grandiosa enciclopédia do Ludopédio'. Semanalmente, aos sábados, desde 2015, é possível ver um programa sobre futebol, é feito com alma, serenidade, conhecimento e sensibilidade. O de sábado passado foi o seu número 100, que, em televisão, significa quase uma eternidade. Tive o gosto e o privilégio de ter sido convidado para participar no centenário, assim fazendo companhia ao moderador Carlos Manuel Albuquerque e aos mestres Rui Miguel Tovar e João Nuno Coelho, que, em conjunto, têm sabido com eloquência e leveza (muito diferente de ligeireza) oferecer-nos uma quase hora semanal de viagem pelo passado do Ludopédio planetário. Verdadeiro serviço público, porque fazendo parte da memória colectiva e transmitindo, com pedagogia e sentido ético, o que representou e pode representar uma actividade sem fronteiras e com presença frequente nas nossas vidas.
Dizia William Faulkner que «o passado não só não passou ainda está para vir». Devo dizer que, no actual momento por que passa o futebol português, bom seria que aquela máxima se lhe pudesse aplicar. O futebol é isso mesmo: ludopédio, quer dizer jogo (prazer) com os pés (mas com cabeça). Ao passar de ludopédio puro, para desporto, depois para espectáculo, em seguida para negócio e, por fim, para uma chamada indústria, o futebol foi abrindo noticiários, mas fechando corações. Foi passar a girar à volta do nada e perder a centralidade do jogo. Foi perder o humano e o simples para glorificar o dinheiro e a iconografia do sucesso. Foi perder a sacralidade do ofício, para absorver a futilidade da aparência.
É também por esta via de reviver com saudade, mas sem saudosismo, o futebol, que vejo e me delicio com o programa, e, assim, me afasto de enxurradas de lixo que nos entram pela casa dentro. Para estas lixeiras, o passado não existe e o futuro pouco importa. Basta a ilusão do presente. Lirismo da minha parte? Talvez sim, mas foi assim que nasci para o futebol entre intrépidas rivalidades e humanas personalidades.
Para quem quiser lavar a alma com consolo e fruir da sabedoria dos protagonistas do programa, só pode pedir «venham mais cem...» (programas). Ou, parafraseando a canção de Zeca Afonso, «venham mais cinco...» (centenários).

O decepcionante
Campeão do Mundo por quatro vezes e finalista por seis ocasiões, fica fora do Mundial-2018, depois de 50 anos ininterruptos de presenças. Pessoalmente, tenho pena. A Itália - mesmo que em crise - faz falta (como também o faz a Holanda).
Porquê, perguntaremos. É certo que na fase de grupos, a Itália só perdeu um dos 12 jogos, precisamente com a Espanha e no play-off com a Suécia só foi batido por um decisivo golo. Mas, há muito se anteviam consequências de uma silenciosa degradação do futebol transalpino. Escrevia o Corriere della Sera no dia seguinte ao da eliminação: «Doente em técnica, finanças e política. Praticantes sem jogo, dirigentes-empresários e jogadores-empresa, pobreza gestionária, liga sem guia». Em Itália, 54,3% dos jogadores da série A não são italianos (creio que em Portugal deverá também andar por esta cifra, senão mesmo maior) e - pasme-se - 30% são estrangeiros no que lá chamam o campeonato Primavera (mais ou menos equivalente à série A júnior).
Quando olho para jogos do campeonato italiano, verifico a falta de qualidade e inovação na maioria dos estádios, quase sempre maio-vazios. A isso não será certamente alheio o facto de só quatro clubes na série A terem estádio próprio (Juventus, Udinese, Atalanta e Sassuolo) e na série B apenas um (Frosinone)! Aliás, mesmo como produto de exportação, a Série A italiano deixa muito a desejar, se comparada com as Ligas inglesa, espanhola e alemã. Jogos chatos, soporíferos, lentos e pouco entusiásticos. Nos últimos anos e com a excepção da Juventus e, aqui ou acolá, do Nápoles e da Roma, as equipas jogam muito pouco. Veja-se o caso dos clubes de Milão - AC Lilan e Inter - para já não falar da Lazio e Sampdoria, outros reinantes na Europa. Nas competições europeias e nesta década, se exceptuarmos a Juventus duas vezes finalista derrotada na Champions, não há vencedores italianos. E na Liga Europa teríamos de recuar 19 anos para encontrar finalistas transalpinos!

