domingo, 16 de junho de 2024

Benfica, um entreposto comercial


"O relatório da EY sobre a gestão de Vieira revela práticas de gestão que, se não são crime, são moralmente condenáveis. E a pressão sobre Rui Costa aumenta.

Finalmente, é divulgada a auditoria forense realizada pela EY ao consulado de Luís Filipe Vieira no Benfica, já pronta desde maio, e agora enviada ao Ministério Público. E o que se lê não é bonito. O Benfica é um clube de futebol, mas foi também um entreposto comercial de jogadores de qualidade mais do que duvidosa e que serviu apenas para a circulação de enormes transferências financeiras para sociedades offshore sem identificação do último beneficiário e para pagar milhões em comissões.
A auditoria foi pedida por Rui Costa, uma inevitabilidade depois dos processos judiciais que atingiram o antigo presidente. Qualquer analista independente — ou mesmo os mais fervorosos adeptos anti-Vieira — têm de reconhecer que o clube estava no chão. Luís Filipe Vieira recuperou o orgulho benfiquista, e as contas também. Mas esse passado, como o de Pinto da Costa no FC Porto, não é nem pode ser uma via verde para gerir o clube sem prestar contas, sem cumprir regras, sem cumprir estatutos ou cuidado de garantir uma boa governação do clube e da Sociedade Anónima Desportiva e de os proteger de conflitos de interesse e de uma obrigatória e saudável separação entre negócios privados e do Benfica.
A EY analisa o período de 2008 a 2022, e começa pelo fim, pela conclusão: “Não identificamos nenhuma situação ou particularidade em que a SAD do Benfica tenha sido lesada por qualquer um dos seus representantes”. Mas as mais de 150 páginas que se seguem dizem-nos outra coisa. É claro que a expressão usada pela consultora tem uma dimensão forense, judicial, escrita com pinças, como os chamados ‘disclaimers’ iniciais sobre as condições em que a auditoria foi feita. Com acesso a documentos do Benfica, e até às caixas de email dos gestores sob análise, mas sem condições para verificar ou comprovar a fiabilidade daqueles documentos.
As conclusões, reveladas pelo ECO em primeira mão (aqui, aqui e aqui), mostram práticas dificilmente alinhadas com os interesses do Benfica, pelo contrário. Aqui ficam algumas das conclusões da auditoria a 51 transferências de jogadores de um total de mais de 175.

Jogadores que nunca chegaram a jogar pela equipa principal do Benfica, e não foi um nem dois, foram 15 do total de jogadores analisados. Comissões muito acima das guidelines da FIFA, contratos assinados por apenas um membro do conselho de administração, negócios com sociedades offshore sem que se conheçam os beneficiários últimos. É preciso mais?
A EY salienta, na auditoria, que os resultados contabilísticos de todas estas operações geraram mais-valias. O saldo é positivo a favor da Benfica SAD, em 97 milhões de euros – 108,883 milhões em transações com resultados positivos (lucro entre compra e venda dos passes dos jogadores) e 11,8 milhões em transações com resultados negativos. Mas estes números dizem pouco, ou não contam toda a história. Em 51 transferências, mal seria se o Benfica não tivesse registado mais-valias. O problema são aquelas que não fazem capa de jornal, que passam debaixo do radar, e que dão prejuízos, e também comissões.
Rui Costa está numa encruzilhada. Poderia ter feito um corte com o passado, mas arrisca-se a ser o Marcello Caetano do Benfica, que tentou fazer a ponte entre dois regimes, sem causar estragos, e acaba a ser cúmplice de uma degradação institucional que ganhou outra relevância com a demissão de Luís Mendes, o gestor que levou para a SAD quando assumiu a presidência. Se outros gestores executivos apresentarem a demissão nos próximos dias, coisa provável, o presidente do Benfica vai ter de avaliar a necessidade de ir a votos mais cedo para validar o seu projeto desportivo e de gestão, o chamado associativismo e a sua influência na dimensão empresarial, e o modelo de governação que definiu ou que está a deixar que definam por si."


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