quarta-feira, 17 de junho de 2015

O que espera Rui Vitória no Benfica

"1. O talento individual é a base para a excelência dos desportos colectivos, mesmo sabendo que o êxito mais relevante só chega depois de harmonizados todos os elementos em causa. Por isso o treinador é peça tão importante na construção de uma equipa. O futebol, como espelho da sociedade, sugere a cada um o desejo de expressar-se de acordo com os valores que defende. Num grande clube, o conceito de sucesso não comporta apenas a vitória: depende muito do modo como é alcançada. Aos 45 anos, e depois de peregrinações menores, Rui Vitória é o novo treinador do Benfica. Diz-nos o passado que nem todos os profetas escalam a montanha à primeira tentativa. Mas o caminho não tem escapatórias: o treinador só chegará ao céu se levar os jogadores a aceitar o rumo que lhes é dado.
2. Todas as decisões contribuem para dar personalidade a uma equipa: toque ou pontapé para a frente; defender à zona ou homem a homem; jogar por dentro ou por fora; com um ou dois avançados no eixo central. Se as alternativas ao modelo são reduzidas (a grandeza do Benfica abrevia boa parte das opções, ficando apenas por calibrar elementos como vertigem, equilíbrio, aventura, disciplina, risco, organização), em termos tácticos veremos se resiste o 4x1x3x2 de JJ, com dois avançados, vincada exploração dos flancos e uma dupla de médios com a funcionalidade de Javi e Aimar; Javi e Witsel; Matic e Enzo; Samaris e Pizzi. Mesmo que a exequibilidade do novo paradigma imaginado para o futebol benfiquista (mais formação e menos investimento) tenha sido posta em causa, RV só tem de juntar ao pedagogo o treinador que sempre foi.
3. Vitória beneficia também da identificação com a cultura da casa, vantagem que lhe permitirá mais consistência nas decisões. Por experiência, sentimento e sensibilidade, sabe que o Benfica, mais ainda após seis anos de ouro que interromperam o ciclo miserabilista das últimas duas décadas, recusa ver-se reduzido a equipa moldada pelos princípios estritos de pragmatismo, ordem, disciplina e profissionalismo. A riqueza da história e o brilho do troço conduzido por Jorge Jesus dão lustro ao orgulho de uma família que rejeita alterar a sensibilidade e a tendência estética definida no código genético. RV, que teve de dançar ao ritmo de diferentes músicas em Guimarães - chegou a fazê-lo na mesma temporada -, atingiu patamar cuja lógica de grandeza não tem comparação.
4. RV vai ter de adaptar inteligência e talento à construção de um exército que respeite o passado da grande potência; que gere felicidade entre o seu povo, enobreça o jogo, estimule o espectáculo, valorize os soldados e promova o negócio. Nem todos os generais triunfam debaixo de tanta pressão, marcada pelo escrutínio impiedoso dos adeptos e pela cobrança instantânea do circo imenso que gira à volta. Homem firme de perfil discreto, RV tem pela frente um mundo novo por descobrir; uma dimensão superior para testar a bagagem de saber que o trouxe ao topo sem saborear o inêxito. Só perante desafios tão transcendentes o ser humano testa a solidez do conhecimento que possui, os fundamentos da proposta que apresenta, a força das ideias que defende e a espessura da personalidade que o suporta. A tarefa é difícil mas não impossível; cumpre o sonho de uma vida mas não danifica a ambição; alimenta dúvidas mas não mata a esperança.
(...)"

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