domingo, 7 de julho de 2024

Por uma questão de estatuto


"O único que tinha mesmo estatuto de insubstituível era Ronaldo. Mas esse Martínez sempre assumiu. Apesar de, como se viu, estar errado

Portugal foi eliminado do Europeu. A primeira conclusão a tirar é a de que Roberto Martínez não teve razão e a sua teoria estava manifestamente errada. Pode parecer brutal esta maneira tão nua e tão crua de analisar a presença portuguesa no Euro da Alemanha, mas a verdade é que não conheço outra mais concreta, mais real, mais objetiva.
Fernando Santos tinha toda a razão e todos os seus críticos, que o acusavam de ser demasiado defensivo e nada arriscar, não tinham. Porque a seleção de Fernando Santos, que não tinha a mesma constelação de estrelas desta seleção de Martínez, foi campeã da Europa e a de Martínez ficou-se pelos quartos de final. E Martínez também não teve razão nas substituições que fez e, sobretudo, nas substituições que não fez. Basta lembrar que meteu o João Félix de propósito para marcar penáltis e ele, de tantos escolhidos, foi o único que falhou.
A verdade é que analisar o futebol fica mais simples se apenas considerarmos a questão do resultado final. É o que a maioria dos comentadores faz e, assim, não corre riscos. Ninguém se lembra daquilo que um comentador encartado diz na televisão antes dos jogos. Pode não acertar uma, que a memória dos espectadores não se lembrará de nada. E por isso pode-se sempre brilhar depois dos jogos, dizendo o que está certo e o que está errado.
Em voga, nas críticas a esta seleção, sempre esteve a questão do estatuto. Martínez tinha jogadores intocáveis. Um deles era Bruno Fernandes. Pois bem. Se o médio do Man. United fosse mesmo intocável tinha continuado até ao fim do prolongamento e marcado o penálti que Félix desperdiçou.
Julgo, para ser sincero, que Martínez apenas sentia uma única obrigação nesta equipa de Portugal. Quando fazia o onze, partia do princípio de que era o Cristiano e mais dez. Podemos discordar, e eu discordo, de ter um jogador, mesmo que seja Cristiano, absolutamente intocável. Porém, Martínez desde a primeira hora que deixou muito claro que no capitão não se mexe.
É aceitável pensar que se Cristiano esteve longe de ser Cristiano em todos os jogos da primeira fase, dificilmente haveria de ressuscitar nos jogos decisivos e frente a seleções do top mundial, como a França. Era confiável nos penáltis, admite-se, mas para uma seleção que adotou como estratégia libertar Rafael Leão de funções mais defensivas, para o aproveitar melhor no contra ataque, tornava-se perigoso ter Cristiano Ronaldo como ponta de lança inamovível durante duas horas de um jogo de futebol ao mais alto nível competitivo. Certo, que tivemos Pepe e sem razões de queixa, mas central não é ponta de lança.
Perdemos, então, o nosso lugar no Euro por causa da teimosia em manter Cristiano Ronaldo, fizesse chuva ou sol, jogássemos com a famigerada Chéquia ou com a França? Não, necessariamente. Poderemos apenas conjeturar e especular que, a dada altura do impasse atacante, talvez Gonçalo Ramos ajudasse a criar mais espaços, fosse mais ativo a atacar a bola jogável nas linhas atrasadas francesas, pudesse, até, acertar um pontapé à Éder e dar mais uma alegria aos portugueses. Não se sabe, nem nunca se saberá.
Cada português terá a sua legítima opinião sobre esta Seleção Nacional. A minha opinião é a de que enquanto não tivermos uma equipa que jogue com altos índices de personalidade, enquanto não tivermos uma equipa capaz de impor o seu ADN competitivo, enquanto não tivermos uma equipa que entre em campo e se imponha ao adversário sem recorrer ao jogo do gato e do rato nunca seremos, de facto, um candidato."

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