sábado, 9 de março de 2024

Quando tentou pagar com desculpas, o Benfica descobriu que elas não valem nada


"Os traumas do passado fizeram campanha no Estádio da Luz e nem a goleada sofrida contra o FC Porto foi suficiente para espicaçar o Benfica a entrar bem nos oitavos de final da Liga Europa. Frente ao Rangers, os encarnados estiveram a correr atrás do prejuízo desde os sete minutos e só empataram (2-2) graças a um autogolo. Roger Schmidt queria pedir desculpas aos adeptos com uma boa exibição, mas a encomenda não chegou a tempo deste jogo. Ainda assim, leva a eliminatória em aberto para Glasgow

O passado, mesmo que guardado numa gaveta, consegue intrometer-se na memória. São essas recordações que atuam sobre o presente e o retraem. O semblante dos encarnados era tétrico e por muito que naquelas cabeças estivesse a vontade de dar a volta às derrotas contra Sporting e FC Porto, no campo, onde se plantam boas intenções também se podem colher objetivos falhados.
Não sabemos qual é a opinião de Tom Lawrence sobre proliferação do terror, mas o galês que apareceu na frente, face a uma defesa do Benfica absorta quanto à triangulação que acontecia do lado esquerdo do ataque do Rangers, e provocou muito mais do que uma partida de mau gosto. Alguns segundos dos sete minutos decorridos até então estavam reservados para que os escoceses se colocassem na frente do resultado.
O Benfica tinha razões para pedir o livro de reclamações à justiça, porque a entrada em campo dos jogadores de Roger Schmidt foi positiva. Rafa manifestou aquela sua mania de maquilhar o caos com glitter, Di María, com o regresso de Bah ao onze, esteve colado ao corredor central, Neres agitou no corredor, enquanto Arthur Cabral dava aos centrais o que precisavam para se entreterem. Acrescente-se que uma dose de sacrifício cai sempre bem em quem se sente vilipendiado pelos desempenhos de uma equipa. Para isso, existe Aursnes que voltou a dar a mão à palmatória e jogou como defesa-esquerdo.
Uma organização ofensiva relativamente oleada foi traída por uma má abordagem aos malfadados cruzamentos. Nem a presença de Florentino na zona onde surgiu o golo do Rangers intimidou o sucesso da ação. Para contrapor o desastre na defesa, Arthur Cabral fez a bola pingar, ao ritmo da chuva, na linha de golo num dos muitos remates que os defesas escoceses desviaram. David Neres também tentou o golo, mas foi negado por Butland.
O treinador do Rangers, o belga Philippe Clément, tinha garantido que a estratégia não podia ser put the bus, estrangeirismo que dá uma certa elegância ao mais rudimentar dos procedimentos que se pode encontrar para abordar um jogo. Lá vai o tempo em que os escoceses jogavam um futebol entrincheirado e sustentado pela força de onze matulões. Um regresso ao passado podia não ser uma solução mal pensada devido às ausências de que se queixou o técnico vencedor do grupo C da Liga Europa. Foi tal e qual o que se verificou. A solidária organização defensiva em 4x4x2 tinha Lundstram como médio posicional e a dupla Mohammed Diomandé/Tom Lawrence a dividir com Dessers o trabalho de condicionamento aos centrais.
Já se jogava o tempo de compensação quando o bloco sólido do Rangers, numa situação tão particular como uma bola parada, quebrou. Um canto acabou por advir de um remate que Neres permitiu ao pé esquerdo de Butland, numa demonstração de agilidade, alcançar. Florentino desviou ao primeiro poste levando a bola à mão de John Souttar. O árbitro alemão Tobias Stieler, com ajuda do VAR, marcou grande penalidade. O guarda-redes do Rangers viu amarelo por demorar a colocar-se em cima da linha de baliza e o sorriso que fez quando foi castigado desfez-se no golo do empate de Di María, já nos descontos da primeira parte.
Acima de tudo, Philippe Clément queixou-se da falta de homens para o ataque, mas, pelos vistos, as soluções disponíveis cumpriram com elevada eficácia. O português Fábio Silva foi um dos jogadores mais adiantados do Rangers e executou uma inversão do sentido de marcha que fez Bah seguir em contramão. Daí nasceu o passe para Dujon Sterling voltar a colocar os líderes do campeonato escocês na frente ainda antes do intervalo. O efeito ioiô que o Benfica não conseguiu travar tornou frívola a corrida que os jogadores deram para o meio-campo com a bola debaixo do braço para não perderem tempo quando Di María marcou.
Uma torção da alma, uma luxação do orgulho, uma rutura emocional. Há dores pelas quais o Benfica tem passado que não têm solução médica. A queda sofrida no Dragão provocou uma fratura exposta às críticas, suspeições e venenos. O antídoto, considerou Roger Schmidt, não era pedir desculpas, era fazer melhor. Até então, isso não se tinha verificado e, acontecesse o que acontecesse, dificilmente o brilhantismo ia fazer campanha à primeira mão dos oitavos de final da Liga Europa.
Sem que um fenómeno tivesse nada a ver com o outro, Schmidt lançou Marcos Leonardo para o lugar de Arthur Cabral e, pouco depois, apareceu um novo empate ao qual o Benfica foi alheio. O único habilitado a assinar um termo de responsabilidade parcial pelo golo foi Di María, que cobrou o livre em zona lateral. O resto ficou ao encargo de Connor Goldson que marcou na próxima baliza sem ter nenhum adversário que o pressionasse a fazê-lo.
No que dependia de si, o Benfica não era capaz de criar perigo. Os passes no último terço demoravam sempre mais do que o ideal e as finalizações, como a que Di María, em jeito desengonçado, enviou para fora, eram desperdiçadas mesmo quando feitas em boa posição. Por outro lado, Fábio Silva andava a fazer passes sem olhar com a confiança de quem, com o 2-2, leva a eliminatória em aberto para Glasgow."

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