sábado, 8 de junho de 2024

O treinador português ficou fora de moda


"Como é que se explica que os portugueses se considerem entre os melhores treinadores do mundo quando já não treinam as melhores equipas nem podem atacar grandes títulos?

IMAGINEMOS que os dez primeiros classificados de cada uma das mais recentes edições das ligas Big Five serão, na próxima temporada, os principais candidatos à conquista dos respetivos títulos de campeão (e eventualmente até os outros troféus), o que é, admito, conclusão longe de ser à prova de bala. Porém, no momento em que escrevo estas linhas, se puxarmos desse critério, Portugal não apresenta um único representante do qual se orgulhar, ou seja, a probabilidade de vermos um treinador luso levantar uma taça relevante daqui a menos de um ano é diminuta.
É verdade que Sérgio Conceição, falado para o Marselha e para a sua Itália, e Paulo Fonseca, candidato a suceder a Stefano Pioli no Milan – mesmo que há uns anos não tenha conseguido quebrar com a Roma o status quo –, ainda podem equilibrar um pouco a balança. No entanto, nota-se a perda de influência nos principais palcos. O editor-executivo de A BOLA Nuno Travassos ainda há dias abordava o tema, ao fazer o levantamento da época que há pouco findou, e concluía pelo desaparecimento da portugalidade das grandes decisões.

OUVIMOS muitas vezes que os portugueses são dos melhores treinadores do mundo, todavia, o mercado não o reconhece. Os números são avassaladores. Se Portugal está a zeros, há 12 espanhóis e 10 do eixo austro-alemão a cumprir o critério acima. Os italianos são 8 e os franceses 5, mas em ambos os países se insiste na aposta na prata da casa e, dessa forma, pode prever-se um crescimento. Há igualmente dois neerlandeses, embora um deles, Erik ten Hag, apenas se aguente, e muito tremido, em Old Trafford. E, ainda, um inglês, um chileno, um argentino, um belga, um norte-americano, um australiano (com ascendência grega) e um croata. Seis clubes, pelo menos, ainda não resolveram o futuro.

CONTRARIAMENTE ao que acontece nas outras Big Five, em Inglaterra a prevalência é do estrangeiro, o que historicamente, quando há poucas décadas se tratava do país mais fechado à cultura futebolística além fronteiras, não deixa de ser relevante. A Mãe do Futebol sempre teve grandes dificuldades em reconhecer que havia quem pudesse perceber mais do treino e do football em si que um inglês. Hoje, é o empório do jogo. Aí estão os melhores jogadores e treinadores, e muito mais dinheiro do que em qualquer outro lado, para contratá-los, despedi-los e manter o ciclo. Tal refletiu-se numa mudança tremenda na textura e na complexidade do association, com efeitos práticos na seleção.
A predominância do espanhol dever-se-á a dois fatores. Não é só a presença de um embaixador fortíssimo como Guardiola, um ganhador que abre portas em todo o lado, mas também a existência de uma escola, da qual é o representante máximo, e que privilegia posse e ataque.
Não há, obviamente, treinadores iguais, mesmo nascidos no mesmo país. Não podemos comparar Pep com Marcelino García Toral ou com Julen Lopetegui, mas podemos avançar que o ex-FC Porto tem conseguido recuperar dos vários golpes sofridos na carreira mais por transportar a ideia do que pelos resultados conseguidos através desta. Se, por vezes, Arteta parece decalque do mestre apenas com algumas dinâmicas acrescentadas e sobretudo menos experiência (sua e dos seus jogadores), Xabi Alonso criou-lhe mutações, tal como o mais pragmático Emery ou o objetivo Michel. O denominador comum é um futebol técnico, ofensivo e de ataque posicional forte.
Além disso, Guardiola não influencia só espanhóis: quanto dele não está no belga Vincent Kompany, que recomendou ao Bayern, ou no ex-adjunto no City Enzo Maresca? O italiano acabou de ser contratado pelo Chelsea e o passado terá tido o seu peso.

TAMBÉM pelo domínio hispânico se explica o deserto neerlandês, que tem uma das mais influentes, se não a mais influente, figuras da história, como jogador e treinador: Johan Cruijff. Arne Slot tem agora a dura responsabilidade de devolver aos Países Baixos a referência internacional que Ten Hag não tem conseguido ser. Sem esta, o modelo espanhol, que aí se inspirou profundamente, torna-se versão mais moderna e apetecível. MAIS uniforme, até no radicalismo, é o fussball austro-germânico: ritmo non stop, pressão agressiva e reação à perda em enxame, quase kamikaze, a querer disferir todos os golpes para um knockout rápido, ao primeiro assalto. Mesmo sem o embaixador Jürgen Klopp, que decidiu parar, quem assim quiser jogar fora deste eixo sabe onde pairam as pessoas certas. Tem faltado, sobretudo aos alemães, a continuidade das novas referências, como Tuchel e Nagelsmann, porque todos os modelos precisam de resultados. Ainda assim, alemães e austríacos são dos que ainda exportam técnicos para as maiores ligas.

COVERCIANO é o coração do calcio. Aí se formam treinadores e árbitros. O perfil do técnico transalpino está bem identificado: as equipas treinadas por eles são focadas, sólidas, bem organizadas e vencedoras. Sacchi foi revolucionário no aspeto ofensivo e os restantes caminharam com o rótulo do resultadismo às costas, mas Spaletti, Gasperini, De Zerbi e Inzaghi voltam a mostrar que o país está revitalizado.

CURIOSAMENTE, Arsène Wenger foi tão revolucionário quanto José Mourinho fora do seu país, porém, com a perda da aura de vencedores, as portas começaram a deixar de estar tão abertas para franceses e portugueses. Estes precisam mais de fenómenos dos que os outros para estarem na moda. A falta de uma escola evidente, de um perfil do que é o treinador português e como joga, complica. Não ser propriamente inovador (embora competente) falha no despertar da curiosidade.

O adiamento da saída de Rúben Amorim, apenas nessa perspetiva, não é bom e Sérgio Conceição ganha a responsabilidade de tentar confirmar lá fora o que fez com pouco cá dentro, embora desconfie que vá para Itália ou para outro lado dar uso à costela... italiana. E agora que vem a contexto a passagem de Mourinho pela Roma e até o facto de a maior conquista da Seleção Nacional ter sido sob a liderança de um resultadista - e também a sua sucessão ter sido resolvida com um estrangeiro, dadas as dificuldades de encontrar um português com ideias progressistas (e um discurso e imagem congruentes) -, pergunto-me: será que a imagem que temos dado não é mais papista que a transalpina e mais afastada da moda do que deveria?"

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