"Confesso que não deve ser agradável acordar e perceber que, desta ou daquela forma, informações que julgávamos confidenciais (e por isso mesmo só ao alcance de meia dúzia de pessoas… quanto muito) circulam, sem qualquer controlo, nas redes sociais. Isso não é simpático se estivermos a falar de documentação sensível respeitante a um clube (ou SAD), da mesma forma que seria desconfortável se em causa estivesse o nosso extracto bancário, a declaração de IRS de um familiar próximo ou o ficheiro clínico de um amigo.
Feita a introdução – onde, ainda que genericamente, posso dizer que me solidarizo com todos os que, em nome individual ou colectivo, viram informação que pensavam privada tornar-se totalmente pública – devo acrescentar que, como tantas outras pessoas, também não resisti à tentação de ir visitar o blog do momento, o “Football Leaks”. E ressalvando o que atrás afirmei…gostei do que vi. Dito de outra maneira: gostei do que me proporcionaram ver. Há ali muita matéria interessante. Para quem é jornalista, é certo, mas igualmente para qualquer adepto. E se assim é, tal como sucedeu com a “Wikileaks” em relação a outras áreas, ainda bem que alguém a disponibilizou. O interesse público é evidente. E não diminui por, quase de certeza, o material ter sido obtido de forma ilegal. Isso é outra questão.
Não é segredo para ninguém que o futebol esconde (cada vez menos) um mundo de práticas, no mínimo, discutíveis. E por muito que nos tentem dizer que a lei protege determinados comportamentos ou ligações, a verdade é ninguém com dois dedos de testa precisava do aparecimento do “Football Leaks” para saber que, numa milionária indústria, que movimenta milhões e milhões de euros por ano, existe muita coisa com cheiro nauseabundo. E pouco me importa se, neste ou em qualquer outro caso, os holofotes incidem mais sobre o clube A, B ou C. Para mim, ao mais alto nível, em Portugal, na Europa ou onde quer que seja, poucos (para não dizer ninguém) devem aproveitar este ou aquele momento ou facto para atirar pedras ao telhado do vizinho. É que rapidamente o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro. Será, apenas e só, uma mera questão de tempo.
É normal que clubes, dirigentes, treinadores, jogadores ou empresários fiquem aborrecidos por verem escarrapachados na net dados que, em teoria, não deviam ser públicos. No entanto, se o futebol se regesse por regras diferentes, talvez todo este alvoroço não existisse. Seria assim tão ilógico, por exemplo, que no futebol, tal como sucede na NBA (e nas restantes ligas profissionais do desporto norte-americano), os salários dos protagonistas fossem públicos? Viria grande mal ao mundo se existissem tectos salariais, de modo a procurar o maior nivelamento possível entre todos os participantes numa competição, apesar de uns serem mais ricos que outros? Não me parece. E, naturalmente, poderíamos enumerar outras situações. Não vale a pena.
Nunca ouvi um profissional do desporto norte-americano lamentar-se por o seu salário ser do conhecimento público. E faz sentido que assim seja. Eles ganham todos muito, mas apenas e só porque lhes reconhecem talento e, claro, existe alguém disposto a pagar. De resto, se há um ror de dólares em torno da sua modalidade isso deve-se à popularidade do desporto, ao seu impacto. E isso está directamente ligado aos milhões de adeptos que fazem circular esse dinheiro das mais diversas formas. Logo, se é o povo quem paga a festa… é normal que qualquer cidadão saiba quanto recebe o jogador A ou B. Isto é completamente pacífico. Ou melhor: lá é…
Assim sendo, quero destacar a forma tranquila como Jorge Jesus reagiu ao facto de terem sido tornados públicos os termos do seu actual contrato com o Sporting. Pura e simplesmente borrifou-se para a questão. E fez bem. Ele recebe o que o clube lhe ofereceu (ou o que ele pediu, o que para este caso dá no mesmo) e ponto final. Se é muito ou pouco, todos podemos ter a nossa opinião, mas isso é irrelevante para o processo. De resto, todas as cláusulas existentes, por muito que nos pareçam adequadas ou desajustadas, são apenas o resultado do entendimento entre duas partes. Tudo normal.
Posto isto, importa salientar que, com excepção da questão abordada logo de entrada, só vejo uma razão para existirem muitos nervos de Norte a Sul com o aparecimento do “Football Leaks”: medo de que as desconfianças de todos nós acabem, perante a observação de determinados documentos, por se tornar realidades incómodas. Aliás, mesmo que tudo o que venha a lume possa ser legal, em alguns casos, pelo menos, vamos poder perceber que houve gente a mentir (ou a tentar iludir). Aos jornalistas, aos accionistas, aos adeptos, a toda a gente.
Destaco também a forma enérgica como, num ápice, apareceu uma legião de contestatários a criticar o “modus operandi” do “Football Leaks”. Aceito quem seja contra a publicação deste tipo de informação confidencial, mas estranho que entre esses apareçam muitos que, ao longo dos tempos, se têm entretido a dizer cobras e lagartos da Comunicação Social, alegando que não investiga, que tem medo, que sabe de determinadas coisas e se acobarda, etc, etc. Ora, se assim é, então não deviam aplaudir que a imprensa, quase que unanimemente, tenha dado eco às revelações do blog em causa? Ainda por cima, parece não haver a mais pequena dúvida de que os documentos são verdadeiros. E se o são, qual é o problema de divulgá-los? Aliás, muitos até ajudam (e acredito que continuarão a ajudar no futuro…) a provar que, afinal, algumas coisas que os adeptos pensavam ser mentiras dos jornais… eram verdade."