"Antigamente eram os cães-polícias e os cavalos da Guarda Republicana, a bater com os cascos no chão e os quadris a alinhar o povo, que impunham respeito e ordem nas filas de entrada
Ao longo da minha vida sempre fui um freguês habitual das finais da Taça de Portugal. Mas agora há vários anos que não vou ao Jamor presenciar essa festa popular. Porque não tenho idade para grandes emoções e, sobretudo, para grandes confusões.
Mais uma vez fiquei em casa a ver o jogo em que o Sporting, campeão nacional com todo o mérito, se predispunha a conquistar a dobradinha. E, pela forma como assumiu o controlo e domínio das operações, marcando até um golo, parecia mesmo que tal ia acontecer. Só que num erro (infeliz) ofereceu o golo do empate e, pouco depois, uma expulsão (impensável) deu ânimo ao FC Porto para impor a superioridade numérica. Mesmo assim, o Sporting conseguiu resistir (com menos um, durante hora e meia) e levou o jogo para prolongamento… Mas aqui, um penálti (escusado) ditou o triunfo dos dragões. Enfim, tudo se conjugou para que o agora reformado presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, pudesse registar o último título do seu brilhante palmarés. E a Taça viajou para o Porto, com a comitiva, já altas horas da noite, a fazer escala no Santuário de Fátima, para agradecer as bênçãos divinas.
A propósito da Taça de Portugal, costumo dizer que ao longo da vida já presenciei mais de quarenta finais. Fui conferir a lista e cheguei à conclusão que são exatamente 44 realizadas no Estádio Nacional. E uma outra final, Boavista-Benfica (2-1), realizada no Estádio José Alvalade, no verão quente de 1975. E ainda mais cinco finalíssimas: em 1977/78 — o Sporting, treinado por Rodrigues Dias, venceu o FC Porto (2-1), de José Maria Pedroto, num jogo com enorme celeuma no final, disputado antes da célebre viagem dos leões à China; em 1978/79 — o Boavista, de Jimmy Hagan (e de Valentim Loureiro), venceu o Sporting, de Pavic (1-0, golo de Júlio), no desempate feito logo no dia seguinte (2.ª-feira); em 1989/90 — o Estrela da Amadora, de João Alves, venceu o Farense, de Paco Fortes (2-0), jogo em que recordo o meu amigo Duílio a levantar a taça na tribuna de honra e a enorme mobilização de motards que vieram do Algarve para apoiar o Farense; em 1993/94 — o FC Porto, de Bobby Robson, venceu o Sporting, de Carlos Queiroz (2-1), lembro-me do golo do Vujacic e das expulsões do Emílio Peixe e do Pacheco, já no prolongamento, num jogo em que, para além das ausências de Balakov e Iordanov, ambos no estágio da seleção da Bulgária para o Mundial-94, também o polaco Juskowiak não jogou a finalíssima por, na final, ter saído lesionado com gravidade; e em 1999/2000 — o FC Porto, de Fernando Santos, venceu o Sporting, de Augusto Inácio (2-0), cuja equipa, tal como agora aconteceu, tinha acabado de festejar a conquista do título nacional.
Anos 60, a década do Vitória
Como é óbvio, por causa da minha profissão, mais de metade das vezes em que estive no Jamor foi em trabalho de reportagem. Portanto, vejam bem o manancial de memórias que tenho para contar. Desta vez vou recordar as quatro finais mais antigas em que estive presente, as dos anos 60 da minha juventude. Uma década onde se evidenciou o Vitória de Setúbal, primeiro com Fernando Vaz, depois com Pedroto, a qualificar-se para cinco finais (2 vitórias e 3 derrotas).
Destas cinco só assisti à final de 1966: SC Braga-V. Setúbal (1-0, golo do Perrichon). Vejam bem o que é o futebol: dias antes, para o campeonato, o Vitória tinha vencido o Braga, por 8-1, em Setúbal. Razão pela qual todos prognosticavam que a taça iria para o Bonfim. Verdade que, no Jamor, o domínio dos setubalenses foi avassalador. Porém, ineficaz, desperdiçando tantas ocasiões, e, contra a corrente, em contra-ataque, os minhotos marcaram e assim conquistaram a Taça de Portugal... que o meu amigo Carlos Canário foi receber na tribuna de honra.
