terça-feira, 1 de outubro de 2024

E os direitos de quem tem a televisão desligada?


""Liga Portugal quer 300 milhões pelos direitos televisivos."
"Clubes podem receber até 180 milhões diz outra consultora."
Afinal, quanto pode valer este negócio para os clubes (e adeptos)?
Os meus cinco cêntimos sobre a questão que não sai de moda: a centralização dos direitos não resolve nada! E o Benfica não é culpado nem vítima do estado atual, é apenas mais um elemento de uma peça de ficção com muitos atores e demasiados atos.
Um dos principais problemas na estratégia errante do mundo do futebol português é a perceção que se tem da relação do país com o futebol. Vejamos alguns aspetos:
1.⁠ ⁠Não se gosta realmente do jogo, apenas de ganhar e achincalhar o adversário ou colega de trabalho. No estádio, é habitual assobiar-se mais o árbitro ou a outra equipa do que apoiar a nossa. Fazemos dínamo do ódio e esperamos que a proximidade afetiva nasça de sermos bons clientes e guerreiros do contra.
2.⁠ ⁠Os jogos são muito disputados, mas tendencialmente pouco atrativos. E o espetáculo fora deles ainda é pior. Diretores de comunicação, comentadores, ex jogadores, todos falam. Contudo, todos dizem pouco. Raramente se fala de futebol e, assim, perdemos todos.
3.⁠ ⁠A comunicação e promoção da Liga e FPF vivem numa realidade alternativa. Defendem um mundo de sonho onde os estádios estão cheios — com valores de ocupação fantasiosos —; os jogadores recebem a tempo e horas; e os dirigentes são arcanjos impolutos e especialmente bem preparados. Só que o deus do futebol já morreu e o outro não faz milagres.
4.⁠ ⁠A ligação aos adeptos é um belo chavão para o marketer, mas jogos ao domingo ou segunda à noite, bilhetes caros, estádios sem condições, etc, são o prato principal do menu. É difícil gostar deste jogo, e é ainda mais complicado ir à bola neste país quando não temos calendário ou agendamentos com mais de um mês.
5.⁠ ⁠Finalmente, o ponto que me interessa mais. Um saco de dinheiro não marca golos, muito menos enche estádios. Os clubes não têm mais adeptos porque isso é o reflexo de um país desequilibrado e injusto. Talvez assim se perceba que o nosso país vive a duas velocidades. Litoral e interior. Queremos ser um país virado para o futuro, mas esquecemo-nos das outras terras.
Quando me dizem que futebol e política não têm relação, talvez seja importante mostrar este exemplo: a falta de estratégia continuada para a coesão social e regional tem consequências em vários aspetos da nossa vida, e a existência — e sobrevivência — de clubes e coletividades é uma dessas.
Sou um pessimista incurável e, mesmo assim, acredito que a regionalização (ou descentralização) pode ser a grande chave para a mudança. Se retirarmos os três clubes com mais adeptos, vemos que os principais clubes estão nas cidades maiores e mais prósperas. Não é acaso, é consequência. Futebol é política, economia e geografia.
Futebol é tudo e tem de ser visto com a complexidade que tem. Dir-me-ão que a centralização dos direitos existe noutros países, mas quantos deles são tão desequilibrados como o nosso? Se as nossas caraterísticas são diferentes, não serve de nada usar soluções que funcionam com outras premissas. Lógico, não?
O desabafo já vai logo e, contudo, ainda mal começou. O mundo não se faz num dia, quanto mais em 90 minutos.
Pergunta bónus: e faz realmente sentido discutir o futuro das transmissões televisivas quando o amanhã não vai passar na TV?"

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