sexta-feira, 28 de junho de 2024

João Félix, o menos frágil dos azulejos


"No dia em que finalmente apareceu João Félix, não apareceu a equipa. Fica no caderno de apontamentos de Roberto Martínez a nota de que pode ser uma solução alternativa para o ataque assim realize exibições como a que teve contra a Geórgia e diminua as inconstâncias, esse vírus que o afeta.

A força gravitacional parte um retângulo de azulejo no chão. Aquilo que era um composto homogéneo transforma-se em pequenos cacos. Não é possível contá-los. Evidencia-se o caco maior, aquele que resistiu mais ao impacto da queda. O núcleo de onde todas as outras partículas fugiram que deixa perceber um pouco do recorte da pintura feita em cima do material lustroso.
Esse pedaço é uma relíquia, permite fazer a reconstituição do que valia o todo antes de estar dividido em átomos. João Félix, na pungente exibição de Portugal contra a Geórgia, foi o único artefacto que vale a pena conservar. A seleção nacional vestiu-se de camisola azul ornamentada com floreados num tom mais escuro para fazer lembrar peças de cerâmica. Como a equipa nunca funcionou como um todo, cada um dos jogadores não foi mais do que a divisão em grãos de areia de uma obra artística.
Portugal esteve bem mais perto do seu potencial máximo contra a Turquia, partida que antecedeu o duelo com os georgianos e no qual a seleção nacional conseguiu o apuramento para os oitavos de final. Acontece que os jogadores eram outros. Roberto Martínez fez oito mudanças no onze. João Félix entrou nas escolhas iniciais ao embalo da rotação do técnico espanhol.
O nível de forma volúvel do extremo tem-lhe imposto idas frequentes ao banco nos vários contextos competitivos por onde tem passado. Diz já estar habituado e manter-se disponível para ajudar no que conseguir. Cara a cara com os intensos georgianos, hábeis na tarefa de fazer os internacionais portugueses pensarem pelo menos 26 vezes antes de realizarem qualquer ação, Félix foi dos mais expeditos a largar a bola e a tentar fazer diferente, até porque se tratava de uma estratégia de autodefesa. Veja-se as vezes que as pernas de Francisco Conceição, homólogo do lado direito do ataque, não foram atropeladas pelos carrinhos dos adversários.
No pior dos cenários, porque coletivamente Portugal esteve estancado pela tijoleira defensiva da Geórgia, João Félix levantou a cabeça, olhou em redor e não viu melhor solução do que ser ele próprio a seguir em direção da baliza. Rematou, assim, de improviso, um par de vezes inconsequentes para o resultado.
Cordato na generosa tentativa de partilhar com os outros o ritmo a que ia jogando, falhou passes (daqueles em que o risco pode compensar) por estar a pensar uma dúzia de minutos à frente do ataque português. No tempo de compensação, teve quem o acompanhasse. Foi Nélson Semedo o contemplado com o brinde de ficar na cara do guarda-redes. O lateral não agradeceu com o golo.
Nesta fase, João Félix parece estar sintonizado noutra frequência. Quando o jogador corresponde, a equipa vacila. Quando o jogador vacila, a equipa corresponde. Não existirá uma relação direta entre as duas partes. É uma questão de encontrar o ponto certo para diminuir o ruído."

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