Se já houvesse VAR…
Foi em julho de 1960 a minha primeira final no Jamor: o Sporting, do argentino Alfredo Gonzalez, a defrontar o Belenenses, do brasileiro Otto Glória, que tinha Matateu, Vicente, Estêvão, Zé Pereira, Pires, Moreira, Yaúca… Ah! Mas o Sporting tinha uma equipa empolgante, que só não foi campeã porque, por infelicidade do seu guarda-redes, perdeu o título no Estádio da Luz, por 4-3. E nesta final jogou com: Octávio de Sá; Mário Lino e Hilário; Fernando Mendes, Lúcio e David Julius; Hugo, Faustino, Vadinho, Diego Arizaga e Juan Seminário. Com esta linha avançada, estávamos convencidos que seria canja, uma vitória tranquila. Tal como agora aconteceu (com os dragões), também dominou e também marcou cedo (Diego). No entanto, o Belenenses deu a volta ao resultado, com dois golos irregulares (como se pode observar nas imagens do YouTube). E assim levou a taça para o Restelo.
Autocarros da CARRIS no Marquês de Pombal
Naquela altura usava-se muito os transportes públicos. Pouca gente tinha carro próprio. Eu era rapazinho e recordo ter ido para o Estádio Nacional com dois amigos do Lumiar. Aqui apanhámos o autocarro da CARRIS, para o Cais do Sodré, onde tomámos o elétrico para o Dafundo. Dali seguimos a pé até ao estádio. Mas normalmente, em dias de jogo no estádio do Jamor, havia uma carreira especial a partir da Praça Marquês de Pombal, onde se perfilavam dezenas de autocarros da CARRIS, para levar o pessoal prá bola. Os mesmos que, no final do jogo, lá estavam a carregar a malta para o regresso a Lisboa.
A propósito disso, recordo-me, em 1964, de ter ido ver a final Benfica-FC Porto (6-2). E, com o resultado desnivelado, quando faltavam dez minutos, a malta começou a descer das bancadas para ir para a bicha dos autocarros. Eu fui um deles e, no trajeto, parei atrás da baliza norte e dali vi o José Torres marcar o sexto golo.
Todavia, a final mais importante para o Sporting, do treinador Juca, foi mesmo a de 1963, porque goleou (4-0) o Vitória de Guimarães, do argentino José Valle, qualificando-se, por isso, para a Taça dos Clubes Vencedores de Taças, da Europa. A qual viria a conquistar no ano seguinte.
‘Olhó nougat’; ‘Queijadas de Sintra’; ‘É o Rajá fresquinho’
Naquele tempo não havia claques organizadas, nem tumultos, nem polícia de choque a malhar nos desordeiros. Eram os cães-polícias e os cavalos da Guarda Republicana, com os cascos a bater no chão e os quadris a alinhar o povo, que impunham respeito e ordem nas imensas filas de entrada, na porta da maratona. Era tudo tão diferente. Os bilhetes (para todos os espetáculos) compravam-se na Agência ABEP, na Praça dos Restauradores. Com longas filas e os candongueiros, desinibidos, ali por perto: «É prá bola, é prá bola! Há bilhetes prá bola». Agora é tudo pela net, no telemóvel. Lembro-me que à porta do estádio, para abrigar do sol, comprávamos os chapéus de cartolina branca. E quem não quisesse assentar o rabo no cimento, podia alugar uma almofada de palha. Pelas bancadas deambulavam dezenas de homens na venda de cerveja e laranjadas. Ainda não havia por cá a Coca-Cola. Outros apregoavam: «Olhó nougat»; ou «Queijadas de Sintra»; ou «Rajá fresquinho». Todos faziam muito negócio. Que tempos esses. Ai que saudades, ai, ai!...
Voltaremos ao assunto das Taças de Portugal. Ainda há muito para contar."