quarta-feira, 17 de junho de 2015

Glorioso SLB

"Um ano quase perfeito do Benfica: tetracampeão de basquetebol, tricampeão de voleibol, bicampeão de futebol e «o campeão voltou» em hóquei em patins e futsal. Refiro-me aqui apenas às competições masculinas colectivas com bola, mas não secundarizo outras modalidades, como o atletismo e as provas femininas (no hóquei em patins, ganhando tudo, cá e na Europa).
Um pecúlio notável que não é fruto do acaso. Nem da sorte. Como se costuma dizer, a sorte só vem antes do trabalho no... dicionário. Resulta da grandeza de um clube radicalmente eclético e de um persistente e bem estruturado plano que dá já os seus frutos em plenitude. Se juntarmos os últimos 2 anos, o Benfica conquistou 8 campeonatos, o Porto 2 (andebol), o Valongo 1(hóquei, 2013/14) e o Sporting 1 (futsal, na época passada).
Por isso, como benfiquista que gosta de futebol, mas também muito das outras modalidades, felicito os órgãos dirigentes, nas pessoas do presidente Luís Filipe Vieira e do vice-presidente Domingos Almeida Lima.
E também endereço a minha gratidão aos técnicos que souberam potenciar conjuntos de atletas excelentes. Falo de notáveis exemplos de benfiquismo e de competência como Carlos Lisboa, José Jardim e Pedro Nunes. Falo do jovem e sereno técnico de futsal Joel Rocha (soube-me bem a vitória, e logo em casa do eterno rival). Falo, evidentemente, de Jorge Jesus, decisivo para o tão ansiado bicampeonato depois de 31 anos de 'bijejum'.
Também nas camadas mais jovens tem havido títulos e futuro assegurado. Na época que se avizinha, espero mais vitórias. Com Rui Vitória e os treinadores vitoriosos que continuam."

Bagão Félix, in A Bola

O que espera Rui Vitória no Benfica

"1. O talento individual é a base para a excelência dos desportos colectivos, mesmo sabendo que o êxito mais relevante só chega depois de harmonizados todos os elementos em causa. Por isso o treinador é peça tão importante na construção de uma equipa. O futebol, como espelho da sociedade, sugere a cada um o desejo de expressar-se de acordo com os valores que defende. Num grande clube, o conceito de sucesso não comporta apenas a vitória: depende muito do modo como é alcançada. Aos 45 anos, e depois de peregrinações menores, Rui Vitória é o novo treinador do Benfica. Diz-nos o passado que nem todos os profetas escalam a montanha à primeira tentativa. Mas o caminho não tem escapatórias: o treinador só chegará ao céu se levar os jogadores a aceitar o rumo que lhes é dado.
2. Todas as decisões contribuem para dar personalidade a uma equipa: toque ou pontapé para a frente; defender à zona ou homem a homem; jogar por dentro ou por fora; com um ou dois avançados no eixo central. Se as alternativas ao modelo são reduzidas (a grandeza do Benfica abrevia boa parte das opções, ficando apenas por calibrar elementos como vertigem, equilíbrio, aventura, disciplina, risco, organização), em termos tácticos veremos se resiste o 4x1x3x2 de JJ, com dois avançados, vincada exploração dos flancos e uma dupla de médios com a funcionalidade de Javi e Aimar; Javi e Witsel; Matic e Enzo; Samaris e Pizzi. Mesmo que a exequibilidade do novo paradigma imaginado para o futebol benfiquista (mais formação e menos investimento) tenha sido posta em causa, RV só tem de juntar ao pedagogo o treinador que sempre foi.
3. Vitória beneficia também da identificação com a cultura da casa, vantagem que lhe permitirá mais consistência nas decisões. Por experiência, sentimento e sensibilidade, sabe que o Benfica, mais ainda após seis anos de ouro que interromperam o ciclo miserabilista das últimas duas décadas, recusa ver-se reduzido a equipa moldada pelos princípios estritos de pragmatismo, ordem, disciplina e profissionalismo. A riqueza da história e o brilho do troço conduzido por Jorge Jesus dão lustro ao orgulho de uma família que rejeita alterar a sensibilidade e a tendência estética definida no código genético. RV, que teve de dançar ao ritmo de diferentes músicas em Guimarães - chegou a fazê-lo na mesma temporada -, atingiu patamar cuja lógica de grandeza não tem comparação.
4. RV vai ter de adaptar inteligência e talento à construção de um exército que respeite o passado da grande potência; que gere felicidade entre o seu povo, enobreça o jogo, estimule o espectáculo, valorize os soldados e promova o negócio. Nem todos os generais triunfam debaixo de tanta pressão, marcada pelo escrutínio impiedoso dos adeptos e pela cobrança instantânea do circo imenso que gira à volta. Homem firme de perfil discreto, RV tem pela frente um mundo novo por descobrir; uma dimensão superior para testar a bagagem de saber que o trouxe ao topo sem saborear o inêxito. Só perante desafios tão transcendentes o ser humano testa a solidez do conhecimento que possui, os fundamentos da proposta que apresenta, a força das ideias que defende e a espessura da personalidade que o suporta. A tarefa é difícil mas não impossível; cumpre o sonho de uma vida mas não danifica a ambição; alimenta dúvidas mas não mata a esperança.
(...)"

