sábado, 15 de junho de 2024

O puzzle português


"Será esta a melhor seleção de todos os tempos? A resposta tradicional seria: "Os resultados o dirão." Mas será mesmo assim? Nem sempre ter os melhores jogadores garante a vitória. Da mesma forma, a melhor tática, o melhor modelo de jogo, ou ser a equipa que mais corre etc, não são garantias de sucesso por si só. Certamente ajudam, mas o futebol é um jogo de decisões, tanto pequenas quanto grandes. O somatório de muitas pequenas más decisões pode ser catastrófico, assim como uma grande decisão mal tomada frequentemente resulta em derrota.
Para mim, no entanto, esta é a melhor seleção de todos os tempos. E explico porquê. Nunca houve uma oportunidade de reunir numa mesma seleção um NÚMERO tão grande de jogadores de qualidade tão alta. Outras gerações contaram com nomes como Figo, Rui Costa, Futre, Chalana, Eusébio, entre outros, mas nunca tiveram ao seu lado pelo menos mais 20 jogadores muitos deles de perfis DIFERENTES igualmente talentosos. E, claro, a enorme COMPLEMENTARIDADE e capacidade de se conectarem que existe entre eles. A riqueza desta equipa está precisamente aí: é praticamente um puzzle perfeito, onde todas as peças existem no número certo e se encaixam, mesmo mudando o quadro (formação), ou pintura de base (estilo de jogo adotado) mais ou menos complexo, com mais ou menos simetrias ou assimetrias e variabilidades.
Se observarmos e estudarmos uma equipa de futebol numa dimensão 3D ou até 4D, em análise teremos a Altura, Largura, Profundidade e a junção de vários espaços tridimensionais numa linha. Com estes jogadores podemos criar um puzzle que evidencie toda a profundidade da Ponte Vasco da Gama, com gente capaz de atacar e defender a profundidade. Que mantenha a distância entre linhas que cada momento do jogo nos exige. Mas ao mesmo tempo um puzzle que demonstre toda a largura do nosso Mosteiro dos Jerónimos, neste caso normalmente dada pela excelência dos nossos laterais. A altura vista sobre vários prismas que vão desde utilizarmos mais o passe longo ou curto, mais centros ou menos centros, em suma a bola rolar mais junto á relva ou não. Mas também estarmos à altura do acontecimento. Imaginem um puzzle com a força do Padrão dos Descobrimentos em Lisboa ou da Torre dos Clérigos no Porto. Quando temos a bola temos condições para 'jogar' no Campo Grande, o talento é tanto que podemos ocupar cada canto da Avenida dos Aliados no Porto, mas o mais impressionante é que quando não temos bola podemos criar um puzzle reduzindo os espaços com uma tela do Campo Pequeno, a famosa praça de touros em Lisboa.
Portugal pode jogar em qualquer sistema usando os mesmos princípios. A competição interna em cada posição será uma arma poderosa. Mas após lerem todas estas palavras, muitos de vocês devem estar a pensar: porque raio precisamos então de um treinador ? Pois bem, acreditem que mais que nunca precisamos de treinador. Eu gosto muito do que temos.
Manter tantos jogadores talentosos motivados ao longo de um campeonato como o Europeu será um desafio árduo, mas crucial. Manter tantos bons jogadores com 'sangue nos dentes' durante todo o Europeu será uma tarefa árdua, mas acreditem que será a sua segunda grande tarefa, porque a primeira será, independentemente dos nomes e forças de apoio que cada um dos jogadores venha a ter, encontrar as 'conexões nervosas' entre todas as peças do puzzle, quer na defesa quer no ataque. Quanto mais fortes forem essas conexões mais fortes seremos. Só assim seremos cognitivamente superiores. Será o cognitivo que fará a diferença nos pequenos e grandes detalhes, no somatório das pequenas e grandes decisões. A nossa competência cognitiva, que diferencia os seres humanos dos outros animais, vai permitir que sejamos o que considero ser mais marcante no futebol atual. A HARMONIA. As grandes equipas da atualidade são incrivelmente harmoniosas.
Frequentemente, lá fora, questionam-me como um pequeno país como Portugal consegue produzir tantos bons jogadores. Acreditem que não é pelo numero de duelos que ganhamos ou pela quantidade de remates à baliza. Também não é por causa da altura ou envergadura dos nossos jogadores, nem por causa do numero de quilómetros percorridos. Na minha opinião, o que diferencia o jogador português é o seu conhecimento de jogo. Muito ligado às competências cognitivas. Tudo começa com o controlo da bola (aspeto aparentemente básico mas decisivo para dar continuidade a cada ação). Sabemos quando acelerar e travar (pausar) o jogo, não somos quadrados, sabemos variar o jogo. Tanto vamos pela a esquerda, como vamos pela direita ou penetramos pelo centro, vamos por onde o jogo nos vai pedindo. Sabemos que se tratarmos bem a bola, a iremos perder menos vezes e por consequência os adversários terão menos oportunidades de poder fazer-nos mal. Sabemos ser malandros no uso do corpo. Sabemos que jogar em equipa nos torna mais fortes.
E claro, beneficiamos todos do grande legado que o Cristiano Ronaldo nos deixa e que não são só golos e que ele está a transmitir tão bem a estas gerações mais jovens. Se trabalhares muito e bem, podes ganhar. Trabalhar compensa."

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