quarta-feira, 10 de julho de 2024

Prueba superada, señor Martínez


"Roberto Martínez disse logo, desde o início, que contava com Ronaldo. Mas o que se pensava que fosse uma nova era de gestão equilibrada do avançado português revelou-se um exercício de obediência cega ao mais penoso dos ditames: não toques no Ronaldo

Imagino Roberto Martínez, numa noite fria de Bruxelas, a receber uma cassete (sim, uma cassete) com uma proposta irrecusável: saltar de uma das melhores seleções europeias diretamente para outra, com um ordenado faraónico e num país com melhores condições meteorológicas e gastronómicas. Futebolisticamente era quase o mesmo que treinar a Bélgica: um grupo de jogadores talentosíssimos em quase todos os setores. Ao nível da qualidade de vida, nem se compara, pelo menos para alguém com os rendimentos de Martínez.
Havia uma ressalva, aliás exposta na tal mensagem imaginária: “a sua missão, caro Roberto Martínez, é a de trazer de regresso à seleção portuguesa o capitão Cristiano Ronaldo e voltar a fazer dele o Alfa e o Ómega da equipa de todos nós (menos dos que acham que o Ronaldo de vez em quando devia ir para o banco)”. Não era uma missão sem espinhos. Martínez, homem inteligente, deve ter olhado para as costas dos vizinhos, dos seus antecessores, e percebido que, mesmo aos 38 anos e a jogar na fortíssima liga saudita, Cristiano Ronaldo não é uma força que se enfrente sem pagar o derradeiro preço.
O espanhol lá fez as contas e terá concluído que havia trabalhos piores no mundo. Nunca enganou ninguém. Disse logo que contava com Ronaldo. Mas o que se pensava que fosse uma nova era de gestão equilibrada do avançado português revelou-se um exercício de obediência cega ao mais penoso dos ditames: não toques no Ronaldo. O que antes, atendendo ao extraordinário desempenho do jogador, era uma dança difícil entre as suas características e as necessidades da equipa tornou-se durante este Europeu num dogma surreal: mesmo contra todas as evidências, com os números que tantas vezes foram usados para exaltar Ronaldo a demonstrarem a sua absoluta ineficácia, ele jogou sempre, cada minuto (exceção a uma meia-hora contra a Geórgia) de cada jogo, sempre com aquela esperança, cada vez mais desligada dos factos, de marcar o golo redentor.
Confirmada a eliminação, ainda houve quem tivesse tido o descaramento de apresentar Cristiano como mártir de uma seleção de apóstolos que não o souberam servir: afinal, a culpa de CR7 não ter marcado um único golo – a primeira vez que lhe aconteceu na carreira – de ter passado os jogos perdido no Vietname dos centrais, não é dele, nem da diminuição absolutamente normal das suas faculdades, nem de estar habituado a enfrentar defesas de areia na Arábia e agora ter de lidar com defesas de betão. Não, a culpa é dos seus companheiros, esses coxos, que não lhe oferecem os golos em bandejas de prata.
Como todas as seitas, não é possível argumentar com os cristiano-ronaldistas. Nem é essa a minha intenção. O que queria era fazer uma avaliação de Roberto Martínez. Sendo o mais isento possível, a nota só pode ser positiva. A participação portuguesa não foi um desastre, chegou aos quartos de final, o mínimo dos mínimos, com a atenuante de ter calhado no lado mais difícil do quadro e de ter caído frente a uma equipa muito sólida, e cumpriu a missão que lhe propuseram e que ele aceitou: voltar a fazer da seleção a equipa de Cristiano Ronaldo sem nunca deixar cair o capitão, sem revelar a mínima hesitação, sem nunca fazer pairar sobre o jogador a mais pequena nuvem de desconfiança. Por tudo isto, parabéns, señor Martínez. Como se dizia no Juego de la Oca: prueba superada!"

1 comentário:

  1. "Não, a culpa é dos seus companheiros, esses coxos, que não lhe oferecem os golos em bandejas de prata."
    Então e aquela oferta do espalha brasas no cair do jogo?

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