quinta-feira, 25 de julho de 2024

Deixem o Diogo Ribeiro sonhar


"Passaram vários meses desde o ouro de Diogo Ribeiro no Mundial, mas alguns continuam a ver a natação para uns Jogos como se fosse o pontapé na bola. Essa não é a realidade

Deixem o Diogo Ribeiro nadar. Desde que, em fevereiro, Diogo Ribeiro se sagrou, por duas vezes campeão do Mundo em Doha, nos 50 e 100 mariposa, que leio, oiço comentadores na televisão e dizem-me que Portugal vai ganhar, pela primeira vez, uma medalha na natação nos Jogos Olímpicos de Paris-2024.
Ótimo, pessoas que nem ligavam nenhuma à modalidade ou sabiam quem eram os seus atletas passaram a dedicar alguma atenção, nem que seja quase procurando em exclusivo notícias sobre o nadador do Benfica.
Com o tempo pensei que iam perceber melhor a realidade e olhar para algo que se rege por tempos que cada um tem capacidade de alcançar e onde a luta começa entre cada atleta na sua pista, tentando superar-se antes de ter de bater os adversários mais próximos. Que até podem ir noutra série ou na pista do lado completamente oposto, que não vêm. E os apuramentos apenas se fazem pelas marcas e não começam pelos melhores classificados em cada série como acontece, por exemplo, no atletismo.
Mas não. Muitos continuam a olhar para as provas como se elas dependessem de um remate e da bola, depois de bater na trave, entrar ou não na baliza. Pior, alguns ainda nem descobriram que os 50 mariposa não fazem parte do programa olímpico.
E não é por culpa do Diogo, que também irá aos 50 e 100 crawl, pois, desde início, que ele e o seu treinador, Alberto Silva, vão avisando que o objetivo é chegar à final e melhorar o recorde. E depois, logo se vê o que pode acontecer se conseguir integrar o lote dos oito melhores que disputarão as medalhas. E aí sim, tudo pode acontecer, como em Doha. Ribeiro, aliás, só gosta mesmo de falar em medalhas quando se refere aos Jogos de Los Angeles-2028.
Quem o conheça minimamente, sabe bem que a ambição de vencer e voar na piscina faz parte do seu ADN. Não é uma coisa que lhe apareceu nos últimos três anos, mas algo que vive dentro dele e o alimenta diariamente nos treinos, o obriga a ir aperfeiçoando todos os detalhes técnicos, e, normalmente, o torna gigante nas provas ao lado de adversários com mais palmo e meio apesar dos seus 1,84m.
Só que Diogo também sabe a realidade dos números e o tempo que, ao nível a que chegou, necessita para ir retirando milésimos aos recordes. Agora, nunca, até porque isso iria contra a natureza de um vencedor, o irão ouvir a diminuir-se em relação àquilo que ambiciona, mas também não insistam e queiram que diga o que não sabe se é possível.
Para quem continua a ver as coisas na ótica do pontapé na bola, e são muitos, mesmo na área do desporto, digamos que o recorde nacional que conseguiu no Mundial de Doha, 51,17s, e lhe deu o ouro, na final dos 100 mariposa nos Jogos de Tóquio, há três anos, o deixaria no 8.º lugar, atrás do guatemalteco Luís Martínez (51.09), e numa prova ganha com recorde mundial pelo americano Caeleb Dressel (49,95). Há três anos! Significa que, desde então, os outros também terão evoluído ou alguns surgido.
Mais, neste momento, entre os 40 apurados para a distância na capital francesa, Diogo surge com o 15.º melhor tempo de inscrição. Todos acreditamos que o conimbricense já terá capacidade para fazer melhor que o máximo luso, mas, pelo meio, e ainda antes de poder ser o segundo português finalista nuns Jogos depois de Alexandre Yokochi em Los Angeles-1984, aos 200 bruços, há eliminatórias e meias-finais. E logo aí tudo já terá de estar próximo da perfeição porque os adversários também esperam que aconteça com eles.
Face a esta realidade, não pressionem. Deixem-no nadar, mas não estejam à espera de cobrar algo que nunca disse que realizaria — ainda que na sua mente queira ser o melhor —, porque irá transportar-nos no seu sonho."

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