"A depressão no desporto é um tema cada vez mais discutido, à medida que cresce a consciencialização sobre a saúde mental dos atletas. Apesar da imagem pública de força e sucesso, muitos desportistas de alto rendimento enfrentam problemas emocionais sérios. Aliás, até me atrevo a dizer que sempre que entendem melhor o desporto e a sua relação direta com falta de tempo para questões sociais e pessoais, mais predispostos estarão para esta condição clínica.
Hoje em conversa de café, ouvi dizer: «Se fosse comigo, corriam 20 voltas ao campo todas as manhãs.» Não é aceitável nos dias de hoje fazer (ou até mesmo ouvir, sem posterior reparo) esse tipo de observações. Os atletas e jogadores não são de ferro, muito menos robotizados. Em campeonatos desportivos, só há espaço para um primeiro lugar. Uma coisa é ficar triste por não se ganhar no final, outra é este tipo de síndrome patológico.
Gosto sempre de recordar frases sábias quando se aborda uma área de conhecimento. O doutor Abel Salazar (1889-1946) foi um médico, professor da zona de Guimarães que dava aulas de Histologia, tendo uma faceta muito importante na área da pintura. A determinada altura referiu: «O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.» E parece-me que a frase é válida para qualquer área de conhecimento.
A depressão é a maior e mais importante doença em termos de carga emocional, sendo a que dá mais custos diretos e indiretos, associada a doenças físicas. É uma doença clínica comum, duas vezes mais provável em mulheres, que coexiste frequentemente com outros transtornos mentais, nomeadamente transtornos ansiosos. Os profissionais de saúde deixam escapar com frequência sinais iniciais de depressão, como baixa auto-estima, anedonia, transtornos do sono, dificuldade de concentração e dificuldade em tomar decisões. Por outro lado, a nível desportivo existem diversos fatores que contribuem para esta condição clínica, como pressão pelo desempenho individual e coletivo, lesões e consequente período exigente de recuperação. A cultura desportiva valoriza a resiliência e pode encorajar a repressão de emoções.
Muitas pessoas quando pensam na vida de um atleta de alta competição, seja qual for a modalidade, dificilmente associam estados depressivos ou outras patologias. Mas nem tudo é um mar de rosas. Existem múltiplos exemplos e que tiveram muito sucesso desportivo ao longo da carreira.
Simone Biles, a campeã olímpica, falou abertamente sobre a sua saúde mental nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2021, onde optou por se retirar de várias provas para preservar o seu bem-estar psicológico. Regressou em Paris-2024 com o mesmo sucesso dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro-2016, onde se tornou mundialmente conhecida. No seu documentário, recorda que tudo o que fez lhe deu mais confiança, mas também mais medo e receio.
Michael Phelps, o nadador mais medalhado da história, revelou ter sofrido depressão profunda, especialmente após os Jogos Olímpicos. Chegou a ter pensamentos suicidas e hoje é um ativista pela saúde mental. Outro nadador, Ian Thorpe, também passou grande parte da sua vida afetado por uma depressão, segundo relata a sua autobiografia. O pentacampeão olímpico em natação, admitiu no seu livro que planeou o suicídio por diversas vezes e que houve alturas em que bebeu grandes quantidades de álcool para conseguir gerir as mudanças de humor que tinha.
No futebol, Andrés Iniesta revelou ter enfrentado uma depressão grave durante a sua carreira, especialmente após a morte de um amigo e companheiro de equipa, Dani Jarque. Naomi Osaka (tenista) retirou-se de vários torneios para cuidar da sua saúde mental e tem projetos para explicar como se pode lidar com ansiedade e depressão.
Ainda mais grave, Robert Enke, guarda-redes internacional alemão que jogou três temporadas no Benfica e que também atuou pelo Borussia Monchengladbach, Barcelona, Fenerbahçe, Tenerife e Hannover, suicidou-se numa linha de comboio, depois de um longo período associado a depressão.
Vale a pena pensar sobre isto. O desporto envolve muita emoção. Alegria e tristeza estão separados por muito pouco. E mesmo que o ano termine em tristeza desportiva, qualquer desporto permite sempre que no dia seguinte a pessoa se levante outra vez e continue a lutar para ganhar."

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