domingo, 28 de julho de 2024

Os Jogos e o Mundo


"Estes Jogos não disfarçam, na sua deslumbrante ficção, a inquietação por uma época de confronto e de ameaça mundial. Mesmo assim temos o direito e até o dever de os celebrar

Como se esperava, Paris apostou numa festa de glamour e bom gosto para abertura dos Jogos Olímpicos mais inquietantes da história do movimento olímpico. Um cenário cor de rosa num mundo da cor do chumbo. A espetacularidade de Hollywood, mas sem o lado kitsch americano, num aproveitamento inimitável dos monumentos universais da capital francesa.
Pela primeira vez, na História dos Jogos, a abertura foi realizada fora do estádio olímpico. Ao longo de seis quilómetros, entre a ponte de Austerlitz e a ponte d’ Iena, noventa e quatro embarcações navegaram pelas águas do Sena, que vinte e cinco anos depois de uma promessa de Jacques Chirac, e mais de mil milhões de euros de investimento apresenta, enfim, um cartão verde, não sei se inteiramente fiável, para banhos e mergulhos.
Num cenário deslumbrante, uma cerimónia inesquecível. Definitivamente, Paris quer passar ao mundo a ideia do regresso à cidade do amor, a um novo romantismo futurista que procura salvar a cidade da erosão de uma forte descaracterização civilizacional e que provoca, nos visitantes, um olhar justificadamente desconfiado e até desiludido. Para isso, deslocou mais de 3000 “sem abrigo” para umas “férias” forçadas, oficialmente recolhidos das vistas mundanas, e criou condições idílicas para quinze dias de festa e fantasia.
Há, porém, um problema que subsiste. Estes Jogos não disfarçam, na sua deslumbrante ficção, a inquietação por uma época de confronto e de ameaça mundial. Apesar dos apelos do Papa e das mais tímidas declarações no âmbito do movimento olímpico, não existem tréguas em Gaza, nem na Ucrânia. A guerra esquece os Jogos e os Jogos tentam esquecer a guerra. Pior. Mais do que nos anos oitenta, os tempos mais marcantes dos boicotes olímpicos, a tensão das grandes potências mundiais, que inclui a América, a Rússia e a China, assume proporções críticas.
De todo este quadro de preocupação global resulta, inevitavelmente, uma atenção muito especial com a segurança. Dos atletas, mas também dos espectadores. Mais de 45 mil polícias tentam executar um plano único de controlo. Ontem, durante as mais de três horas que durou a cerimónia de abertura, todo o espaço aéreo francês esteve fechado e ao longo da última semana os locais mais emblemáticos da cidade foram espiolhados, diariamente, por agentes de segurança.
Entretanto, o presidente do comité organizador dos Jogos de Paris, Tony Estanguet, lembra que os Jogos Olímpicos são, sobretudo, a festa dos atletas que neles irão competir. Dez mil e quinhentos atletas de todo o mundo, aos quais deverá ser dado o direito ao sonho e à realização das suas proezas desportivas. E assim deveria ser. O problema é que, ao longo do último século, os Jogos ganharam um estatuto único e universal, e à medida que foram crescendo, pela sua aliança natural com o fenómeno mediático, tornaram-se numa força que os senhores do mundo não podiam deixar de usar e manipular.
Não foi, aliás, muito corajosa a resistência oferecida pelo movimento olímpico. A ideia fundamental da autonomia do olimpismo ficou definitivamente comprometida numa teia de cumplicidades e de negócios reluzentes.
Mesmo assim, sabendo que o lado mais puro e romântico dos Jogos Olímpicos não conseguiu resistir ao duro materialismo dos interesses, a verdade é que os Jogos continuam a ser o maior espetáculo do mundo. E é isso que, sem perdermos a consciência da realidade, temos o dever e o direito de celebrar.

DENTRO DA ÁREA
COMEÇAR BEM NA EUROPA
SC Braga e Vitória de Guimarães ganharam os seus jogos de abertura da época europeia. Nada que surpreenda, tendo em conta a pequena dimensão dos adversários. Ainda assim, um cometimento louvável. Os clubes portugueses precisas de afirmação internacional e as últimas épocas têm sido pobres. Aliás, Portugal vive num dilema sem solução. Quer mais representantes da Europa, mas quantos mais consegue mais longe fica do topo europeu.

FORA DA ÁREA
O DISCURSO DA MENTIRA
Trump acusou publicamente Kamala Harris de ser “uma louca esquerdista radical”. Podemos pensar que se trata de uma declaração que apenas denuncia medo. Sim, se tivermos um pensamento europeu, onde, apesar de tudo, o respeito pelo outro ainda conta. Não, na América. Trump sabe que este é o discurso que mais o favorece. Porque conhece o seu eleitorado e porque é imbatível na mentira."

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