quarta-feira, 17 de junho de 2015

O filho do mestre do jogo da pata

"Teve convites para jogar no Atlético de Madrid e no Real Madrid, mas teimava: «A sair da minha terra, só para jogar no Benfica». Domingos Carrilho Demétrio foi uma das grandes lendas do futebol português: chamavam-lhe Patalino.

Hoje, se me dão licença, falarei de alguém que nunca jogou no Benfica. Não deixou, por isso, de ser uma das mais lendárias figuras do Futebol português. Domingos Carrilho Demétrio: o Patalino. Não jogou no Sport Lisboa e Benfica, mas jogou no Sport Lisboa e Elvas, clube da cidade onde nasceu em 1922 e filial do Sport Lisboa e Benfica, como está bem de ver.
Numa entrevista à famosa revista «Stadium», já na altura adiantadíssima para a época, Patalino confessou a sua alma 'encarnada'. Que sim, que tinha uma paixão pelo Benfica, que o Benfica seria o único clube que o faria deixar o seu Alentejo natal, mas que não conseguia, que as saudades eram mais fortes, que nada o arrastava para fora da sua zona raiana por mais convites que tivesse.
E teve. Imensos! O Sporting pensou nele para jogar ao lado de Peyroteo e poder um dia substituir o homem de Humpata. Patalino não foi.
Houve o Bordéus, até o Real Madrid... E Domingos Carrilho Demétrio aferrado ao seu rincão, preso ao Alentejo, às suas paisagens melancólicas, à sua gente pacífica.
Quando Patalino começou a jogar, Elvas era terra de Futebol. Havia o Sport Lisboa e Elvas, filial n.º 6 do Sport Lisboa e Benfica, havia o Sporting Clube Elvense, filial do Sporting Clube de Portugal, havia o Clube de Futebol «Os Elvenses», filial do Belenenses.
O Sport Lisboa e Elvas ganhou destaque ao conseguir ascender em 1946, à I Divisão. Patalino era a estrela da companhia, que contava com gente como Massano, Toninho, Morais, Aleixo ou Rosário, por exemplo.
Gente finíssima.
Esse dia 9 de Maio de 1948
No dia 13 de Janeiro de 1946, Patalino estava no Campo Grande para defrontar o Benfica.
Rezam as crónicas (não juro, porque não tenho elementos para isso) que foi o primeiro jogo oficial entre um clube e uma das suas filiais.
Vitórias, sobre a Oliveirense,Vitória de Guimarães e Boavista tinham feito recair o interesse sobre a equipa alentejana.
Por isso, o público não faltou.
Escrevia Ribeiro dos Reis, um dos grandes mestres: «O Sport Lisboa e Elvas tem um grupo curioso, que faz um futebol agradável de seguir e que representa condignamente a sua região. O sector do ataque, especialmente o trio central, deixou bom cartel. Movimentam-se todos bem, sabendo desmarcar-se e lutando com brio e entusiasmo. Mostraram-se decididos em frente da baliza, o que constitui virtude de grandes méritos. O seu segundo e último 'goal' foi um modelo de boa execução e mereceu plenamente os vibrantes aplausos do público».
O segundo «goal» foi de Alcobia; o primeiro de Patalino.
O Benfica marcou cinco: Rogério Pipi (2), José da Luz, Moreira e Aleixo na própria baliza. O encontro ficou, portanto, para a história.
E Patalino continuaria a marcar golos e golos.
Alguns ao Benfica.
No dia 9 de Maio de 1948, a três jornadas do fim do Campeonato, dá uma machadada decisiva na hipótese de o Benfica vir a ser campeão. Senhor de uma categoria rara nos avançados do seu tempo. Patalino faz desgraça no Campo Grande com dois golos em 30 minutos, fazendo da resposta de Rogério Pipi na segunda parte um mero acaso estatístico.
Nessa altura já Patalino jogava n'O Elvas - Clube Alentejano de Desportos, resultado da fusão entre Benfica e Sporting, ou seja, entre Sport Lisboa e Elvas e Sporting Clube Elvense, vindo a tomar o lugar do primeiro no Campeonato Nacional da I Divisão.
Patalino?, perguntarão os meus estimadíssimos leitores... Sim, Patalino de alcunha. O seu pai tinha fama de ser grande campeão do jogo da pata, um jogo tradicional disputado com dois paus, e daí Domingos Carrilho Demétrio, ter ido dar em Patalino.
Antes do Sport Lisboa e Elvas (e a seguir O Elvas), jogou n'Os Elvenses e no Lanifícios de Portalegre. Rápido, eficaz, com uma capacidade física impressionante, foi émulo de Peyroteo, embora à distância, e foi chamado à Selecção Nacional lado a lado com o mesmíssimo Peyroteo, com Rogério Pipi, Bentes, Jesus Correia, Araújo, Travassos e todos os grandes da sua geração.
Em 1947 recusa 150 mil pesetas e um ordenado de 2500 pesetas para jogar no Atlético de Madrid. «Para abandonar a minha querida terra só o faria pelo Benfica».
Nunca veio para Lisboa. E saiu de Elvas pouco tempo depois de O Elvas ter baixado de divisão. Não foi para longe. Assinou pelo Lusitano de Évora e voltou a jogar na I Divisão e a defrontar o Benfica.
Em 1956 estava no Serpa. Depois veio o Luso do Barreiro e o Arrentela onde ainda se cruzou com aquele que viria a ser por muitos anos dono da baliza do Benfica: José Henrique.
No Futebol, como no firmamento, as estrelas têm por hábito cruzar-se. E deixar atrás de si o rastro brilhante das lendas..."

Afonso de Melo, in O Benfica

1 comentário:

  1. Publica histórias sobre as glórias antigas do FCPorto pq eu também quero conhece-las. Recordar é viver. Pode ser?

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