sexta-feira, 9 de março de 2012

Faltou

"Sexta-feira à noite, o jogo terminara, o nosso Benfica perdera, em casa, o clássico. Para muitos terminaram também as ilusões quanto à possibilidade de sermos campeões. Uns revoltados, outros angustiados, outros tantos a exigir cabeças, mas todos irmanados na dor. É sempre assim, já Torga o escrevera a respeito de outras justas, também elas alfa e ómega de um vão quotidiano, “Vitorioso, cobrem-no de flores; derrotado, abatem-no impiedosamente”.

Como sempre, em ritual, após a reunião no nosso Estádio, em torno do nosso Benfica, segue-se a reunião de amigos à mesa do jantar. Nesse altar ouve-se a pluralidade das vozes do benfiquismo. Nos momentos da vitória são os sorrisos que enquadram a refeição em que também partilhamos os despojos de guerra. São momentos de plenitude. Nos momentos de derrota, a pluralidade de vozes ecoa a ausência. Já nada é pleno, cheio, e em tudo se nota a falta. Nessa sexta-feira, não havia vitoriosos para cobrir de flores, restava o abate. E na pluralidade de vozes ecoava a falta: “faltou vergonha ao árbitro”; “faltou atitude”; “faltou um defesa esquerdo eficiente”; “faltou um Gaitan menos displicente”; “faltou a visão a um fiscal de linha”; “faltou um treinador que se transcenda nos momentos verdadeiramente decisivos”; “faltou uma equipa de arbitragem que não nos tivesse prejudicado vergonhosamente; “faltou o calor do público durante algumas fases do jogo”; “faltou estratégia à Direcção para lidar com o problema da arbitragem em Portugal”; “faltou o sistema sonoro no 3º Anel”; “faltou sorte”; “faltou um Artur mais perto do Artur e mais longe do Roberto”; “faltou Benfica ao Benfica”… E assim, entre vozes famintas de vitória, se foi conjurando um rosário de faltas que saltavam entre o tom resignado e o indignado, entre o encolher de ombros e o punho cerrado.

Ainda com os ouvidos cheios dessas vozes, dessas faltas, acabei o jantar sabendo que nenhum dos presentes faltaria ao próximo jogo."


Pedro F. Ferreira, in O Benfica

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