O habitual
Bafejados por um sorteio que lhes permitiu jogar no seu reduto, Benfica, Porto e Sporting seguem em frente na Taça, com mais ou menos dificuldade. O Porto nos magnânimos 7 minutos, o Sporting surpreendentemente a precisar de um magnífico Rui Patrício e sobre o Benfica falarei adiante.
Os oitavos de final apresentam-se matematicamente interessantes: 8 equipas da 1.ª divisão (entre as quais as seis melhores equipas, com a excepção do Sp. Braga), 4 do 2.º escalão e ainda 4 resistentes do 3.º, escalão. O sorteio de hoje será por isso interessante.
O Benfica venceu um histórico da Taça - o Vitória de Setúbal - com uma exibição razoável na primeira parte e medíocre no 2.º tempo. Vá lá saber-se porquê. Como aspectos positivos, o renegado Bruno Varela, o já indiscutível Krovinovic, o regressado Cervi (continuo a não perceber porque não joga mais) e o surpreendente Keaton Parks que me parece um jogador com bom futuro. Negativamente, Samaris faltoso por excesso (merecia, de facto, um amarelo) e Douglas que sendo defesa não sabe sequer defender, ainda que ataque bem.
Mais um jogo muito falado quando à arbitragem. Aliás, os jogos do Benfica, mesmo que iguais aos dos adversários directos, são sempre eleitos para a acidez do costume. Percebe-se o intuito... Vejamos neste caso o que sucedeu. O treinador do Vitória José Couceiro, um homem do futebol que aprecio pela sua serenidade, cultura e sensatez, desta vez falou de um penalty não marcado como não havia falado do mesmo modo quando a sua equipa perdeu em Alvalade com um penalti mais do que discutível. O ambiente que agora se vive no futebol português favorece a facilidade com que se analisam as arbitragens em jogos contra o Benfica. Num ponto, porém, Couceiro tem razão: o da tendência para os clubes menores serem desfavorecidos no tom da arbitragem nos jogos com os grandes. Voltando à Luz, não se pode apenas ver o lance do admissível penalty de Bruno Varela, sem se falar de dois penalties favoráveis ao Benfica (um deles nas barbas do árbitro, sobre Krovinovic) e um fora-de-jogo inacreditavelmente não assinalado que só não deu golo do Vitória porque o guardião encarnado fez uma grande defesa.

Contraluz
- Exemplo I: Gigi Buffon
A poucos jogos de ser o mais internacional do planeta e impossibilitado de fazer o seu sexto Mundial, o guarda-redes da Nazionale e da Juventus mereceria bem mais. Comovido e comovente, Buffon evidenciou a sua classe de jogador e de homem no momento de provável despedida dos grandes palcos com a maglia azurra.
- Exemplo II: Tarantini
Assim é conhecido futebolísticamente Ricardo José Alves Monteiro. Jogador do Rio Ave há muitos anos, terá passado ao lado de uma grande carreira num dos grandes, dado o seu perfil de homem e jogador. Em 14 de Novembro deu uma entrevista em A Bola, reveladora do seu carácter e percurso. Não aturdido pelo fascínio temporário do futebol tratou de cuidar do seu futuro e de investir na sua formação.
- Ausência: Grandes jogadores do Rússia-2018
Para além de Buffon, o Mundial da Rússia não verá jogadores como Gareth Bale (País de Gales), Arjen Robben (Holanda), Alexis Sanches e Arturo Vidal (Chile), Aubameyang (Gabão), Pjanic (Bósnia). E por pouco Messi lá está... enfim, uma camioneta de milhões e o sofá cheio de sonhos.
- Ameaça: «Cristiano Ronaldo quer sair do Real Madrid»
É recorrente. De quando em vez, falso ou verdadeiro, lemos este desejo. Para uma equipa que está a 10 pontos do líder Barcelona, não é a melhor altura para estes estados de alma...
- Paciência: Gonçalo
Tal pai, tal filho. Afirmou que «na Luz há sempre coisa estranhas». Gostava de o ver dizer isso no Dragão..."

Bagão Félix, in A Bola

1 comentário:

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