sábado, 29 de novembro de 2025

Nacionalidade e reforma migratória: implicações para o desporto profissional


"A revisão recente do regime jurídico da nacionalidade e das regras de imigração em Portugal trouxe para o debate uma questão central: como compatibilizar a proteção da identidade nacional com as necessidades específicas do desporto profissional, em particular do futebol?
As alterações ao quadro migratório demonstram que definir as condições de entrada, permanência e integração de cidadãos estrangeiros não é apenas uma questão administrativa. Pelo contrário, estas mudanças têm efeitos concretos sobre diversos setores, incluindo o desporto.
Alterações nos prazos de residência, nos requisitos documentais ou nos mecanismos de regularização impactam diretamente Na capacidade de atletas, treinadores e equipas técnicas se estabelecerem no país com a estabilidade necessária ao exercício da sua atividade.

Alterações do regime migratório em Portugal
A nova proposta de lei da nacionalidade (ainda sujeita à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional) prevê períodos de residência mais longos: sete anos para cidadãos de língua oficial portuguesa e da União Europeia e dez anos para os restantes.
O objetivo é claro: reforçar a ligação efetiva ao país. No entanto, não podemos ignorar que estes prazos podem dificultar a integração de atletas estrangeiros, limitando a sua elegibilidade para atuar em momentos cruciais das suas (curtas) carreiras profissionais.
O regime de reagrupamento familiar (já em vigor com a Lei n.º 61/2025, de 22 de outubro) impõe, como regra geral, um prazo mínimo de dois anos de residência válida para que familiares possam juntar-se ao titular do título de residência.
No caso de cônjuges ou equiparados, aplica-se um prazo de 15 meses desde que tenham coabitado com o titular por, pelo menos, 18 meses imediatamente antes da entrada em território nacional.
Ora, tais requisitos podem condicionar, naturalmente, a decisão de jogadores e treinadores de se fixarem em Portugal, dada a maior dificuldade em assegurar estabilidade pessoal e familiar. A tudo isto soma-se o fator da morosidade administrativa: atrasos persistentes na tramitação de processos pela AIMA e pelo IRN tornam estes requisitos, já de si exigentes, ainda mais difíceis de concretizar.
Consequentemente, clubes, agentes e federações passam a ter de planear contratações com maior precisão, sob pena de afastar talentos ou limitar oportunidades, tanto para atletas como para o próprio país

O enquadramento internacional do futebol
É precisamente neste contexto que surge a dimensão internacional do futebol. Enquanto os países definem os critérios de permanência e integração, a FIFA estabelece regras próprias sobre quem pode representar uma seleção nacional.
Os Estatutos da FIFA, em particular os artigos 6.º a 10.º dos Regulations Governing the Application of the Statutes, impõem critérios rigorosos de elegibilidade: apenas quem possui nacionalidade efetiva, por nascimento ou naturalização válida, pode ser convocado.
Para quem adquire nova nacionalidade, os requisitos são ainda mais exigentes, incluindo prazos de residência de três a cinco anos, dependendo da idade de chegada ao país.
A lógica é clara: não basta possuir um passaporte, é necessária uma ligação genuína ao Estado. Jogadores com múltiplas nacionalidades só podem representar um país se cumprirem critérios de vínculo direto, seja por nascimento, ascendência ou residência prolongada.
O conceito de residência é rigorosamente regulado, permitindo apenas interrupções breves. E no caso de transferência internacional do jogador? Reinicia o contador do prazo de residência.
O célebre one-time switch - que permite a um jogador mudar apenas uma vez a seleção nacional que representa para outro país cuja nacionalidade detenha - segue a mesma lógica restritiva: só pode ocorrer uma vez e depende de critérios precisos quanto à idade, aos jogos disputados (oficiais e/ou internacionais AA) e à nacionalidade na primeira convocatória.

Exceções necessárias para realidades profissionais excecionais
Ora, não deve ser descurado que o futebol profissional apresenta características próprias: carreiras curtas, mobilidade constante e forte dimensão internacional. Entendemos, por isso, que é legítimo questionar: não deveria o regime migratório em Portugal prever mecanismos ajustados a estas realidades, de forma a garantir que o país continua a ser um destino atrativo para o talento internacional em tempo útil?
A influência da imigração no desporto português é inegável. A história recente está repleta de atletas que, chegados ainda jovens, completaram aqui a sua formação, construíram raízes e encontraram uma verdadeira pátria desportiva.
Com o novo quadro legislativo, figuras históricas do futebol português, como Deco ou Pepe, poderiam ter enfrentado atrasos significativos na obtenção de residência ou nacionalidade, impactando a sua integração competitiva.
Assim, a decisão de um atleta vir para Portugal depende cada vez mais não apenas da atratividade do futebol nacional, mas também da capacidade do Estado garantir estabilidade documental, celeridade nos vistos e um percurso de integração viável.

Entre rigor e integração: a necessidade de um equilíbrio
Surge, assim, um dilema: como conciliar rigor e credibilidade com a proteção de trajetórias legítimas, sem transformar o sistema migratório numa barreira quase intransponível?
Reconhecemos que encontrar este equilíbrio é difícil, mas essencial. Portugal precisa de um regime migratório robusto contra abusos, mas que também reconheça a realidade social e competitiva do desporto.
Num mundo globalizado, o futebol é um espaço onde identidades se cruzam, evoluem e se renovam. Entendemos, por isso, que a lei deve acompanhar esta realidade, equilibrando a rigidez que protege com a flexibilidade que integra, sob pena de comprometer parte significativa do futuro do desporto português."

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