Panenkas e formação

"Caro Raphael Guzzo, até hoje nunca usei esta minha coluna para me dirigir a alguém sob a forma de carta mas, porque há sempre uma situação em que vale a pena quebrar as regras, cabe-lhe a si ser o destinatário. 
Antes de mais quero dizer-lhe, admitindo a minha fraqueza, que me apeteceu insultá-lo pelo penalty falhado no jogo com o Brasil. Claro que apeteceu, é futebol, é ganhar, é perder. É emoção pura, e perder é sempre pior do que ganhar.
Limitei-me a um desabafo na hora, mas, acredite, não é nada contra si. Só não falham grandes penalidades os medíocres: os que não têm talento para jogar futebol; os que, tendo, não têm coragem de se chegar à frente.
E foi por isso que, no dia seguinte, voltei a ter vontade de insultá-lo, quando li no Facebook a sua emocionada mensagem. Diz o Raphael que deixou ficar mal os colegas, os amigos e a família? Desculpe o paternalismo, mas... enlouqueceu? Quem deixa ficar mal o País não são os futebolistas que falham pontapés, antes os que roubam e corrompem, os que por omissão permitem o perpetuar dos erros. Não volte sequer a pensar «não vou dizer que não têm razão» os que o insultaram com mensagens de ódio! Claro que não têm! Só gente irracional pode insultar quem falha um pontapé! Não se encolha, não carregue a culpa que não é sua. Sim, podia ter chutado ao ângulo, mas fez aquilo em que acreditava. Correu mal, é verdade, mas, convenhamos, por alguma razão aos 20 anos ainda joga nas selecções de formação.
Acredito, então, que tenha aprendido que o penalty à Panenka só era bom quando ninguém o marcava e que agora que está banalizado deixou de resultar. Ainda vamos rir juntos quando marcar o penalty que dará a Portugal o título Mundial em 2018!"

Nuno Perestrelo, in A Bola

Nome de águia

"Na primeira aparição pública à Benfica, Rui Vitória revelou inteligência e maturidade. Para já, entrou a ganhar
O novo treinador do Benfica chegou à Luz pela mão do presidente, mas previamente condenado a ter de conquistar a maioria dos adeptos, já que um passado benfiquista não é suficiente para aplacar mágoas e sentimentos de vingança provocados pela saída de Jorge Jesus, mantendo-se viva a discussão se saiu pelo próprio pé ou foi empurrado. De véspera, Luís Filipe Vieira teve o cuidado de abrir o caminho a Rui Vitória, deixando claro que não é homem para decidir por impulsos. Reforçou a ideia de o projecto estar à frente dos nomes e, na passada, respondeu a quantos defenderam a contratação de Marco Silva, ao jeito de retaliação.
A escolha de Rui Vitória aparece desde o início colada a uma projectada mudança de paradigma, fazendo da formação bandeira de futuro, ideia simpática para agradar às massas, mas irrealista de ponto de vista desportivo, pois toda a gente sabe que é de todo impossível de um ano para o outro pegar em cinco jogadores da academia, pô-los a jogar e continuar a ganhar. Foi no arrefecer dessa ideia de uma aposta incondicional na formação que Vitória começou a pontuar. O treinador anunciou ambição, mas não se esqueceu de referir o principal objectivo da temporada: o tri. Do mesmo modo avisado, deixou clara a intenção de não mexer no que encontrar bem feito, aproveitar o sistema de jogo e a estrutura da equipa e ir colocando cunho pessoal com o passar do tempo. Para além de ter nome de águia, vê longe. Ah! Está desejoso por medir forças com Jorge Jesus mas sem que nenhum deles conte a sério. Importante será o Benfica-Sporting."

