segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Melhor de todos os tempos!


"PRIMEIRO A GANHAR A "BOLA DE OURO" ÚNICO A CONSEGUI-LO A JOGAR EM EQUIPA PORTUGUESA

Hoje é dia de recordar Eusébio da Silva Ferreira. E ninguém melhor para o fazer do que António Simões, o seu "irmão branco", como a ele Eusébio se referia. Socorro-me do livro "António Simões - As Minhas Memórias" (Prime Books, 2024), que inclui inúmeros episódios do "Rei" - difícil é escolher! -, deixo-vos oito. A palavra a António Simões.

1. A minha imagem é vê‑lo a receber a bola perto do meio ‑campo, dar um passo para a frente, dois, vá, e atirar uma “pedrada” indefensável. A bola voou. Acreditem, voou.
Uma bola das antigas, de couro, daquelas com o pipo para fora, que machucava até uma pedra da calçada. O Eusébio arrancou um pontapé à Eusébio, foi a primeira vez que o vi ao vivo e a cores. E foi deslumbrante. Não me lembro da minha reação, nem dos meus companheiros, nem dos adeptos. Só sei que foi um golo do outro mundo. Se houvesse imagens, ainda hoje espantaria qualquer um. Em matéria de remate, nunca vi ninguém como o Eusébio. Nem cá em Portugal, nem lá fora.

2. Há uma zanga mais famosa que todas as outras e tem a ver com o Freitas, um defesa calmeirão do Belenenses, que depois se transferiu para o FC Porto, e era conhecido como “115”, em alusão ao número de emergência daquela época em Portugal.
Pois bem, o 115 chamou “preto” ao Eusébio e o Eusébio passou‑se. Passou por mim no relvado e disse ‑me: “Epá, sabes que este Freitas me chamou preto? Este gajo é maluco, vai levar uma bolada na cabeça, deixa vir um livre.” Ouvi aquilo, nem fiz caso por aí além e passou‑me no instante seguinte. Não é que há um livre à entrada da área do Belenenses e o Eusébio faz pontaria ao Freitas? A bola sai ‑lhe com força e bate mesmo na cabeça do Freitas. O homem ficou prostrado e só se levantou a custo.

3. Não sei se sabe ou não, mas o Eusébio foi o primeiro jogador a ter chuteiras especificamente desenhadas para seu pé e o seu estilo de jogo. A culpa foi de um senhor chamado Rudi Dassler, dono da marca Puma, e irmão de Adolf, dono da Adidas. A ideia da Puma era agitar o mercado dominado pela Adidas e a contratação de Eusébio foi um sensacional golpe de marketing. Porque o Eusébio era o Bola de Ouro em título [1965] e porque o Eusébio calçou essas chuteiras durante o Mundial de 1966, em Inglaterra, onde foi o melhor marcador do torneio, com 9 golos. Mais e melhor publicidade era impossível. O Mundial foi transmitido para todo o planeta e Eusébio calçava Puma. (...) A marca cresceu de forma indiscutível e ganhou mais fama que nunca.Lembro ‑me bem de Eusébio chegar à Luz com as botas novas, mais flexíveis que o normal, e lembro‑me também bem de Eusébio ir assinar o contrato a Munique, onde voltaria em Agosto de 1966, já coroado como rei do golo do Mundial e ainda como Bola de Ouro em título. 

4. O Eusébio arranca por ali fora, junto à linha lateral. Que jogada fenomenal, que controlo de bola. Passou por um, dois, três, quatro. E apanhou duas valentes pancadas no joelho direito, ao qual já tinha sido operado quatro vezes. Repito‑me para ver se percebem bem a dimensão deste senhor: o Eusébio já tinha sido operado quatro vezes ao joelho direito quando foi ao Mundial. E só tinha 24 anos de idade. E marcou quatro golos seguidos à Coreia. Foi ele quem virou o jogo. O penálti que resultou daquela jogada fabulosa é mais um remate seco e certeiro. O guarda‑redes até se estica de forma elegante. Em vão. As bolas do Eusébio eram autênticos petardos. Sem remissão.

