domingo, 26 de maio de 2024

O 20 ou 24 em versão brasileira


"Em Portugal, todas as discussões futebolísticas são tóxicas. No Brasil, às vezes, também. Mas no país pentacampeão o passado é honrado

O Sporting foi campeão pela 20.ª ou pela 24.ª vez? A discussão, como todas que surgem no futebol português, dominado por três cores que desconfiam de tudo o que um dos rivais propuser mesmo que as contas, no final, nem prejudiquem ou beneficiem especialmente ninguém, tornou-se tóxica logo à nascença.
O futebol brasileiro sabe ser tão tóxico — ou mais — do que o português mas não é tão claustrofóbico porque em vez de três, há, pelo menos, 12 grandes, espalhados por um território continental, amplo, respirável.
Nesse contexto, foi acolhida em 2010 pela CBF a tese do historiador Odir Cunha de que a Taça Brasil, criada em 1959 para apurar um campeão brasileiro para disputar a Taça dos Libertadores, e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão), a versão nacionalizada, a partir de 1967, do Torneio Rio-São Paulo, deveriam ser equiparados ao Brasileirão, fundado em 1971.
Os indignados argumentaram logo que a Taça Brasil era a eliminar — mas onde está escrito que um campeonato é jogado só por jornadas ao domingo à tarde? O campeonato do mundo não é campeonato por ter final?
Os inconformados, entretanto, registaram que não, que não pode ser porque, em dois anos, Taça e Robertão coincidiram — mas onde está escrito que um campeonato é anual? O citado campeonato do mundo é de quatro em quatro e a América hispânica tem até Aperturas e Clausuras.
Como o Atlético Mineiro, entretanto, se proclamou campeão brasileiro por ter ganho o Torneio dos Campeões, de 1937, e o America, do Rio, sob a presidência de Romário, reclama agora o título por ter ganho, em 1982, uma prova com o mesmo nome, os críticos perguntam-se se a CBF não está a ser permissiva demais nas equiparações.
Talvez. Mas a CBF, conhecida por não respeitar o presente, mostra que, pelo menos, sabe honrar o passado. Com as equiparações, Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho, Carlos Alberto e outros atletas de classe mundial que tiveram o azar de nascerem antes dos burocratas chamarem o Brasileirão de Brasileirão, sentiram, que o seu esforço nas provas que o antecederam não foi em vão. E puderam, finalmente, sentir-se campeões nacionais.
Como em Portugal o organismo a quem cabe decidir é fiel àquela máxima de Lampedusa de que é melhor deixar tudo como está, títulos ganhos por Tamanqueiro, Francisco Stromp, Pepe, Augusto Silva, Camolas, Peyroteo, Carlos Luvas Pretas Alves, Gustavo Teixeira ou Francisco Ferreira, os craques da época, foram reduzidos a um asterisco."

João Almeida Moreira, in A Bola

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