O "déjà vu" pode ser útil

"Até agora, ainda não há defeitos visíveis nos controversos Jogos Europeus
Apanhados em cheio pelo escândalo FIFA e entregues a um país tão puro e cristalino como o Azerbaijão, os primeiros Jogos Europeus resvalaram num instante para a suspeita. Jornais tão fidedignos como o inglês The Guardian escreveram que eram apenas uma forma de os Comités Olímpicos da Europa acederem ao negócio tão apetecido (e sinuoso) dos grandes eventos "a la FIFA". Em parte, é por causa disso que são combatidos pelas confederações do atletismo e da natação, que já vão tirando lucro dos seus próprios campeonatos continentais e não querem concorrência. É verdade que as medalhas portuguesas no ténis de mesa, no taekwondo e na canoagem são repetições do que sucedeu nos respectivos Europeus (as mesmas competições e os mesmos competidores deram nos mesmos vencedores, que surpresa), o que faz estes primeiros Jogos parecerem uma espécie de prova dos nove de luxo. Mas também é verdade que trazem aos vencedores uma ratificação valiosa, em ambiente já muito próximo do Olímpico, que por cá é sempre tido como perturbador para os portugueses. E ainda, obviamente, um prolongamento da glória e de um momento de superioridade competitiva que não faz mal nenhum aproveitar. O ténis de mesa, o taekwondo, o triatlo e até a canoagem não sofrem, propriamente, de excesso de atenção. Ou seja, para os interesses de Portugal, ainda não vi defeitos nos Jogos Europeus. E menos ainda verei se, como desconfia o The Guardian, daqui por alguns quadriénios eles começarem a render muito dinheiro e a produzir Blatters. Não me importaria nada que o Comité Olímpico de Portugal, que vai buscar 85% das receitas ao Estado, tivesse a conta bancária da FPF."

O filho do mestre do jogo da pata

"Teve convites para jogar no Atlético de Madrid e no Real Madrid, mas teimava: «A sair da minha terra, só para jogar no Benfica». Domingos Carrilho Demétrio foi uma das grandes lendas do futebol português: chamavam-lhe Patalino.

Hoje, se me dão licença, falarei de alguém que nunca jogou no Benfica. Não deixou, por isso, de ser uma das mais lendárias figuras do Futebol português. Domingos Carrilho Demétrio: o Patalino. Não jogou no Sport Lisboa e Benfica, mas jogou no Sport Lisboa e Elvas, clube da cidade onde nasceu em 1922 e filial do Sport Lisboa e Benfica, como está bem de ver.
Numa entrevista à famosa revista «Stadium», já na altura adiantadíssima para a época, Patalino confessou a sua alma 'encarnada'. Que sim, que tinha uma paixão pelo Benfica, que o Benfica seria o único clube que o faria deixar o seu Alentejo natal, mas que não conseguia, que as saudades eram mais fortes, que nada o arrastava para fora da sua zona raiana por mais convites que tivesse.
E teve. Imensos! O Sporting pensou nele para jogar ao lado de Peyroteo e poder um dia substituir o homem de Humpata. Patalino não foi.
Houve o Bordéus, até o Real Madrid... E Domingos Carrilho Demétrio aferrado ao seu rincão, preso ao Alentejo, às suas paisagens melancólicas, à sua gente pacífica.
Quando Patalino começou a jogar, Elvas era terra de Futebol. Havia o Sport Lisboa e Elvas, filial n.º 6 do Sport Lisboa e Benfica, havia o Sporting Clube Elvense, filial do Sporting Clube de Portugal, havia o Clube de Futebol «Os Elvenses», filial do Belenenses.
O Sport Lisboa e Elvas ganhou destaque ao conseguir ascender em 1946, à I Divisão. Patalino era a estrela da companhia, que contava com gente como Massano, Toninho, Morais, Aleixo ou Rosário, por exemplo.
Gente finíssima.
Esse dia 9 de Maio de 1948
No dia 13 de Janeiro de 1946, Patalino estava no Campo Grande para defrontar o Benfica.
Rezam as crónicas (não juro, porque não tenho elementos para isso) que foi o primeiro jogo oficial entre um clube e uma das suas filiais.
Vitórias, sobre a Oliveirense,Vitória de Guimarães e Boavista tinham feito recair o interesse sobre a equipa alentejana.
Por isso, o público não faltou.
Escrevia Ribeiro dos Reis, um dos grandes mestres: «O Sport Lisboa e Elvas tem um grupo curioso, que faz um futebol agradável de seguir e que representa condignamente a sua região. O sector do ataque, especialmente o trio central, deixou bom cartel. Movimentam-se todos bem, sabendo desmarcar-se e lutando com brio e entusiasmo. Mostraram-se decididos em frente da baliza, o que constitui virtude de grandes méritos. O seu segundo e último 'goal' foi um modelo de boa execução e mereceu plenamente os vibrantes aplausos do público».
O segundo «goal» foi de Alcobia; o primeiro de Patalino.
O Benfica marcou cinco: Rogério Pipi (2), José da Luz, Moreira e Aleixo na própria baliza. O encontro ficou, portanto, para a história.
E Patalino continuaria a marcar golos e golos.
Alguns ao Benfica.
No dia 9 de Maio de 1948, a três jornadas do fim do Campeonato, dá uma machadada decisiva na hipótese de o Benfica vir a ser campeão. Senhor de uma categoria rara nos avançados do seu tempo. Patalino faz desgraça no Campo Grande com dois golos em 30 minutos, fazendo da resposta de Rogério Pipi na segunda parte um mero acaso estatístico.
Nessa altura já Patalino jogava n'O Elvas - Clube Alentejano de Desportos, resultado da fusão entre Benfica e Sporting, ou seja, entre Sport Lisboa e Elvas e Sporting Clube Elvense, vindo a tomar o lugar do primeiro no Campeonato Nacional da I Divisão.
Patalino?, perguntarão os meus estimadíssimos leitores... Sim, Patalino de alcunha. O seu pai tinha fama de ser grande campeão do jogo da pata, um jogo tradicional disputado com dois paus, e daí Domingos Carrilho Demétrio, ter ido dar em Patalino.
Antes do Sport Lisboa e Elvas (e a seguir O Elvas), jogou n'Os Elvenses e no Lanifícios de Portalegre. Rápido, eficaz, com uma capacidade física impressionante, foi émulo de Peyroteo, embora à distância, e foi chamado à Selecção Nacional lado a lado com o mesmíssimo Peyroteo, com Rogério Pipi, Bentes, Jesus Correia, Araújo, Travassos e todos os grandes da sua geração.
Em 1947 recusa 150 mil pesetas e um ordenado de 2500 pesetas para jogar no Atlético de Madrid. «Para abandonar a minha querida terra só o faria pelo Benfica».
Nunca veio para Lisboa. E saiu de Elvas pouco tempo depois de O Elvas ter baixado de divisão. Não foi para longe. Assinou pelo Lusitano de Évora e voltou a jogar na I Divisão e a defrontar o Benfica.
Em 1956 estava no Serpa. Depois veio o Luso do Barreiro e o Arrentela onde ainda se cruzou com aquele que viria a ser por muitos anos dono da baliza do Benfica: José Henrique.
No Futebol, como no firmamento, as estrelas têm por hábito cruzar-se. E deixar atrás de si o rastro brilhante das lendas..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Proeza que bateu de longe todos os prognósticos

