terça-feira, 14 de maio de 2024

A Luz despede-se do planeta Rafa com gratidão e nota artística


"No último jogo do craque na casa do Benfica, as águias bateram o Arouca por 5-0, com o velocíssimo jogador que sairá do clube a marcar dois golos e fazer uma assistência. Além da homenagem que os adeptos fizeram a Rafa e que Rafa fez ao bom futebol, a tarde foi de divisão de opiniões quanto a Schmidt nas bancadas

O percurso de Rafa Silva no Benfica foi como um daqueles corpos celestes cuja passagem pela órbita terrestre é anunciada muito antes de ser visível e a saída é, também, conhecida antes de suceder. Qual cometa com rota detetada pela NASA, a contratação de Rafa foi-se aguardando no verão de 2016, até se concluir no fecho de mercado, da mesma forma que a despedida foi sendo digerida, uma evidência científica para todos até ser oficialmente comunicada por Schmidt.
Mas, seguindo esta conexão celeste, o fim da passagem de Rafa Silva pela órbita do Benfica foi prevista, calculada, conhecida. Antes de desaparecer, teve uma despedida no Estádio da Luz, um adeus a um dos melhores jogadores portuguesa do século XXI do clube.
Na derradeira tarde de Rafa Silva, Rafa Silva foi Rafa Silva, como uma homenagem a si próprio. Velocidade e definição, golo e desequilíbrio. Bisou, fez uma assistência, foi a grande figura da goleada por 5-0.
Rafa Silva sempre pareceu viver no seu planeta, na sua dimensão. Um mundo só dele, em que só ele conduz a bola àquela velocidade, em que só ele é capaz de acelerar a realidade daquela forma, futebol em fast forward.
No planeta Rafa Silva, há a velocidade de Rafa Silva, as fintas de Rafa Silva, as três ligas, uma Taça, três Supertaças, 326 jogos, 94 golos e 67 assistências de Rafa Silva. Mas há também o mundo interior de Rafa Silva, a aparente indiferença ao contexto, o carácter por vezes frio, alheado da realidade, como se — lá está — só estivesse aqui numa passagem à velocidade a que circula a bola. Por uma última vez, o planeta Rafa Silva cruzou-se com a órbita do Estádio da Luz.
Os primeiros minutos revelaram bem que este jogo, já sem objetivos pontuais para o Benfica e com um Arouca em modo descompressão, seria mais uma homenagem a Rafa Silva do que uma disputa pelos pontos. Nos primeiros minutos, Rafa teve logo duas oportunidades para correr e marcar, mas a defesa visitante e Arruabarrena opuseram-se.
A goleada, selada na parte final do desafio, até poderia ter chegado bem mais cedo. João Neves forçou o guardião uruguaio do Arouca a duas boas defesas, João Mário acertou no poste.
Até que, aos 25', João Mário ganhou um penálti. O público, que exibia cartazes como “obrigado Rafa! Serás sempre um de nós!", cantava em uníssono o nome do número 27, pedindo-lhe que assumisse o castigo máximo. O português, no seu planeta, no seu mundo, preferiu que fosse Di María a marcar. 1-0.
O ritual repetiu-se sete minutos depois, mas com Kökçü a ganhar o penálti e a assumi-lo. O nome de Rafa voltou a ser pedido pelas bancadas, mas foi o turco a aumentar a vantagem da equipa de Schmidt.
O planeta da figura da tarde não precisou de ir para a marca de penálti para marcar. Aos 42', após passe de Aursnes, o campeão da Europa de 2016 fez o 3-0 com um remate potente. O festejo foi à Rafa, mais contido que efusivo.
Na segunda parte, a despedida prosseguiu. Nos primeiros minutos depois do descanso, Rafa Silva fez talvez a mais evidente homenagem a Rafa Silva: pegar na bola à entrada do último terço, driblar dois adversários, não cair perante a falta, picar à saída do guarda-redes. Na celebração que se seguiu ao 4-0, o craque lá esboçou alguns gestos de despedida. “Teste, teste, som, som. O planeta Rafa informa que está a sair da vista do Estádio da Luz”.
O Arouca foi uma sombra do belo coletivo que Daniel Sousa montou ao longo da campanha. Já sem Mujica, vendido para o Catar, na frente, a equipa que terminará o campeonato na sétima posição foi inofensiva no ataque e frágil na defesa.
Assim, a tarde foi de adeus suave para o Benfica, apagando as mágoas de meses difíceis. Os traumas recentes ouviram-se, a espaços, no encontro, com alguns adeptos a entoarem cânticos contra Roger Schmidt. Outros, em resposta, assobiaram os insultos ao alemão. Perante a unanimidade face ao futuro certo de Rafa, a discórdia face ao futuro incerto de Schmidt.
Aos 77', Rafa Silva ainda teria um último lance de protagonismo no jogo, assistindo Tengstedt para o 5-0 final. Seria, pouco depois, substituído pelo estreante João Rego.
E pronto, fim da visita do planeta Rafa. Tal como a órbita foi calculada à chegada, com o aviso da vinda no verão de 2016, foi, também, planeada à saída, nesta despedida há muito conhecida. O planeta supersónico, do futebol em velocidade que só cabia naquela dimensão paralela. O planeta alheio ao contexto, indiferente ao que o rodeava, parecendo só de passagem por aqui. 2016-2024: os dias do planeta Rafa Silva na Luz terminaram."

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