"Quinta jornada do Campeonato Nacional, no Campo Grande. Dois treinadores húngaros. Avançados temíveis. O FC Porto estreava um guarda-redes (no espaço de sete dias sofreu 18 golos!). O Benfica e Julinho foram irresistíveis.
Dia 7 de Fevereiro de 1943. Acabam de cumprir-se 70 anos. Campo Grande, em Lisboa, Estádio do Sport Lisboa e Benfica. Quinta jornada do Campeonato Nacional. O árbitro era Vasco Ataíde, de COimbra, e vão ver que um destes dias surgirá por aí, pela boca de algum trapalhão, comparado ao pobre e inocente Inocêncio Calabote.
A verdadeira história de Calabote contá-la-ei um destes dias. Porque, ao contrário do que certa propaganda faz constar, nunca houve um 'Caso Calabote'. Houve, isso sim, um 'Caso Guiomar'. Ficará para outra altura. A efeméride a isso aconselha.
Chegava o Benfica à quinta jornada com quatro vitórias: 3-2 ao União de Lisboa, no Lumiar; 1-0 ao Olhanense, no Campo Padinha, em Olhão; 8-3 ao Vitória de Guimarães, no Campo Grande; 3-2 ao União do Barreiro, no Campo de Santa Bárbara, no Barreiro.
Grandes rematadores tinha esse Benfica. Valadas, extremo-esquerdo, que possuía um pontapé poderoso; Julinho, que marcou 202 golos, em 200 jogos; Rogério Lantres de Carvalho, o inesquecível Rogério 'Pipi', figura ímpar da história do Clube, acabado de chegar vindo de Chelas.
O FC Porto visitava a capital nesse dia 7 de Fevereiro. Pela segunda vez no Campeonato já que, na primeira jornada, fora copiosamente derrotado nas Salésias, pelo Belenenses: 0-4. Depois recebera o Sporting, na Constituição (2-2), fora ao Campo Santana, em Matosinhos, dar 4-0 ao Leixões e, também na Constituição, batera o Olhanense, por 3-2.
Da qualidade dos seus avançados, também o FC Porto não se podia queixar: Correia Dias que marcou a brutalidade de 200 golos em 167 jogos pelos 'azuis-e-brancos'; Araújo e o madeirense Artur de Sousa, conhecido por Pinga, figura maior de toda a história do Futebol português.
Ah! Esse jogo do Campo Grande prometia ser uma bela peleja!
Entremos em campo...
Entremos é um forma de dizer, entram eles, ou entraram que é mais correcto. E entraram assim:
BENFICA - Martins; Gaspar e César Ferreira; Jordão, Albino e Francisco Ferreira 'cap.'; Manuel da Costa, Julinho, Teixeira e Valadas.
FC PORTO - Luís Mota; Alfredo e Guilhar 'cap.'; Anjos, Nunes e Baptista; Póvoas, Gomes da Costa, Correia Dias, Pinga, Araújo.
Rogério 'Pipi' ainda não conquistara o seu lugar ao sol. Mas jogava Teixeira, o 'Marreco', natural dos Açores, um poço de força.
Como treinadores, dois húngaros: Janos Biri, pelo Benfica, um metódico do treino, nascido em Budapeste, que fora guarda-redes do Boavista e que passou pelas mais diversas equipas do Futebol português; Lipo Herczka, pelo FC Porto, um durão que já tinha passado pelo Benfica, entre 1935 e 1939 e fora responsável pelo primeiro Tricampeonato dos 'encarnados - voltaria em 1947 para substituir precisamente Janos Biri.
Pois... mas essa tarde foi de Biri. De Biri e de toda a equipa do Benfica. E de Julinho, claro está!
Nunca se tinha visto nada assim entre os dois clubes. E nunca mais se verá, certamente.
Aos 4 minutos, Valadas fez o primeiro golo. Pobre Luís Mota, o guarda-redes em que ninguém acreditava e viera substituir o extraordinário Mihaly Siska! Era o seu jogo de estreia. Ao intervalo já a diferença era pesada: 4-0. Golos de Valadas (31m), Teixeira (39m) e Manuel da Costa (44m, de 'penalty'). Nada a fazer. Na defesa portista a confusão é total. A rapidez dos avançados do Benfica torna-se estonteante, uma verdadeira tortura para os seu adversário. No primeiro minuto da segunda parte, Alfredo faz autogolo, mas Póvoas, aos 48m, atira para a baliza certa. Ânimo de pouca dura: Julinho (55m), Manuel da Costa (58m, de penálti) e de novo Julinho (60 e 61m) põem o resultado nuns inconcebíveis nove-a-um !!! E faltava meia-hora para jogar.
O público avermelhava de satisfação e de orgulho.
Aos 64m, Nunes é expulso. O furacão Benfica abranda. Araújo reduz para 2-9 (67m). Então o vendaval volta a soprar. Destruída, a equipa do FC Porto, ainda se sujeita a mais três golos: Julinho (75m), Francisco Ferreira (77m) e Teixeira (85m).
Doze! Doze-a-dois!
O Benfica lança-se para o título. Pelo caminho regista mais goleadas: 6-2 à Académica, 5-2 ao Unidos de Lisboa, 7-1 ao União Barreiro... Sofre derrotas pesadas - Vitória de Guimarães, no Campo da Amorosa (1-5) e Belenenses nas Salésias (2-5), mas na segunda volta não permite desforra ao FC Porto e vence nas Constituição por 4-2.
A equipa de Lipo Herczka perde na jornada seguinte, em casa, com o Unidos de Lisboa por humilhantes 2-6. Luís Mota é crucificado: nunca mais voltou a jogar na equipa principal. Termina o campeonato em 7,º (10 equipas) e é eliminado da Taça de Portugal pelo Vitória de Setúbal (0-7). Resultados de pesadelo...
O Benfica faz a dobradinha: vence o Vitória de Setúbal na final da Taça, por 5-1. E os setubalenses festejam o feito de terem sido a primeira equipa da II Divisão a chegar à final.
Quanto ao doze-a-dois é coisa que já não se usa..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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