segunda-feira, 17 de junho de 2024

Futebol e democracia: há muito por resolver nesta relação


"Que diríamos de uma sessão parlamentar com entrada vedada à Comunicação Social?

As estimativas, mais a olho, mais a intuição ou mais a partir de sondagens e inquéritos, dizem-nos que existem espalhados pelo Mundo seis milhões de benfiquistas.
Os números estimados nas duas assembleias gerais que decorreram ontem na Luz — primeiro no pavilhão, depois no estádio, com ida intermédia ao pavilhão para se votar o orçamento — dizem-nos que estes eventos mobilizaram entre quatro e cinco mil sócios durante longuíssimas horas.
Mas como se soube isto? Soube-se porque os órgãos de Comunicação Social fazem o seu trabalho. Estão proibidos de entrar em assembleias gerais, mas porfiam na sua missão e percebem, ao contrário do que parece acontecer com os clubes (e não só), que cinco mil sócios — ou dez mil que fossem — são dois grãos de areia entre quem segue, se interessa e gosta do Benfica.
Que acharíamos da nossa democracia se as sessões parlamentares fossem vedadas à Comunicação Social? Ou os julgamentos? Ou muito outros acontecimentos que são, por natureza, públicos e, sobretudo, de interesse público?
O argumento mais básico, entre tantos que se ouvem, é que se trata de um evento da esfera privada do clube. Admitamos que é argumento certo. Os congressos partidários, por exemplo, também podem ser considerados eventos privados. Já se imaginou acontecer um sem a respetiva e necessária cobertura mediática?
Acontece falar-se aqui do Benfica por uma questão de oportunidade, visto que na generalidade dos outros clubes e restantes instituições do futebol nacional sucede exatamente o mesmo.
Os jornalistas da área do desporto que por cá andam há mais anos já assistiram a assembleias gerais de Benfica, FC Porto, Sporting ou Federação Portuguesa de Futebol. O crescimento dos meios próprios de informação e o medo cénico dos atores face ao jornalismo foram fechando essas portas. Já tem uns anos o enraizamento do esquema de produzir conteúdos próprios, dispensando essa coisa chata que é ficar sujeito a perguntas. E as pessoas vão-se habituando — ainda ontem um amigo me dizia que «a assembleia do Benfica não está a dar na BTV»...
Também se alegam motivos de segurança, e aqui há maior razão, porque existe de facto um histórico de episódios muito pouco dignificantes de ataques a jornalistas. Mas neste histórico há culpados: os dirigentes. Os adeptos seguem-nos na velha narrativa de atirar as culpas de males próprios para cima de outros. Também já houve problemas em eventos políticos e não foi por isso que passaram a realizar-se à porta fechada.
Quando a generalidade dos dirigentes quiser, o futebol português e a democracia poderão conhecer novos tempos numa relação que, convenhamos, ainda tem muito por resolver antes de poder afirmar-se como feliz e saudável."

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