sábado, 17 de agosto de 2024

Chamassem A Ovelha e ele organizava uma aldeia inteira


"Roberto Telch foi um dos Carasucias do San Lorenzo de Almagro, o mais limpo de todos eles.

Héctor Rodolfo Veira jogou com ele nos Carasucias em 1964. E dizia: «La Oveja te organizaba un pueblo entero». Os Carasucias eram o San Lorenzo de Almagro e a sua linha avançada soava como um tango: Roberto Telch, Narciso Doval, Fernando Areán, Victorio Francisco Casa e Héctor Veira. Um mito perdulário. Só jogaram, na verdade, três jogos juntos. Mas ficaram para a história. Garotos que rondavam os 18 anos. O San Lorenzo nem sequer foi campeão, ficou em quinto._Mas o mito estava lá. «Carasucias, caray!». Roberto Telch era o que jogava mais atrás. A Ovelha. Para onde ia carregava a seriedade, a tranquilidade, e um vulcão de emoções escondido por debaixo. Hector Vieira, seu amigo profundo, que viria a ser acusado de violação de uma menor, gritava para os outros dentro de campo: «Corré vos que te acostás a las ocho de la noche». Hector nunca se deitava às oito da noite. Era um príncipe das madrugadas. Um mulherengo insaciável, um predador com escrúpulos. Houve muitos que nunca acreditaram na cena da violação. Como Telch. Era demasiado próximo e talvez nem quisesse saber para não acumular mais raiva por dentro. Tinha nascido no dia 6 de novembro de 1943 em San Vicente, Córdoba. Tinha pinta de craque e a sua melena enrolada era inconfundível. Estreou-se a 9 de setembro de 1962, com 18 anos, no jogo decisivo frente ao Ferrocarril para o título de campeão. Vitória por 3-2. E Telch como um jovem fidalgo pelo meio dos gritos ensurdecedores dos hinchas.
Em 1964, o carasucia já estava na seleção da Argentina. Viajou para o Brasil para jogar a Copa das Nações, um torneio que serviu para comemorar o cinquentenário da Confederação Brasileira de Desportos. No dia 3 de junho começou no banco, no Estádio do Pacaembú, Brasil-Argentina. Pelé andava a ser caçado a patadas como uma ratazana e não era homem para levar e não dar. Deu e forte em Mesiano. 27 minutos da primeira parte: Roberto entra para substituir o companheiro ferido. Zero-a-zero. Marcou dois golos e a Argentina venceu por 3-0. As páginas de El Gráfico cantaram: «El hombre de Pacaembú. La gran consagración de la noche. Cambió el partido. Transformó a Argentina. Una capacidad ofensiva extraordinaria con dos tubos de oxígeno a la espalda». Voltou como um herói e assim se manteve até 1975.
Em 1968, os Carasucias foram substituídos por Los Matadores. O futebol que o San Lorenzo praticava era como colírio para os olhos, com um gambetteo contínuo que fazia com que os adversários se sentissem num carrossel. Podia enjoar os jogadores das outras equipas mas entusiasmava e de que forma o público que enchia os estádios para verem A Ovelha pôr em ordem toda aquela movimentação diabólica que valeu a vitória invicta no Torneo Metropolitano. Hector Vieira continuava com ele na cancha. E agora outra gente como José M. Martínez, Alberto Rendo, Antonio Rosl, Juan Sconfianza, Miguel Tojo e Carlos Veglio. Todos olhavam para Roberto como o exemplo a seguir e não hesitavam em obedecer aos seus gritos quando o exagero das tabelinhas e dos dribles pareciam fazer esquecer a necessidade do golo. Em 1974 jogou o seu primeiro Campeonato do Mundo, na Alemanha Ocidental, que acabou por ser igualmente o único. Os argentinos ficaram na fase de grupos com a Itália, o Haiti e a Polónia. Perderam com os polacos, empataram com os italianos e golearam o_Haiti por 4-1. No segundo turno, caíram no grupo de Holanda, do Brasil e da Alemanha Oriental. Apenas um empate, com a RDA, e derrotas dolorosas com o Brasil (1-2) e com a Holanda (0-4). Telch veio desiludido, não jogou tanto como esperava, sentiu necessidade de mudar de vida, foi para o Unión de Santa Fe, ficou dois anos, transferiu-se para o rival Colón de Santa Fe.
«Hoy que dios me deja de soñar
A mi olvido iré por Santa Fe
Sé que en nuestra esquina vos ya estás
Toda de tristeza, hasta los pies
Abrazame fuerte que por dentro
Me oigo muertes, viejas muertes
Agrediendo lo que amé/Alma mía, vamos yendo
Llega el día, no llorés», cantava Amelita Baltar com a sua voz lavada a whiskies Balada Para Mi Muerte do inimitável Piazzola. Roberto tornara-se um desenraízado. Perdera potência física, deambulava cada vez menos por toda a largura e por todo o comprimento do campo, talvez sentisse uma pontada aguda de saudade do tempo da sua quase adolescência no meio dos Carasucias. O futebol já não o encantava e deixou os relvados. Não foi longe. Com o velho camarada Miguel Tojo formou uma dupla técnica e pegou no Racing-Tavella. Daí mudaram-se para o Arsenal de Sarandí, para a Colômbia (Deportivo Pereira e Atlético Bucaramanga), voltaram para a Argentina e para o Chaco For Ever, seguido pelo Banfield. Futebol demasiado pequeno para as ambições d’A Ovelha. Desistiu de vez. Trabalhou no balcão de uma loja. Morreu de ataque cardíaco. Logo quando já não tinha pressa."

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