5. Em Turim o Benfica garantiu a final europeia com outra vitória, agora por 1‑0. Eusébio, pois claro, de livre direto a mais de 30 metros da baliza. Nunca vi esse golo, a não ser ao vivo. E, acreditem, é um dos melhores de sempre. E vi muitos dele. O seu remate em Turim é de uma distância considerável, muito, muito, muito considerável. Tanto assim é que o guarda ‑redes da Juventus pediu uma barreira de apenas um, dois homens. À medida que o Eusébio ia recuando, o público manifestou‑se ruidosamente. Era de muito longe, na verdade. Quando a bola entrou furiosamente na baliza, sem qualquer hipótese de defesa, esse mesmo público rendeu ‑se à evidência sob a forma de silêncio. Foi um dos momentos mais belos do desporto.

6. O dirigente Fernando Neves esqueceu‑se do dossier no quarto e pediu ‑me ajuda. Deu‑me as chaves do quarto de hotel, fui ao sítio por ele indicado e levei o dossier, com umas folhas verdes. Abri por mera curiosidade e descobri que o empresário descontava 20 mil dólares se o Eusébio não jogasse e 10 mil dólares se os ausentes fossem eu e Torres. Com todos presentes, o valor era de 50 mil dólares para cima, uma fortuna para a época. Só o Santos, por ter o Pelé, claro, cobrava mais do que o Benfica, cerca de mais 20 mil dólares.
Esse episódio fez-me recuar no tempo e pensar nalgumas atrocidades que fizeram ao Eusébio naqueles jogos antes, a meio ou no final da época, em que ele jogava uns minutos só porque sim. Há-os aos montes. Em muitos, estava em forma. E em muitos outros, estava incapacitado – mesmo assim, conseguia fazer a diferença. Lembro ‑me de alguns em que ele marcava para agradar à assistência e “encostava às boxes”. Só nessa época 1970 ‑71, um em Lima a um combinado dos melhores jogadores de Alianza e Municipal e outro em Teerão. Exatamente, Lima e Teerão. Um em Janeiro, outro em Março. Isso mesmo: a meio da época da 1.ª Divisão. Nós íamos em digressão pelo mundo para dar a conhecer a marca Eusébio, a marca Benfica, e depois voltávamos para continuar o campeonato.

7. O Eusébio era uma força da natureza. Claro que há jogadores com números melhores, claro que há jogadores com mais anos de atividade, claro que há jogadores com melhor rendimento. Agora não me venham dizer que os jogadores desses rankings foram operados aos joelhos. E por sete vezes. Seis ao mesmo joelho, não me canso de assinalar esse ponto. E é verdade, sim senhor, algumas dessas operações foram mais ligeiras que outras. Mas, caramba, uma operação é uma operação. É sempre um risco. E se corre mal? E se o tempo de paragem é mais demorado do que o previsto? E se há uma recaída? E se? O Eusébio superou todos os “ses” com a categoria de um predestinado. Como ele, senhoras e senhores, nunca vi ninguém.

8. Há uma noite engraçada, na véspera de um dérbi com o Sporting, na Luz. Eu estava meio nervoso, entusiasmado, excitado com jogo. Era só mais um nas nossas vidas, e ainda estávamos em Outubro, no início de época, mas deu‑me para ali naquele dia.
Estávamos juntos no quarto, como sempre, e eu sempre, sempre, sempre a falar do dérbi. E temos de ter atenção a este jogador e àquele, e atenção àquelas jogadas tal e tal. Bem, o Eusébio cansou ‑se de tanto falatório e despachou o assunto: “Epá, cala-te, amanhã marco três golos e arruma‑se o assunto.” Sabem uma coisa? O Eusébio marcou um, dois, três, quatro! Foi 4 ‑1 para o Benfica, o guarda ‑redes do Sporting era o Damas, de quem o Eusébio era amicíssimo."

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