sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Quem lidera quem?


"Ao contrário do mundo corporate, o desporto de alta competição tem uma distribuição de liderança, poder e recompensas que segue uma lógica quase oposta à das organizações tradicionais. Numa empresa convencional, existe um conselho de administração com maior poder, seguido de um CEO, diretores e, por fim, os restantes colaboradores.
No desporto profissional, sobretudo ao mais alto nível, o atleta e o treinador são, muitas vezes, quem realmente influencia as decisões mais críticas, por muito que isso custe admitir a alguns Presidentes ou CEOs.
Estes definem estratégias e caminhos, mas existe um princípio estrutural no desporto: o talento decide no campo. É por isso que os clubes mais organizados sabem que precisam de reunir máxima qualidade dentro e fora do terreno de jogo, seja desenvolvida internamente ou recrutada externamente.
Sabemos que o talento individual ganha jogos, mas também sabemos que esse sem o suporte coletivo raramente ganha de forma regular. Compete ao clube construir o que chamamos de talento coletivo, permitindo que o talento individual brilhe e vença de forma mais regular.
Esse talento coletivo dura mais quando existe uma estrutura de apoio forte fora de campo, com recursos adequados e não apenas financeiros. Os melhores CEOs e diretores desportivos entendem isto e diria que os mais astutos percebem que não precisam de ser a estrela, mesmo quando a estratégia nasce das suas ideias. O treinador Jorge Araújo repetia: «O mapa é uma coisa, o território é outra» e é por aqui que os clubes de hoje precisam de se adaptar ainda com mais lucidez.
Hoje encontramos clubes onde o treinador é mais do que treinador, e também o contrário, quando existe intromissão excessiva no seu papel. Em alguns contextos, de forma estratégica ou reativa, o treinador assume um peso maior e decisório próximo da definição da própria estratégia desportiva. Errado quando não é estratégico ou quando o treinador não tem capacidades para tal.
Outro exemplo: quando um clube tem um treinador como Carlo Ancelotti ou José Mourinho e um plantel como o atual do Benfica ou a seleção do Brasil, percebe-se que quase todos olham para o treinador com admiração e reconhecem-lhe legitimidade para liderar o processo. São treinadores cujos currículos superam largamente os dos atletas. E não são só os jogadores: também a organização entende que Ancelotti ou Mourinho, mesmo sendo apenas treinadores, acumulam mais experiência prática em múltiplas áreas do que vários profissionais que nelas trabalham diariamente.
Não se trata de crítica; é realidade. Trabalharam em muitos clubes de topo, viram métodos quase perfeitos e também muitos erros. Por isso identificam rapidamente quando um processo está no caminho certo ou errado, mesmo fora da sua área direta.
A hierarquia no desporto tornou-se cada vez mais anárquica. A nova geração segue mais os atletas do que os clubes e, muitas vezes, mais os treinadores do que as decisões estruturais. Mesmo quando uma direção tem total razão numa decisão, opera num contexto onde as consequências se avaliam com métricas completamente diferentes das de há dez anos. O volume de comunicação de atletas e treinadores — e a velocidade com que é replicada — amplifica impacto e risco. Reforça identidade, mas pode abalar credibilidade.
Quem vive da comunicação também se expõe a ela. Quem surge nos momentos de glória é cobrado quando não aparece nos momentos difíceis. A liderança mudou. Os melhores líderes perceberam isso. Não mudaram quem são, mas ajustaram a abordagem. Uma espécie de inteligência ecológica: compreender o contexto e mover-se nele com eficácia, mesmo sem ser o detentor do mapa.
Não existe propriamente certo ou errado na redistribuição de liderança fora da hierarquia tradicional. O erro surge quando isso acontece sem estratégia, sem intenção e sem consciência — quando resulta apenas de reação ou desespero. Compreender o ecossistema organizacional específico do desporto é essencial para quem quer movimentar-se nele. Como tudo tem impacto quase imediato, quem não domina este contexto parece estar sempre a correr atrás do prejuízo.
Conhecer a cultura que opera no desporto de alto rendimento implica deixar o ego de lado, implica colocar os interesses coletivos em primeiro lugar, implica colocar limites e regras, mas somente aquelas que permitem e nos aproximam de estar mais perto de vencer e construir uma cultura organizacional que premeie os valores comportamentais que queremos ver diariamente no clube. Já era assim, mas agora creio que é cada vez mais usual. A grande mudança é mesmo o ritmo a que estas situações acontecem: é mais frequente e o tempo para pensar na melhor resposta está a diminuir todos os dias. Exige uma abordagem e pensamento diferente de todos os que se encontram na hierarquia e no fluxo, seja ele de cima para baixo ou de baixo para cima. Até por que tudo se tornou mais volátil."

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