sábado, 20 de dezembro de 2025

Por uma arbitragem melhor


"Repito hoje, na ressaca da noite estranha de Ponta Delgada, o que há muito digo e escrevo: o VAR em si é um instrumento que faz sentido, que acrescentou verdade ao jogo, mas, sobretudo em Portugal (e ao contrário do que sucede em Inglaterra, na Champions ou num Mundial), o recurso ao vídeo-árbitro há muito que ultrapassou o limite definido pela FIFA: mínima intervenção e máxima eficácia, na intenção essencial de corrigir erros grosseiros (como um célebre golo com a mão de Thierry Henry frente à Irlanda, que foi a causa próxima da introdução do vídeo). A originalidade portuguesa fá-lo parecer invertido: máxima intervenção e mínima eficácia, para corrigir erros que de grosseiros nada têm e por vezes nem erros são.
O que aconteceu ontem não pode deixar dúvidas quanto a um ponto: um lance em que árbitro e VAR demoram uma dezena de minutos a decidir pode ser tudo o que quiserem, mas erro grosseiro, e nesse sentido óbvio, não é certamente. Acrescente-se a isso a sensação, quase certeza, de que nunca teria havido igual cuidado de observação na área contrária. Neste caso na do Sporting, mas não seria muito diferente com Benfica, FC Porto ou até Braga. Como também me parece evidente e há anos assinalo, a instância VAR fez com que deixasse de haver só um juízo permeável à pressão dos grandes e passasse a haver dois. Está à vista. Não interessa tanto, e não é o meu ponto, se o manto é verde, vermelho ou azul, que as tonalidades variaram ao longo dos tempos, é antes a forma como os árbitros têm tomado conta do jogo, sem perceberem que isso os penaliza em última instância, porque os responsabiliza por mais decisões ainda.
O esforço deveria ser o inverso, de reduzir a intervenção do árbitro do jogo e não de a aumentar. Estaremos de acordo em que o VAR já resolveu no essencial o problema do fora de jogo (e até da bola ter entrado ou não numa baliza), pelo que sobram os lances de interpretação – sobretudo de penalti e expulsão – para alimentar a polémica permanente que nos consome. Dou exemplos concretos do que poderia ser um debate útil, e que passaria, no limite, por uma revisão das leis. Exemplo 1: fará sentido que seja penalti um lance em que a probabilidade de golo não é evidente nem perto disso, como no agora famoso “aumento da volumetria” aquando de um cruzamento banal? Vale a pena pensar que, na essência, o penalti é a compensação com uma situação “artificial” de golo – bola parada para alguém chutar, perante um guarda-redes estacionado na linha de baliza - pela negação, por via de um qualquer tipo de falta, de uma situação “natural” de golo. Não devia ser penalti apenas quando a probabilidade de golo é efetiva (algo que os árbitros já ajuízam em casos de expulsão)? Exemplo 2: terá lógica que um jogador expulso possa ser substituído – desde que não tenha negado uma ocasião clara de golo ou obrigado um atleta adversário a sair do jogo por lesão – permitindo ao árbitro uma aplicação uniforma das regras (do primeiro ao último minuto, sem estar preocupado se é o primeiro ou segundo amarelo) e protegendo um espetáculo – que não é barato, nem na televisão – sempre mais interessante quando é de onze contra onze? Nota: isto só faria sentido dentro do limite de substituições previstas, não para acrescentar outras, e deveria ser acompanhado por um agravamento do castigo do atleta expulso para os jogos subsequentes (e em multa), de modo a desincentivar qualquer aumento da agressividade. Não são temas consensuais, reconheço, mas faria sentido debatê-los, no intuito de fazer com que o resultado de um jogo seja mais consequência das jogadas dos futebolistas e menos do que os árbitros decidem sobre essas jogadas. Com menos penaltis e menos expulsões teríamos menos ruído. Desde que há VAR, os números provam-no, há mais penaltis e expulsões. Valeria a pena, pelo menos, pensar."

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