sábado, 16 de março de 2024

Vão Benfica e Portugal resistir até quando?


"Quando se falar outra vez da competitividade da Liga deveria olhar-se com atenção para a lista de apurados para os quartos de final das três competições da UEFA

Portugal podia ter ficado de uma só vez sem representantes na Europa, que apenas ainda avança para os quartos de final. Resta o Benfica e nem se pode dizer que o atual campeão nacional tenha sido aquele que melhor imagem deixou até aqui. Bem pelo contrário. Diante de um Rangers competente e organizado sim, porém com massa crítica bem aquém da dos encarnados no que ao talento diz respeito, estes não conseguiram mandar no jogo e aproveitaram apenas a manta subida dos escoceses para lá do meio-campo para isolar Rafa na cara do guarda-redes e rezar para que, dessa vez, o avançado não falhasse. Não falhou. A fezada de aguentar em campo mais uma vez um dos jogadores menos ligados à partida acabou por dar certo e até fazer história: foi a primeira vez que um emblema português ganhou no estádio dos protestantes de Glasgow.
O Sporting enfrentou o que se esperava, um quebra-cabeças bergamasco, talvez até mais na primeira mão do que ontem, criado pelo admirável Gian Piero Gasperini. Uma bela Atalanta, que faz inveja a praticamente todos os rivais da Serie A, exceto talvez ao Inter de Simone Inzaghi, afastado da Champions, porém líder incontestado no seu país, e ao surpreendente Bolonha de Thiago Motta, a abrir já as portas dos grandes clubes para o antigo internacional italiano. Mesmo que os resultados às vezes a comprometam. Um modelo complexo, todavia ao mesmo tempo linear e geométrico, que persegue a simplicidade de movimentos, não tanto contudo quanto o golo inaugural de Pedro Gonçalves, inspirado nas quadras de futsal. Gyokeres decalcou-se nesse instante, muito provavelmente, de Zicky Té.
O golo foi banhado a lágrimas com a triste lesão muscular de Pote, que deixou a equipa órfã da sua inteligência até ao apito final e poderá vir a ser lamentada na reta decisiva do campeonato. Quantas daquelas lágrimas não se deviam também à perda de uma oportunidade única de estar no mesmo relvado que Roberto Martínez?
A simplicidade com que os leões sofreram os golos foi tudo menos natural. Erros pouco comuns num conjunto normalmente muito coeso no momento sem bola tornaram fácil a reviravolta dos transalpinos e, posteriormente, os avançados não conseguiram compensá-los, apesar das muitas oportunidades que tiveram para fazê-lo. Tudo somado, o atual líder da Liga não se conseguiu superiorizar na eliminatória ao atual sexto classificado do calcio. Apesar de belo, como disse antes.
Em Londres, e perdas na tradução à parte, o FC Porto mostrou toda a sua face competitiva. De faca nos dentes, tentou abafar o Emirates com pressão intensa sobre o portador, e anulou - essa é a palavra que mais se adequa - muito do que o rival podia fazer-lhe. Num dos dois ou três momentos em que não o conseguiu, e porque Odegaard já vê também coisas que muitos poucos veem, os gunners castigaram os soldados de Sérgio Conceição com o empate na eliminatória. Otávio e Pepe foram fantásticos, Varela e Nico insuperáveis - como se esperava quando foi anunciada a contratação do espanhol -, Pepê construiu inúmeras pontes e os dragões igualaram o rival até ao desempate nos penáltis. Igualaram. Será mesmo assim tão injusta a qualificação dos ingleses, que mantiveram a identidade e quiseram dominar desde o primeiro minuto dos oitavos de final?
Somadas as presenças nos quartos das três competições continentais, a Inglaterra apresenta-se com 5 equipas (Arsenal, Manchester City, West Ham, Liverpool e Aston Villa), Itália 4 (Milan, Atalanta, Roma e Fiorentina), Espanha (Barcelona, Atlético Madrid e Real Madrid), França (PSG, Marselha e Lille) e Alemanha 3 (Dortmund, Bayern e Leverkusen). Seguem-se Grécia com 2 (PAOK e Olympiakos), Turquia (Fenerbahçe), Bélgica (Club Brugge), República Checa (Viktoria Plzen) e Portugal com 1 (Benfica). Quando falamos da competitividade da nossa Liga deveríamos olhar com atenção para esta lista, mesmo que o copo meio-cheio nos diga que Portugal é o único país fora das Big Five nas duas principais competições: Liga dos Campeões e Liga Europa. É escolher, tudo depende das expetativas que temos.
Volto a Glasgow por duas razões. Uma delas é João Neves, que nos surpreende a cada jogada, a cada duelo, de cada vez que puxa pelas alças e quer carregar a equipa às costas como se fosse uma mochila que leva para a escola. Faça chuva, sol, esteja a equipa bem ou, como nos últimos tempos, ande mal, carregada de dúvidas, de olhos no chão. Aos 19 anos, não as tem. Ou então não pensa muito nas coisas, o que também deverá ser apreciado. Não lhe importa se decidiu bem ou mal, porque tem uma segunda vida para jogar e recuperar a bola, e geralmente consegue-o. Não importa se tem de correr para trás e para a frente, com o jogo partido, e começar mais uma jogada do zero. Se tem de ser ele a assumir a primeira e a segunda fase de construção. Nada importa. O que o torna tão importante, ainda mais com o apoio de alguém como Florentino ao lado. Se correr mal no fim, o seu aparecimento é pelo menos uma coisa que têm de agradecer a Schmidt. Mesmo que não queiram. O que seria agora esta equipa sem o jovem médio?
No plano oposto, encontramos Otamendi. Onde está a liderança, a tranquilidade, o saber estar e o saber sempre o que fazer que vem da idade, da experiência e até de um título de campeão do mundo? O argentino tem feito praticamente quase tudo mal nos últimos jogos. Encurta ou sai à queima quando deve fazer contenção, alivia de forma disparatada quando pode sair com critério, é de uma sofreguidão contagiante na altura em que deveria simplificar. É incompreensível que seja precisamente o capitão o menos líder em campo.

P.S. Wataru Endo tem sido dos jogadores de que mais tenho gostado esta temporada. O médio japonês chegou como reforço low cost e Jürgen Klopp já não consegue passar sem ele. É Endo quem sustenta este Liverpool revitalizado. Façam o exercício. Tirem o som da TV e olhem só para ele. Vão perceber rapidamente."

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