quinta-feira, 5 de junho de 2025

Este modelo não tem futuro


"Enquanto os clubes continuarem a ser juízes em causa própria nunca o futebol profissional em Portugal dará o salto de que precisa; pode haver caras novas, mas o problema de fundo é o mesmo

Gerou-se há uns anos a crença em ventos de mudança no futebol português com a futura entrada de uma nova geração de dirigentes capazes de romper com práticas e discursos de outras eras, mas já passou tempo suficiente para perceber que esse otimismo era proporcional ao grau de insatisfação. Porque, salvo algumas exceções, as alterações têm sido de cosmética. O que se entende: afinal, os representantes dos clubes têm por dever defender interesses específicos e não o interesse geral; têm de mobilizar adeptos que querem o mal do outro e apenas o bem das suas cores; não podem ir contra esta natureza tribalista, caso contrário a porta da rua é a serventia da casa.
Esta lógica concorrencial é positiva para a disputa, mas não para a organização. Quando são forças que competem entre si a desenhar regulamentos de competição e de disciplina e por sua vez têm um papel teoricamente fiscalizador, o resultado é tendencialmente benévolo para todos. Cumprem os interesses dos clubes, mas não cumprem os interesses do futebol enquanto produto de massas – porque por cada multa irrisória perante um ato condenável ou por cada decisão na justiça desportiva que demore meses a sair há um adepto que se sente legitimamente defraudado.
A criação de uma entidade que reunisse todos os clubes (primeiro Organismo Autónomo, depois a Liga) foi um passo na evolução, retirando a organização do campeonato à Federação Portuguesa de Futebol, mas os desafios do presente exigem novas respostas. O modelo atual do futebol profissional assenta numa autorregulação que resvala para a luta pela sobrevivência, adiando-se prejuízos para alguns a curto prazo mas impedindo a aplicação de medidas estruturais e a inovação que daí advenha. Assiste-se a cimeiras de presidentes sempre bem-intencionadas, mas ao primeiro erro de arbitragem zangam-se as comadres, tocando novamente na espuma mas sem dar o mergulho necessário para perceber quão turva está a água.
Discutir é normal, o problema é que deste saco de gatos emergem as grandes decisões. Mal comparado, seria como se as cadeias de supermercados fossem responsáveis por definir as suas regras de atuação sem ter de responder a autoridades de supervisão, controlo ou concorrência.
Tratando-se de uma atividade tão emocional, os ingleses perceberam há muitos anos que para encontrar a racionalidade teriam de impedir os juízos em causa própria, tendo criado a Premier League com pressupostos muito claros: os clubes são beneficiários da boa gestão, mas não os seus executantes; fazem parte de uma empresa que como todas as empresas tem o lucro como objetivo e retiram dividendos; não são os clubes que definem o número de participantes, a arbitragem e disciplina têm gestão independente.
Recentemente, os franceses perceberam o mesmo e preparam-se para extinguir os moldes atuais da Liga, criando uma empresa em que os clubes são seus acionistas mas não determinam quem ocupa a Direção, cabendo essa função ao Governo e à respetiva Federação, entidade que faz a ponte entre uma competição privada e o Estado. É um game changer: todas as decisões estruturais (venda de direitos televisivos centralizados, quadros competitivos, regulamentos de competições e de disciplina) são tomadas de cima para baixo (com poder de veto da Federação), a arbitragem é independente e profissional e há uma espécie de privatização da justiça, simplificando-a em prol da celeridade de processos e decisões.
É isto possível em Portugal? Depende das vontades. É preciso tempo e teria de haver alterações a nível legislativo, com chancela do Governo ou da Assembleia da República, tal como ocorre em França. Só que no Executivo gaulês o Desporto é uma pasta com ministro. Parecendo que não, faz toda a diferença."

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