domingo, 14 de abril de 2024

As grandes encruzilhadas olímpicas


"O movimento olímpico vive tempos de inquietação e dúvida. De um lado, o peso enorme de uma História com 128 anos de tradição diferenciada e assente em valores e direitos humanos. Do outro lado, a imparável vertigem dos tempos e a robotização de uma sociedade cada vez menos interessada no bem comum e no interesse universal.
Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional, em fim de ciclo, tem sido bem o símbolo destes novos tempos de profunda contradição no Comité Olímpico Internacional. As decisões tomadas a propósito da invasão russa na Ucrânia ajudaram a criar maiores situações de uma inevitável conflitualidade com os velhos ideais olímpicos e agora que Israel responde ao ataque terrorista do Hamas com uma guerra cruel e desproporcionada, que se tem tornado trágica para o povo palestiniano, não há sinais de coragem da parte dos dirigentes do COI, que evitam tomar decisões consequentes, mantendo, aliás, um comprometedor silêncio sobre o assunto.
O melhor que Bach conseguiu fazer na defesa dos ideais olímpicos foi mudar o velho lema Mais rápido, mais alto, mais forte, procurando sublinhar um desejo, através do desporto, de uma certa unidade mundial, associando ao antigo lema a palavra juntos. Não terá sido mais do que um suave libertação de uma consciência pesada pelas ziguezagueantes decisões que o COI_foi tomando nas muitas encruzilhadas de um caminho cheio de inquietações e de sobressaltos.
Entretanto, a somar às legítimas preocupações geradas pelos problemas de segurança nos Jogos Olímpicos de Paris, já no próximo verão, Thomas Bach recebeu diretamente de Sebastian Coe, putativo candidato à presidência do COI, no próximo ano, e atual presidente da World Athletics, o órgão que gere o atletismo mundial, a informação de que este organismo se propõe pagar prémios em dinheiro a cada medalhado nas 48 provas de atletismo, nos Jogos de Paris. E deu os valores: 50 mil dólares para os medalhados de ouro, 22.500 para os de prata e 15 mil para o bronze, curiosamente, prémios que não andam muito longe dos que Portugal atribui aos seus atletas com pódio olímpico.
Não se trata de um valor muito significativo, sobretudo se tivermos em conta que países como a Indonésia pagam, aos seus medalhados, 346 mil dólares pelo ouro, 138 mil pela prata e 69 mil pelo bronze, ou como a Itália, que paga aos seus atletas, pelos três primeiros lugares, respetivamente, 213 mil dólares, 107 mil e 71 mil.
A questão mais importante é a dos princípios olímpicos, a começar pela diferença que passa a existir entre federações ricas e federações pobres, e, também, entre atletas profissionais e atletas amadadores. Além de que o argumento apresentado por Coe lança as sementes de uma autêntica revolução olímpica, porque vai no sentido de defender reivindicações de atletas, que acusam o COI de não compensar quem, afinal, faz um espetáculo de milhares de milhões de dólares. Só para se ter uma ideia, entre 2017 e 2021, o Comité Olímpico Internacional faturou cerca de 7,6 mil milhões de dólares.
Falta perceber como irão reagir, à decisão da World Athletics, as federações internacionais das outras modalidades, sobretudo as de maior impacto nos Jogos, como a de natação e a da ginástica. Aberta a caixa de Pandora da distribuição de dividendos pelos atletas olímpicos medalhados, inicia-se um processo que será impossível de travar no futuro. Sobretudo se o futuro dos Jogos passar por Sebastian Coe como próximo presidente do COI. Algo que parece cada vez mais provável."

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