"Nem os furúnculos, nem a chuva impediram José Maria Nicolau de vencer a X Porto-Lisboa num impressionante tempo recorde.

Em 1932, após cinco anos de interregno, foi retomada a Porto-Lisboa em ciclismo. Seria a primeira vez que José Maria Nicolau participaria nesta dura prova de 340 quilómetros percorridos de uma só vez entre o Porto e a capital.
Mas por azar, seis dias antes da prova, após um treino que fez no Porto, foi atacado por uma grande quantidade de furúnculos nos pés, a ponto de quase não poder andar. Convenceu-se de que se estava impossibilitado de participar - chorou lágrimas amargas! Ao sujeitar-se a um tratamento rigorosíssimo, melhorou. Porém, às vésperas da partida, por efeito do tratamento, o pé esquerdo a inchar desmedidamente a ponto de não conseguir calçar o sapato! Mas a estrela da sorte estava de seu lado, com tratamento o pé desinchou e pôde tornar o seu sonho realidade.
Partiram do Porto às 2h30 da madrugada de 17 de Julho. O tempo mudou e a chuva que começava a cair em pleno verão fustigou os corredores em quase todo o percurso. Porém, o entusiasmo pela prova era tal que isso não impediu que milhares de pessoas vibrassem com a passagem dos corredores. Desde a aldeia mais pequena até à cidade mais populosa não faltou público a saudar e a encorajar.
José Maria Nicolau impôs um andamento vigoroso à prova. Já perto de Lisboa, imprimiu à corrida o máximo de velocidade que lhe era possível. Era surpreendente a sua energia para quem já tinha feito 300 Km.
Apenas aguardado por volta das 16h, entrou na pista do Estádio do Lumiar pouco depois das 14h30. Ainda chegavam pessoas ao Estádio e muitas só chegaram depois! Fez sem esforço as seis voltas complementares sempre delirantemente aplaudido. Pela primeira vez venceu a Porto-Lisboa e conseguiu a proeza de baixar o tempo da prova em 2h 35m e 11s. No final, os colegas levaram-no aos ombros para mais uma volta à pista em apoteose de triunfo.
Poderá recordar esta e outras conquistas deste grande nome do ciclismo português na área 2. Ídolos de sempre do Museu Benfica - Cosme Damião."

Ana Filipe Simões, in O Benfica