quinta-feira, 11 de julho de 2024

A gratidão nacional e a seleção nacional


"Não foi bom o Europeu de Portugal. Foi de menos a mais, com uma exibição muito competente na despedida, mas esta foi uma seleção que demorou a assentar num plano de jogo, viveu um experimentalismo tático com alteração de estruturas – dois e os três centrais? - que consumiu tempo e revelou escassa utilidade, sofreu com algumas opções incompreensíveis, em que avulta a substituição de Vitinha com a Eslovénia, e não teve, o que é óbvio ao fim de cinco jogos, verdadeiro poder de fogo no ataque. Os mais de 300 minutos sem conseguir marcar um golo com que despediu da prova são eloquentes.
Cristiano Ronaldo não foi naturalmente o único problema, mas foi um problema, como se adivinhava, em particular após o jogo com a Irlanda, que iludiu quanto à condição atual daquele que é um dos melhores futebolistas mundiais de sempre. Ronaldo não devia ter sido titular indiscutível da seleção e menos ainda participar (quase) todo o tempo em todos jogos, prolongamentos incluídos. Parece hoje evidente que a sua história, única e incomparável, não o pode eternizar nas opções táticas, porque não pode a gratidão nacional a definir o onze da seleção nacional. Jogando tempo idêntico, é difícil imaginar que Gonçalo Ramos, Diogo Jota ou João Félix – aqueles que também podiam desempenhar a função – não tivessem acrescentado golos à carreira lusa no torneio da Alemanha.
A gestão do futuro não se afigura fácil, sem que se descortine uma solução ótima. Cristiano Ronaldo não deu sinais de querer abandonar o grupo e parece até óbvio – e respeitável, do ponto de vista pessoal - que pretenda outro final para a sua história de quinas ao peito. Assim, contar ou não com CR7 na Seleção, e em que moldes – não sendo eu adepto de teorias da conspiração ligadas a influências de A ou B - estará na exclusiva competência e responsabilidade de Roberto Martínez. Quando o técnico espanhol assumiu a equipa de Portugal, Fernando Santos tinha acabado de virar uma página, assumido pela primeira vez, com atos – a colocação de Ronaldo a suplente em dois jogos do Mundial do Catar – que o craque indiscutível tinha deixado de o ser. Instalou-se um psicodrama, os três golos de Ramos de pouco valeram, a seleção perdeu com Marrocos e Santos caiu. Recém-chegado, Martinez foi à Arábia falar com o português mais famoso do mundo e decidiu que mais valia gerir a questão Ronaldo a partir de dentro do que tê-la a atormentá-lo, em permanência, a partir de fora. Mais que avaliar agora se foi certo ou errado, algo me parece evidente: na caminhada para o Mundial, Portugal já não poderá, em definitivo, ser Ronaldo e mais dez. Acontece que um recomendável meio termo – ter Ronaldo mas assumir que ele pode ser substituído, suplente e até nem convocado – nunca vai ser fácil de gerir, desde logo pelo próprio, mas também pelos média e pelo público mais ululante que se acotovela a ver jogos quando da seleção se trata.
Restam-me duas certezas:
1. Clarificar o lugar está reservado a Ronaldo é fundamental para que não se desaproveite mais uma vez o potencial desta incrível geração de talentos, em que alguns dos mais brilhantes – como Bernardo, Bruno e Cancelo – até já tocam a casa dos 30;
2. Uma coisa é a crítica, outra é o achincalhar um atleta, seja com números ou memes, para mais quando se trata de uma lenda única como Ronaldo, no tanto que representa para Portugal e os portugueses.

PS: Já agora e guardadas as proporções, o mesmo se aplica a João Félix, um dos celebrados (e verdadeiros) grandes talentos da seleção: atacar e desvalorizar um atleta, aproveitado o facto de ter falhado um penalti é mais que ignorância e injustiça, é uma indecência."

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